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TERRITÓRIOS E POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL

3.2. Contradições e Tensionamentos nas Políticas de Desenvolvimento Territorial

3.2.4. Reforma Agrária e Política de Desenvolvimento Territorial

Nesta parte do texto, buscaremos, a partir da disputa territorial que se estabelece em torno da luta pela terra, fazer os alinhavos necessários entre algumas das perspectivas de análise apontadas no primeiro capítulo e na primeira parte deste tópico, que informam as contradições e (im)possibilidades do atual modelo de desenvolvimento territorial baseado na “integração” e na “concertação” de políticas destinadas à classe trabalhadora no campo. Essas reflexões possibilitam evidenciar o caráter político- -ideológico, marcadamente neoliberal, presente na atual política de desenvolvimento territorial no país, bem como a luta de classes que se expressa na disputa pelo território. Assim, considerando que o tema da reforma agrária perpassou a discussão desenvolvida no capítulo anterior, evidenciando a forma como esta fora tratada pelo Estado brasileiro e as implicações dela decorrentes, nesta parte do texto não se fará um aprofundamento sobre essa temática, uma vez que a intenção é apontar as contradições presentes na Política de Desenvolvimento Territorial Rural e nos programas dela decorrentes. Nesse sentido, entende-se que historicamente a concentração da propriedade da terra tem definido relações desiguais de poder e de afirmação de direitos sociais no território.

Os dados dos Censos Agropecuários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) têm constatado a histórica concentração da propriedade da terra do Brasil. A título de exemplo, os dados do Censo Agropecuário de 2006 demonstram que os estabelecimentos com dimensão igual ou superior a 1.000ha equivalem a 0,91% do total de estabelecimentos e ocupam 42,42% da área total do campo brasileiro. No outro extremo, 47,87% dos estabelecimentos estão concentrados no grupo de área com menos de 10ha e detêm 2,37% da área. Corroboram essas estatísticas os dados acerca dos estabelecimentos e a área ocupada no Estado do Tocantins, conforme tabela abaixo:

TABELA 1. Estabelecimentos e Áreas Utilizadas no Estado do Tocantins (2006)

Tocantins Estabelecimentos Área (ha)

Agricultura Familiar 42.899 (75%) 2.695 (18%)

Não Familiar 13.668 (25%) 11.597 (82%)

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário. 2006. Organizada pela autora.

Os dados obtidos mostram uma correlação desigual de poder entre as classes sociais no território, que se define de um lado pelos capitalistas e proprietários fundiários – que extraem a renda da terra e, de outro, os trabalhadores assalariados e camponeses que, enquanto força política coletiva de resistência à exploração da força de trabalho e expropriação dos meios de produção, têm se organizado através de movimentos sociais no campo.

Nesse contexto, a produção do caráter democrático nas políticas públicas direcionadas ao campo revela-se como uma estratégia de abstração da materialidade social a fim de garantir a manutenção de privilégios de classe. Assim, ao operacionalizar a abordagem territorial instrumentalizando o território como unidade de planejamento e gestão do espaço, o Estado reproduz o discurso do consenso alicerçado no sentimento de pertencimento territorial, desconsiderando as relações de poder e os conflitos sociais nele presente.

Um claro exemplo dessas relações de poder pode ser percebido no apoio dado pelo Estado à agricultura patronal em detrimento da agricultura familiar. Segundo informações do Jornal do Tocantins de 07 de Junho de 2013, foram destinados R$ 39 bilhões em investimentos para o Plano Safra da Agricultura Familiar 2013/2014, dos quais R$ 21 bilhões ao Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), principal fonte de crédito de custeio e investimento dos pequenos produtores e R$ 136 bilhões para o financiamento e custeio dos produtores rurais para a safra 2013/2014. Estes dados evidenciam a força político e econômica da agricultura patronal, bem como as contradições presentes no aparelho do Estado.

Acreditamos que qualquer política de desenvolvimento que tenha como pretensão a redução das desigualdades sociais e a redução da pobreza deve perpassar, estruturalmente, pela realização de uma reforma agrária capaz, de fato, de possibilitar a democratização da base territorial de reprodução material e imaterial da vida, criando dessa maneira, as condições favoráveis à autonomia política da prática social.

Do ponto de vista teórico, é possível observar que o Estado reconhece a reforma agrária e a agricultura de base familiar como condições para o desenvolvimento territorial. No entanto, o que de fato vem se concretizando é a consolidação do modelo capitalista de desenvolvimento rural, que define uma nova forma de divisão territorial do trabalho que articula o agronegócio e a agricultura familiar. Ao agronegócio cabe o papel de mantenedor do superávit primário pela agroexportação de base monocultora e à agricultura familiar o papel de produtora de gêneros alimentícios e matérias primas para a indústria.

Ressaltamos, ainda, que a supremacia da política agrícola se encontra fragmentada nas estruturas de poder do Estado, considerando a divisão entre agricultura patronal e familiar representada de forma institucional pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), respectivamente.

Assim, embora essa segregação seja justificada pelo governo federal como uma estratégia para a agricultura familiar ter acesso direto às políticas públicas, o que se evidencia é o atendimento institucional aos interesses de classe que detêm a hegemonia no poder. A questão que se apresenta como central nesta nossa análise refere-se, deste modo, à impossibilidade de um modelo de desenvolvimento, definido pela hegemonia das relações capitalistas de produção, ser capaz de superar a pobreza e a violência no campo. Entende-se que, em verdade, este modelo reafirma a condição de pobreza dos camponeses e dos trabalhadores do campo.

Nesse sentido, é possível compreender de forma clara, por que a reforma agrária implantada pelo Estado brasileiro, a reboque da ação organizada dos movimentos sociais, enquanto uma política social compensatória das contradições capitalistas se restringiu apenas à criação de assentamentos rurais dirigidos para o alívio das tensões e dos conflitos sociais no campo, sem alterar a estrutura fundiária concentradora de terra nas mãos de poucos latifundiários e empresários rentistas. A esse respeito, as afirmações de Sampaio (2012) são bastante esclarecedoras:

É preciso esclarecer que a resistência à democratização da terra não se atém aos interesses estritamente ligados ao latifúndio improdutivo. O latifúndio produtivo – a grande empresa agrícola moderna – também depende de uma estrutura fundiária concentrada que bloqueia o acesso ao homem pobre a terra, e, em consequência, de um regime legal, que assegure a total disponibilidade das terras aos imperativos da exploração do capital agrário. O problema relaciona-se com o fato de que o caráter itinerante da agricultura subordinada ao agronegócio supõe a presença de grandes reservas de terras seja para repor as terras degradadas seja para abrir novas fronteiras de expansão dos negócios seja ainda como simples reserva de valor (SAMPAIO, 2012, p. 9-10). No contexto da política de desenvolvimento territorial rural a reforma agrária foi redefinida a partir da transformação dos assentamentos rurais em espaços de produção com viabilidade econômica e, com isso, a necessidade estrutural do acesso à terra vem sendo escamoteada pelo marketing político do fortalecimento da agricultura familiar que adquire concretude nos territórios rurais por meio do financiamento dos projetos territoriais de custeio à produção e infraestrutura.

Sampaio (2012) defende que “é urgente a necessidade de uma profunda crítica à teoria e à prática que fundamentaram a luta pela reforma agrária no último período” (2012, p. 39). Ademais, ainda de acordo com esse autor:

A reforma agrária polariza a luta de classes entre dois polos opostos: de um lado, o latifúndio e seus cúmplices incondicionais – as burguesias brasileiras, o imperialismo e todos os segmentos da pequena burguesia que se beneficiam de privilégios aberrantes; e, de outro, os pequenos proprietários, os arrendatários pobres, os posseiros, os trabalhadores assalariados, os trabalhadores temporários, os sem terras, enfim, todos os homens do campo que vivem de seu próprio trabalho e seus aliados – os trabalhadores urbanos, empregados e desempregados. Em suma, a luta pela terra é um problema de classe. (SAMPAIO, p. 12)

Compreendemos que da forma como vem sendo concebida pelo Estado, a reforma agrária tem definido as (im)possibilidades à emancipação do homem do campo. Torna-se evidente também o fato de que a implantação da política de desenvolvimento territorial tem instrumentalizado a (des)organização do território ao tentar encobrir a permanência histórica da questão agrária brasileira, com repercussões diretas no campo e na cidade. Nesse sentido, reafirma-se a luta de classes como categoria analítica indispensável para se compreender o território e a atual configuração do campo brasileiro.

Por fim, à guisa de conclusão acerca da discussão realizada neste capítulo, é preciso salientar, que não se está a negar o avanço do estímulo ao diálogo compartilhado no local, entre as distintas instâncias de poder público e entre estas e as organizações e movimentos sociais. Analisando o histórico de clientelismo político brasileiro no qual o poder de decisão se restringia aos interesses político-partidários das prefeituras locais, a criação de institucionalidades territoriais mostra-se com uma importante possibilidade de conquista social.

No entanto, consideramos necessário ressaltar que numa sociedade estruturada em relações desiguais de poder entre as classes sociais e em que o direito à participação é indireto pela escolha de representantes, a existência formal de instâncias políticas gestadas por forças sociais, ainda que na escala local/regional não legitima necessariamente a participação democrática no território.

Fica claro, desse modo, que a gestão social das políticas públicas define novas possibilidades e desafios ao exercício da cidadania e, dependendo da forma de condução do processo político, os desafios podem significar ameaças às possibilidades, quando as instâncias políticas se traduzem em “espaços institucionalizados”, aflorando a chance de cooptação dos sujeitos sociais pela relação proximal com o poder institucional.

Ainda nesse sentido, é possível observar que, paralelamente aos descaminhos da política de reforma agrária implantada pelo Estado, tem-se evidenciado um processo de desmobilização política das organizações e movimentos sociais de luta pela terra no que diz respeito às mobilizações, ocupações e aos acampamentos. Ao deixar de fazer o enfrentamento necessário com o Estado, essas organizações fragilizam-se enquanto forças políticas de transformação social.

Capítulo 4

ESTADO E POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA O CAMPO NO TOCANTINS –