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3.2. Corrupção em Moçambique: participação, percepção e consciência política

3.2.1. Participação

Ao evocar aqui o tema da participação, meu objetivo é o de evidenciar a importância do reconhecimento da participação popular nas decisões sobre a coisa pública como pressuposto básico para a legitimação das decisões políticas e para a potencialização das possibilidades de eficácia das políticas públicas de enfrentamento do problema da corrupção em Moçambique.

Segundo Lucia Avelar (2007) participação é uma palavra latina do século XV, oriunda de participatio, participationis, participatum, e significa tomar parte, compartilhar, associar-se. O que mais diretamente interessa aqui é observar que desde a década de 1960, a palavra participação passa a ocupar lugar de destaque no vocabulário político popular. Isso aconteceu “na onda de reivindicações [...] de vários grupos que queriam, na prática, a implementação dos direitos que eram seus na teoria” (PATEMAN, 1992, p.9). Mais interessante ainda é perceber que se na década de 1970 Pateman (1992) entendeu que a intensificação dos movimentos em prol de uma participação maior e mais efetiva era, por si só, merecedora de especial atenção dos pesquisadores da teoria da democracia moderna; mais recentemente, Avelar (2007) constata que a participação tornou-se um fenômeno político e, desde que isso aconteceu, os estudiosos procuram compreender as diferentes formas de participação, cada um em seu contexto histórico.

Exemplo disso, aliás, é este justamente o Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política (ProMusPP), no qual o presente estudo foi desenvolvido. Uma verdadeira inovação da Universidade de São Paulo (USP) visando responder a uma demanda crescente de propostas de estudos que buscam a compreensão dos desafios da participação política como ferramenta indispensável para as mudanças sociais que se julgam necessárias na contemporaneidade.

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Neste cenário, a compreensão do que leva o cidadão a participar ou não, quase que monopolizou a atenção dos estudiosos da psicologia política, especialmente na América Latina. Montero (1995) observa que o uso do termo participação implicou na sua fraca exploração enquanto fenômeno político social e, por isso mesmo, a autora prefere adotar ação política ao invés de participação. Segundo ela, o primeiro concebe o sujeito como ator ativo e construtor da realidade e elimina qualquer possibilidade de entendê-lo como mero reprodutor de ideias e/ou ações em situação determinadas. O segundo, por sua vez, dá margens para uma forma de entendimento que enfatiza ideias, ações e movimentos da realidade cotidiana situados à margem da vida política partidária ou oficial e que funciona apenas de forma reativa às ações destes.

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O conceito de ação política indica uma tomada de posição que considera, em primeiro lugar, que as pessoas são seres ativos, construtoras da realidade em que vivem, geradoras das mudanças, das tendências dominantes e das resistências. Esta posição está localizada dentro do paradigma relativista, construcionista, que a partir de meados da década passada surge como um contrapeso para a concepção predominantemente reativa a que nos acostumou o positivismo. Assim, a ação política é vista como parte da construção social cotidiana da realidade, como parte da evolução histórica e como conjunto de fenômenos, essencialmente dialéticos e dinâmicos. Conseqüentemente, a ação política inclui não apenas os feitos tradicionalmente considerados como "política", mas muitos outros, não menos políticos, mas também tradicionalmente negligenciados ou relegados à esfera da patologia social ou das "disfunções" sociais. Nesse sentido [...] sua perspectiva dos acontecimentos e de seus atores assume um caráter não apenas mais amplo, mas também mais democrático (MONTERO, 1995, p. 10 apud COSTA, 2012, p. 23).

Aqui, faço uso indiscriminado das duas expressões (participação e ação política). No entanto, elas devem ser sempre entendidas conceitualmente na definição de Montero (1995) para ação política. Destaco também que a participação é política na medida em que para se configurar como tal, é preciso que em suas reivindicações, sujeitos individuais e coletivos o façam em relação à política governamental institucionalizada. Quero com isto afirmar que “para se considerar uma ação como um ato de participação política é necessário haver a intenção de se querer mudar, de qualquer forma, as ações de governo, caso contrário, seria uma participação cidadã ou social, como no caso de algumas ações comunitárias ou de bairro”, (DELFINO e ZUBIETA, 2010; apud Costa 2012, p. 25).

Sabucedo e Arce (1991) também deram sua contribuição para que o tema da participação se estabelecesse como fenômeno político. Identificaram as principais modalidades de atividade política situadas além da dicotomia convencional/não-

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convencional, ou ainda, legal/ilegal. Mencionados por Costa (2012), estes autores apresentam quatro tipos de participação política a saber:

I) Persuasivo eleitoral: se refere às ações bastante vinculadas às campanhas eleitorais, onde o sujeito é agente da influência (convencer outros a votar como um) e o objeto da mesma (ir a comícios);

II) Participativo convencional: se referem às ações que se mantêm dentro da legalidade e que objetivam alterar o curso dos acontecimentos político-sociais. Aqui se incluem condutas como votar, enviar cartas à imprensa, manifestações e greves autorizadas;

III) Participativo com violência: como o nome diz, se referem às formas violentas de participação, com ações que causam danos às propriedades e podem ser realizadas por meio de armas;

IV) Participativo pacífico: se referem às atividades que, mesmo que não estejam exatamente dentro da legalidade, também não são manifestações violentas, como ocupação de edifícios, boicotes, manifestações e greves não autorizadas.

Nesta mesma linha de raciocínio, Sandoval (1997) entende que as diferentes formas de participação concorrem na caracterização do comportamento político, isto somado à análise dos espaços sociais, onde comportamento e sequências de comportamento se desenvolvem em termos de espaços formalizados ou espaços não- formalizados. Dessa forma, o autor propõe o seguinte esquema:

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FIGURA 5 – CARACTERIZAÇÃO DE FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA (SANDOVAL, 1997).

Sandoval reafirma que o estudo do comportamento político é complexo e possui diversos determinantes sociais e psicossociais.

É por essa complexidade que entendemos que o estudo do comportamento político não poderá ser determinista em suas explicações. Teremos que adotar um enfoque compreensivo focalizando nas interações entre fatores, contextos e situações que impactam o processo comportamental pelo qual o ator elabora o tipo de participação que realiza na arena política ao mesmo tempo que se define como ator e atribui significado a suas ações (SANDOVAL, 1997, p. 23).!

Tanto Sabucedo (1990) como Sandoval (1997) destacaram em seus estudos que as distintas formas de participação não são excludentes. Já a contribuição de Seoane (1990), consistiu na formulação de uma definição para o conceito de participação que, ao mesmo tempo, é criteriosa e abrangente:

Participar é querer ser levado em conta na forma em que se tomam decisões, na determinação de quem toma as decisões; participar também é querer ter informação sobre as decisões tomadas; até opor-se e resistir a uma decisão tomada é uma forma de participação. Ao contrário, o que não se constitui como participação nesse terreno é obedecer às decisões já tomadas; estes são atos de submissão política, que podem constituir uma virtude ou uma responsabilidade política, mas não é um ato de participação, posto que não têm a intenção de influenciar a tomada de decisões. A partir deste ponto de

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vista, a conduta de voto é uma participação necessária, mas não suficiente, como diriam os lógicos (SEOANE, 1990, p. 176 apud COSTA, 2012, p. 25).

Esta reflexão de Seoane (1990) sobre o tema da participação é de grande contribuição para este trabalho na medida em que é o conceito que mais auxilia na concretização dos anseios deste trabalho: a partir de uma perspectiva psicopolítica, entender os sentidos que moçambicanas e moçambicanas atribuem ao fenômeno da corrupção e, a partir daí, tentar sugerir que tipo de consciência política pode ser atribuída àqueles, especialmente quanto estes refletem sobre o fenômeno em causa. Ou seja, espero que esta reflexão sobre o tema da participação política em Moçambique possa render subsídios que me permitam observar até que ponto, opiniões e percepções que moçambicanas e moçambicanos têm sobre a problemática da corrupção são consideradas nos processos de tomadas de decisões políticas relativas ao fenômeno da corrupção em Moçambique. Assim, parto então desta formulação de Seoane (1990) para colocar uma questão pertinente às preocupações que sustentam esta dissertação: ao lidar com a corrupção – agindo ou sendo omisso, enfrentando-a ou aceitando-a – moçambicanas e moçambicanos participam ou é-lhes dada a possibilidade de participar no jogo político que produz decisões concernentes ao enfrentamento do problema? Dito de outra forma: constitui-se em torno da problemática da corrupção em Moçambique, um campo de ação política em que atores autóctones influenciam a tomada de decisões relativas ao enfrentamento da questão?