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TERRITÓRIOS E POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL

3.2. Contradições e Tensionamentos nas Políticas de Desenvolvimento Territorial

3.2.3. Participação Social e Desenvolvimento Territorial

Um dos temas recorrentes nas análises sobre desenvolvimento territorial tem sido o da participação social, apresentada como um pressuposto das atuais políticas de desenvolvimento territorial. Assim, muito se tem falado sobre a necessidade de “participação política ampla e democrática dos “atores” presentes no que se delimita como sendo um território, bem como a busca de caminhos para articulações entre esses “atores” e entre territórios/regiões/nação” (MEDEIROS; DIAS, 2011, p. 146).

Todavia, conforme já sinalizado na primeira parte deste capítulo, as condições de participação política dos agentes é bastante controversa, em especial quando se consideram as profundas desigualdades sociais existentes em nosso país. Em situações como essa, as possibilidades reais de viabilização da participação e representação nos chamados espaços democráticos de participação política são bastante limitadas.

Nas entrevistas realizadas com membros dos colegiados territoriais, são inúmeras as falas que retratam as limitações de participação, por exemplo, dos chamados representantes da sociedade nos colegiados territoriais:

Nesta reunião (referindo-se ao Encontro Estadual da Rede de Colegiados Territoriais do Tocantins) fica claro as dificuldades que nós da sociedade civil temos pra participar. Há mais representantes do poder público, isso porque as organizações não tem dinheiro para custear as viagens. Eu só vim porque me ligaram dizendo que o carro já estaria passando, já estava de saída para o encontro (Membro do Colegiado Territorial Sudeste, representante da sociedade civil, em entrevista realizada em 15/04/2014)

Uma das dificuldades grandes é o rodízio das pessoas, isso faz com que muitos nem saibam o que é o colegiado. Hoje eu estou representando o poder público, mas tem outras pessoas que não puderam estar aqui, que representam a sociedade civil e que tem bagagem, participaram de todo o processo de formação do território e do colegiado. A gente tem muita dificuldade de participar... hoje, por exemplo, tem três eventos em que eu tinha que estar: a entrega das máquinas do Estado, o lançamento do Pronatec campo no Estado e o encontro da Rede, todo mundo é muito ocupado. (Membro do Colegiado Territorial do Bico do Papagaio, secretário de agricultura, em entrevista realizada em 17/04/2014)

Para além dessas constatações, é preciso chamar atenção para o fato de que ao se institucionalizarem os espaços de participação, priorizando os “atores sociais” organizados, os mecanismos de participação social, a exemplo dos colegiados, deixam de fora uma expressiva parte da população que vive nos territórios, mas que não consegue organizar-se para fazer-se reconhecer.

Observamos, ainda, que o marco jurídico regulador da participação social no Brasil, ao tempo que possibilita o exercício da representação de interesses sociais, normatiza canais e espaços públicos, silencia, no entanto, quanto ao apoio efetivo à formação política para a participação real e à oferta de condições objetivas ou materiais

para viabilizar e qualificar tal participação e representação de interesses, em especial entre populações desprovidas de meios para sua efetiva representação.

Esse quadro é agravado pelo fato de, nos últimos anos, os movimentos sociais que historicamente desempenharam um importante papel na condução da formação da classe trabalhadora, terem recuado frente à ofensiva do capital, optando pela integração com o sistema social vigente.

Esse recuo ou esvaziamento das práticas formativas, consideradas combativas, que ocorriam no interior dos movimentos sindicais de luta pela terra, entre outros, resulta numa maior importância atribuída aos órgãos estatais responsáveis pela elaboração e implementação das atuais políticas públicas de desenvolvimento territorial, cujo risco é o de que tal apoio à participação por parte de tais instituições acabe se tornando uma “moeda de troca”, abrindo novas brechas para a reprodução de conhecidas práticas clientelísticas, tanto como para as diversas formas de subordinação e controle social presentes nas referidas políticas, como já apontado na primeira parte deste texto.

Outro aspecto que merece destaque refere-se ao fato de que a norma que institucionaliza a política de desenvolvimento territorial não determina formalidade jurídica e competência ou atribuição legal para que as instâncias colegiadas deliberem acerca das políticas de desenvolvimento rural nos territórios em que atuam. Cria-se, portanto, uma tensão entre a possibilidade de participação política e a representação de interesses e a capacidade efetiva de deliberar a partir dessa participação em uma instância colegiada.

O marco institucional ou o corpo normativo criado pela política de desenvolvimento territorial não resolve a contradição principal gerada, qual seja, a atribuição de função gestora do processo a uma instância (o Colegiado Territorial) que não tem atribuição legal para ordenar, coordenar, deliberar e gerir as relações que, forçosamente, mas por determinação da normatização instituída, estabelecem com entes federativos, municipalidades, entidades privadas e agentes financeiros.

Essa atribuição legal é do Ministério do Desenvolvimento Agrário, quanto à operacionalização da política e pertence às municipalidades quando as decisões envolvem os projetos territoriais de desenvolvimento, que são o principal instrumento de execução dos recursos públicos destinados aos territórios. Os colegiados situam-se,

portanto, em uma espécie de “limbo” legal e institucional, fato que tende a fragilizar sua atuação.

Por esse aspecto, o caráter consultivo atribuído aos colegiados é fator limitante à ação dos Conselhos de Desenvolvimento Territorial (CODETER) desmotivando a participação política dos grupos que se mobilizam em torno da política de desenvolvimento territorial. Para garantir sua legitimidade formal, assim como a dos territórios dos quais derivam, esses conselhos dependem de sua homologação pelos Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural Sustentável, criados e amparados por leis estaduais.

Dentre as conclusões acerca das limitações do processo de participação social na política de desenvolvimento territorial está a de que a existência, à margem da formalidade jurídica, tem representado se não um impasse, ao menos um constrangimento às ações dos CODETERs, por sua alegada incapacidade para deliberar sobre os rumos da própria política de desenvolvimento territorial.

Uma vertente do debate em curso é a que defende que a legitimidade dos CODETERs e sua capacidade de dar suporte à política de desenvolvimento territorial passam pela sua formalização jurídica, o que lhes atribuiria a capacidade de exercer mais poder decisório e, consequentemente, a capacidade de influenciar, de fato, os processos de desenvolvimento dos territórios, tal como concebido pela SDT/MDA.

Outra vertente questiona a relação direta que se estabelece entre formalização jurídica e legitimidade de ação do colegiado, alegando que tal legitimidade deve antes ser construída pela capacidade de o CODETER se estruturar, pela representação em seu espaço público, da pluralidade e diversidade dos “atores” e interesses sociais presentes nos territórios acerca das possibilidades de realização do desenvolvimento. A formalização jurídica, sem que houvesse a construção de sua institucionalização pelas práticas participativas dos “atores” envolvidos e legitimidade social, conduziria, nessa perspectiva, apenas à existência de mais uma organização em defesa de interesses particulares ou específicos, mas carente de enraizamento na dinâmica política local.

Ambas as vertentes do debate parecem ter argumentos consistentes, havendo uma confluência em direção a um fator determinante: a inexistência atual de atribuições jurídicas aos territórios rurais, que coloca os colegiados em uma situação de instabilidade institucional e de dependência de instâncias que têm atributos legais para

avalizar suas decisões, quando essas ocorrem e afetam temas ou questões que impactam, principalmente, investimentos públicos nos territórios.