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Paradigmas da ciência moderna

2.7 Paradigmas emergentes da ciência contemporânea

Ao longo dos últimos cem anos, o desenvolvimento da ciência, estabelecida na modernidade, da técnica e da tecnologia, associado à complexificação e à globalização do capitalismo levou a uma crise no paradigma científico moderno do século XX. A intenção é demonstrar algumas contribuições científicas notadamente desenvolvidas no século XX, que têm influenciado a construção de um novo paradigma da ciência contemporânea como conseqüência para as ciências físicas, naturais e sociais.

Em 1905, Albert Einstein46 (1879-1955) sacudiu os alicerces da ciência moderna quando elaborou a teoria da relatividade. O que, de forma simples e adequada a este trabalho, significava dizer que não havia simultaneidade universal, ou seja, o tempo e o espaço absoluto concebidos por Newton deixavam de existir. “Einstein afirmava que o espaço não era tridimencional e que o tempo não constituía uma entidade isolada. Ambos estavam intimamente vinculados” (MORAES, 1997, p.58). As leis da física e da geometria se pautavam em medições locais. Não havia um espaço ou um tempo absolutos mas, em verdade, as medidas de tempo e espaço dependiam do observador. Einstein demonstrou que a matéria e a energia são intercambiáveis e interdependentes, a ponto de a matéria poder virar energia e a energia poder virar matéria (BOFF, 1997).

No âmbito da microfísica, da mecânica quântica não era possível observar, acompanhar ou medir um objeto sem atuar sobre ele, sem alterá-lo. Em 1927 o físico Heisenberg formulou o chamado Princípio da Incerteza. Dizia este princípio que no mundo atômico o comportamento dos elementos constituintes da matéria era totalmente imprevisível. Afirmou que era impossível medir ou tentar prever a trajetória das partículas atômicas pois não era possível dizer, ao mesmo tempo, a exata posição e o movimento daquelas (MORAES, 2004a).

O Princípio da Incerteza se alicerçava no entendimento de que no mundo quântico o movimento dos elementos atômicos era totalmente anárquico e isso constituía um princípio que regia a natureza da matéria. A física clássica, até então, não podia conceber a imprevisibilidade porque no seu entendimento havia leis absolutas que regiam os

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Assim, desde o início do século XX, o impacto da teoria da relatividade geral de Albert Einstein sobre a cosmogonia tornou-se considerável, sobretudo após a verificação do fato que um raio luminoso tangente ao Sol sofre um desvio, o que significa que um fóton tem realmente uma massa, como Einstein havia previsto (LABEYRIE, 2002, p.33).

fenômenos naturais e físicos. Este princípio vai demonstrar que não há certeza absoluta no mundo quântico.

Em 1913, Niels Bohr formulou o Princípio da Complementaridade que dizia que a matéria era constituída, simultaneamente, por ondas e partículas. Os dois comportamentos são complementares, o que revelava uma dinâmica paradoxal existente no mundo. Conforme Boff (1997, p.81), a luz era um exemplo dessa dualidade complementar:

Ela pode ser compreendida como onda, que atravessa de ponta a ponta todo o universo (Quem a empurra? Quem lhe dá velocidade? Eis enigmas ainda não respondidos pela ciência). Ou, como partícula material, que pode ser retida, estocada e desviada. Como a luz, todos os demais fenômenos elementares apresentam a mesma natureza dual, ora de onda energética, ora de partícula material.

Os fenômenos, eventos existentes no universo atômico, apresentavam tendência a existir, a ocorrer ou não o que depreendia que esses eventos, fenômenos, eram a manifestação de uma probabilidade, porque não havia certeza de que ocorressem pois o observador no momento da aferição é que determinaria ou influenciaria no movimento quântico.

Bohr compreendeu o alcance epistemológico que estava protagonizando na microfísica com conseqüências para toda a ciência. O lugar da observação, do observador se tornava relativo, e sujeito e objeto eram fundamentalmente inseparáveis. E a partícula observada ora se comportava como onda, ora como corpúsculo (MORIN, 2001, 2003).

Prigogine (Nobel de Física em 1977) estudou a termodinâmica dos chamados sistemas abertos, diferentemente dos sistemas fechados que a ciência clássica havia estudado. Percebeu que nos sistemas termodinâmicos havia a energia e entropia, mas que havia fluxos e forças produtoras de energia e entropia (CASANOVA, 2006).

A primeira lei da termodinâmica diz que a energia universal do nosso universo (aqui o universo concebido como um sistema fechado) seria constante, não se degradando. Apenas se transformaria e se conservaria com o passar do tempo. A segunda lei da termodinâmica diria que haveria, com o desgaste, com o consumo de energia o fenômeno da entropia.

Para Morin (2001), o segundo princípio anunciou que o universo está submetido a uma lei de degradação, de dispersão, de morte. A entropia significaria o estado de

equilíbrio, o estado de morte. Por essa segunda lei, tudo no universo, o Sol, a Terra, os seres vivos, enfim, caminhariam para a morte térmica, o equilíbrio total e frio. Como vencer o segundo princípio da termodinâmica, pergunta Prigogine (2002).

Em sua teoria das estruturas dissipativas, Prigogine vai explicar que a matéria se comporta profundamente diferente quando em condições de não-equilíbrio, portanto, em processo entrópico. Formam-se estruturas de não-equilíbrio que só existem quando o sistema dissipa energia e permanece em interação com o mundo exterior. Conforme esclarece Bauer:

A partir de um certo limiar de distanciamento do equilíbrio estes sistemas tornam-se capazes de importar energia e exportar entropia, sendo por isso denominado “dissipativos”. Sob tais condições, o sistema torna-se suscetível a ‘flutuações’. Pequenas perturbações aleatórias podem ser rapidamente amplificadas, levando o sistema a uma ainda maior instabilidade, até um limite denominado ‘ponto de bifurcação’, a partir do qual rompe-se a estrutura do sistema. Após o ponto de bifurcação, o comportamento do sistema torna-se errático por algum tempo, mas tende a estabilizar-se em um novo equilíbrio – só que qualitativamente distinto do original. O sistema agora apresenta novos modos de organização, estruturalmente mais complexo (2000, p.65).

As estruturas dissipativas, com suas flutuações e bifurcações, possibilitam o aparecimento de novas organizações vivas mais complexas, desvelando que a natureza desenvolve uma forma de criatividade, tendo em vista que esses estados “novos” de flutuação e/ou bifurcação (são processos aleatórios, espontâneos, não determinados) criam um novo estado capaz de (re)organizar a totalidade do sistema, surgindo uma nova ordem, a partir de um aparente caos (MORAES, 2004a). O fenômeno da bifurcação pode ser entendido quando, num dado momento, aleatoriamente, o sistema sofre influências diversas mas que, um fator infinitesimal pode definir para qual caminho o sistema será levado (MORIN, 2002c).

Para Boff (1998, p.75), as estruturas dissipativas são dispositivos com os quais os seres vivos transformam a desordem, a decomposição, a degeneração em alimento e vida. E cita o exemplo da “[...] fotossíntese que aproveita os raios de luz do sol para produzir carbono, liberar oxigênio e produzir biomassa. A natureza não conhece lixo, porque ela tudo recicla, ela tudo (re)aproveita, superando a entropia pela sintropia”47.

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Sintropia é o oposto de entropia; coordenação de fatores e energias que têm por efeito a dissolução do desgaste de energia (entropia) (BOFF, 1998, p.174).

O ser humano é um sistema organizacional complexo aberto porque interage com o meio ambiente, com o qual as estruturas dissipativas trocam energia permanentemente, mantendo um fluxo dinâmico para a manutenção da vida. O ser humano, os seres vivos evoluem rumo à morte, mas ao mesmo tempo evoluem para a vida graças às estruturas dissipativas de entropia (BOFF, 2003).

A importância dessa teoria está no rompimento que faz com a física clássica quando concebe a história ao invés da eternidade; ao invés do determinismo, a imprevisibilidade; ao invés do mecanicismo, a interpretação, a auto-organização; ao invés da irreversibilidade, a (re)versão e a evolução; ao contrário da ordem eterna a (des)ordem; ao contrário da necessidade, a criatividade, o inesperado, o acidente (SANTOS, 2003)

Os biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela, no século passado, formularam a Teoria Autopoiética na qual afirmavam ser a vida produtora de si própria. Quando um ser vivo estabelece relação com seu entorno, com o ambiente por meio de troca de informações, de energia, estas assumem um significado peculiar para o sistema, ou seja, essa troca é determinada pelos “interesses” internos de auto-organização do sistema. Cada sistema vivo precisa preservar sua sobrevivência, sua identidade. Os sistemas vivos trocam energia com seus ambientes, portanto são termodinamicamente abertos48, mas são organizacionalmente fechados para que possam preservar sua individualidade, sua identidade (BAUER, 2000). A vida na Terra é autopoiética porque é capaz de produzir-se e sustentar-se, enfim, todo o planeta é um sistema autopoiético.

Cada sistema se compõe de subsistemas e todos se tornam partes de um sistema maior. As partes de um sistema estão em permanente movimento. Conforme Boff (1999) o organismo encontra sua estabilidade pela capacidade de adaptação e equilíbrio dinâmico.

Essas teorias contribuem para se entender que o mundo físico e natural pode ser concebido a partir de conceitos como: historicidade, processo, auto-organização, autopreservação, autopoiésis49. O novo paradigma que se constrói a partir das ciências como a Física, a Biologia, a Cosmologia, a Ecologia, as ciências da Terra, passa a conceber

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Um sistema é considerado fechado quando não troca energia/matéria e informação com o meio exterior. O sistema encontra-se em estado de equilíbrio dinâmico (pedra). As trocas energéticas, materiais e informacionais permitem que ele internalize tudo o que necessita para que possa manter a sua organização e estrutura em funcionamento (MORAES, 2004, p.68).

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Autopoiése: termo derivado do grego para designar o processo evolutivo que é autocriativo e auto- organizativo (BOFF, 1998, p.169)

a realidade física, a natureza, o mundo atômico, o mundo astronômico, a biosfera e o ser humano como partes de um Universo caracterizado por uma rede de relações interconectadas e interdependentes. Essas redes constituiriam sistemas dentro de sistema, os quais se tornariam partes de um todo que interaria sobre as partes e essas sobre o todo e entre si, numa dinâmica processual indefinida.

Segundo Capra, o Universo é visto “[...] como uma teia dinâmica de eventos inter- relacionados. Nenhuma das propriedades de qualquer parte dessa teia é fundamental. Para ele, todas as partes são fruto das propriedades dos demais sistemas (partes) e a [...] consciência global das suas inter-relações determina a estrutura de toda a teia” (1996, p.30). A natureza, o indivíduo e a sociedade se tornam elementos interdependentes, partes de um mundo físico, natural e humano, frutos de uma realidade indivisa, a não ser quando percebidos pelo paradigma da Modernidade que não tinha instrumentos teóricos e práticos para compreender a teia complexa da vida.

A teoria da Evolução, a Teoria da Relatividade, a Teoria Quântica, a Teoria da Autopoiésis, a Teoria das Estruturas Dissipativas passam a influenciar todo o processo histórico na busca pela compreensão das relações complexas existentes no Universo. Como diz Behrens (2003, p.40): Elas têm em comum o pressuposto de superação do pensamento mecanicista e a busca de um pensamento sistêmico e contextualizado que priorize o todo.