• Nenhum resultado encontrado

Participantes: processo de selecção e de caracterização

No documento Alcoolismo no feminino (páginas 98-115)

3.2.1 Tipo de estudo

3.2.2 Participantes: processo de selecção e de caracterização

De acordo com os objectivos e delineamento apresentados, foram estabelecidos os seguintes critérios gerais de selecção de participantes: mulheres inseridas na comunidade e internadas na Clínica de Alcoologia “Novo Rumo” da Casa de Saúde do Telhal, situada no Concelho de Mem-Martins, no Distrito de Lisboa.

A Rede Alcoológica Nacional compreende o Centro Regional de Alcoologia do Sul, que atende as populações dos distritos: Alentejo, Algarve, Lisboa e Vale do Tejo, o Centro Regional de Alcoologia do Centro, cujas valências se destinam às populações dos Distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu e o Centro Regional de Alcoologia do Norte que atende as pessoas com problemas ligados ao álcool, residentes nos Distritos de Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo e Vila Real. As pessoas com problemas ligados ao álcool dispõem ainda de consultas de diferentes valências nos Centros de Atendimentos a Toxicodependentes (CAT).

A opção de nos termos cingido à população feminina internada nesta instituição e não termos recorrido a outras clínicas de alcoologia para a recolha da amostra, pode parecer à partida uma limitação, no entanto, podemos desta forma ter contornado influências culturais e sociais que influenciam o consumo de bebidas alcoólicas, pois ao contrário dos centros regionais de alcoologia, a casa de Saúde do Telhal, não tem uma área geográfica definida, recebendo pessoas residentes nos diferentes distritos de Portugal.

Todas as mulheres internadas na clínica de alcoologia recorreram previamente à Consulta de Psiquiatria onde foi avaliado o padrão de consumo de bebidas alcoólicas, por uma das Médicas Psiquiatras. Quando reuniam critérios de internamento, eram encaminhadas para o Serviço de Alcoologia. Todos os utentes internados, têm o diagnóstico de síndrome de dependência alcoólica. O período de recolha dos dados decorreu entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2009.

Trata-se de uma amostra dirigida, pois as participantes são escolhidas com base num determinado critério (Martinez, & Ferreira, 2007). Neste estudo, o critério é

médico, pois tanto o diagnóstico como a decisão de internamento são estabelecidos pelos Médicos assistentes.

Todos os doentes internados na Clínica de Alcoologia são sujeitos a um processo de avaliação psicológica composta por uma entrevista clínica, escalas de avaliação sintomática como o SCL 90 R de Derrogatis, O Inventário de Personalidade Mini-Mult e o Teste de Rorschach. Desta forma, não introduzimos nenhuma alteração nos procedimentos quotidianos da clínica.

Das cento e vinte participantes, foram seleccionadas cem para este estudo. A razão fulcral para a eliminação das restantes, prende-se com a dificuldade por parte destas, em identificar as circunstâncias associadas ao consumo excessivo e progressivamente patológico de bebidas alcoólicas. Outra razão de exclusão decorreu da situação clínica actual, nomeadamente suspeitas de problemas neurológicos e concomitante deterioração cognitiva que não lhes permitia compreender as questões colocadas no decorrer da avaliação.

A amostra global utilizada no estudo empírico é constituída por 100 participantes do sexo feminino. A divisão das participantes em dois grupos resulta da manifestação de características que as distinguem, e que se manifestam no contacto clínico estabelecido connosco em consulta e nas reuniões psico-pedagógicas que constituem o seu plano de tratamento.

Da relação estabelecida com a população feminina que recorre à Consulta Externa de Psicologia ou se encontra internada na Clínica de Alcoologia, onde integramos a equipa de alcoologia, deparámo-nos com diferentes problemáticas. É no estudo de caso que aprofundámos a realidade individual de cada uma destas pessoas. Das múltiplas expressões que assumem a inscrição da dependência alcoólica na história de vida de cada uma destas mulheres, identificámos dois grupos de mulheres que se distinguem em relação a dois aspectos: evolução do consumo excessivo de bebidas alcoólicas e os motivos que consideram estar na sua génese e no contacto clínico que estabelecem com os técnicos que constituem a equipa de Alcoologia.

Num grupo, enquadram-se mulheres que começam a consumir bebidas alcoólicas excessivamente a partir da adolescência, onde não é alheia a influência o grupo de pares. Para além da idade de início do consumo excessivo de bebidas alcoólicas, destaca-se o número de internamentos sucessivos, resultantes das inúmeras recaídas que se seguem a curtos períodos de abstinência. Do contacto clínico com estas mulheres, constatámos que apresentam baixa capacidade de insight e

concomitantemente pouca crítica para o seu estado físico e mental, que muitas vezes se apresenta degradado.

No outro grupo, enquadram-se mulheres que começam a beber excessivamente após rupturas existentes nas suas vidas. A morte dum familiar, o desemprego e a violência doméstica nas suas múltiplas expressões, são situações que contribuem para a erupção do consumo de bebidas alcoólicas. Ao contrário das mulheres que começam a beber na adolescência, estas exprimem muitas vezes o desagrado pelo paladar das bebidas alcoólicas, referindo que buscam apenas os seus efeitos, como o relaxamento, o sono, o afastamento face a uma realidade que se apresenta muitas vezes é vivida como insuportável. Apresentam um insight marcado pela consciência do seu estado de degradação físico e mental, e a impotência face a uma situação vivida como insuportável, face à qual não encontram saída.

Das 100 mulheres da amostra, 60 iniciaram o consumo excessivo de bebidas alcoólicas tardiamente (grupo 1) e 40 mulheres iniciaram o consumo de bebidas alcoólicas na adolescência (grupo 2).

As idades entre os 20 e os 69 anos. A média de idades das participantes é de 44 anos. Destacamos o facto que 67% das mulheres se encontram na faixa etária dos 40 aos 59 anos. Quando comparamos os dois grupos de mulheres, verificamos que no Grupo 1 a média de idades é de 45 anos e no Grupo 2 é de 41 anos.

No que diz respeito aos estados civis mais representados, constatamos que 47% mulheres são casadas, 17% são solteiras, 28% são separadas ou divorciadas e 8% são viúvas. Há uma proporção mais elevada de participantes do grupo 2 que são solteiras (64.7% versus 35.3) e de participantes do grupo 1 que são viúvas.

O nível de escolaridade, avaliado a partir do número de anos de frequência de uma instituição de ensino, não é homogéneo. As participantes têm níveis entre o primeiro ciclo e a licenciatura.

As 100 participantes no estudo apresentam uma média de nove anos de escolaridade. Destacamos o facto de vinte mulheres terem concluído o Ensino Secundário e vinte mulheres concluíram uma licenciatura. No outro extremo, duas mulheres não adquiriram qualquer grau de escolaridade e vinte e sete, apenas o 1º ciclo.

Quando comparamos a escolaridade das mulheres que constituem o grupo 1, com a escolaridade das mulheres que constituem o grupo 2, concluímos que os dois grupos são equivalentes, bem como em relação aos motivos que as levaram à interrupção do percurso escolar.

De forma a caracterizar a actividade profissional das participantes no nosso estudo recorremos à Classificação Nacional das Profissões do Instituto do Emprego e Formação Profissional (http://www.iefp.pt/formacao/CNP/Paginas/CNP.aspx). Nesta classificação, as profissões surgem enquadradas em nove grupos. O grupo 1 diz respeito aos Quadros Superiores de Administração Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de Empresa, no grupo 2, os Especialistas das profissões Intelectuais e científicas, o grupo 3 – Técnicos e Profissionais de Nível Intermédio, no grupo 4 – Pessoal Administrativo e Similares, no grupo 5 – Pessoal dos Serviços e Vendedores, no grupo 6 – Agricultura e trabalhadores Qualificados da Agricultura e Pescas, no grupo 7 – Operários, Artífices e Trabalhadores Similares, grupo 8 – Operários de Instalações e Máquinas e Trabalhadores da Montagem, e o grupo 9 onde se enquadram os Trabalhadores não qualificados. Destacamos o facto de que quarenta e seis mulheres participantes no nosso estudo se integram no grupo 9, sendo trabalhadoras não qualificadas (operárias, e domésticas). Vinte e uma mulheres integram-se no grupo dos profissionais qualificados, com o grau de escolaridade ao nível de licenciatura (grupo 2). Entre as mulheres licenciadas, salienta-se que 11 são Docentes do Ensino Secundário e Universitário. Decorrente do abandono escolar, destacamos o facto de que oito mulheres começaram a trabalhar com uma idade inferior a dez anos e 61% integraram-se no mundo laboral até aos dezoito anos. A diferença na distribuição dos grupos em relação à idade em que iniciaram uma actividade profissional é estatisticamente significativa. Há uma proporção mais elevada de mulheres que iniciaram a actividade profissional entre os 16 e os 18 anos, no grupo que começou a beber em excesso a partir da adolescência (55.2% vs 44.8%). Em relação à sua proveniência, as participantes no estudo habitam na sua maioria na região urbana e suburbana de Lisboa (73%).

No quadro 2 apresentamos uma síntese das características idade, escolaridade, grupo profissional, relativas aos dois grupos.

Quadro 2 - Características Sociodemográficas da Amostra

Grupo 1 Grupo 2 Total

Idade 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 4 12 25 14 5 7 4 24 4 1 11 16 49 18 6 Estado civil Casada Solteira Divorciada/separada Viúva 28 6 18 8 19 11 10 0 47 17 28 8 Escolaridade Analfabetas ≤ 4 anos ≤ 6 anos ≤ 9 anos ≤ 12 anos Bacharelato Ensino Superior 2 12 4 9 13 3 17 0 15 6 7 7 2 3 2 27 10 16 20 5 20 Grupo profissional 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 15 0 7 8 0 0 1 28 2 4 2 4 7 0 0 0 22 2 19 2 11 15 0 0 1 50

3.2.3 Instrumentos

3.2.3.1Entrevista Clínica

De acordo com os objectivos da investigação e com a metodologia definida, a entrevista tem os seguintes propósitos:

.

Estabelecer uma relação psicólogo/investigador – participante adequada ao decurso do estudo. Tendo em conta que é o primeiro contacto com cada uma das participantes, pretende-se criar um espaço relacional, de confiança necessária à implicação pessoal das participantes nas diferentes tarefas propostas que constituem a avaliação psicológica e que o estudo envolve.

.

Recolher dados que permitam a caracterização dos aspectos mais significativos da história de vida de cada participante.

.

Compreender de que forma o consumo exponencial de bebidas alcoólicas se foi afirmando no decurso da sua existência. A entrevista deverá permitir a avaliação do

modo como cada participante percepciona a relação que foi estabelecendo com o “objecto álcool”, e avalia os custos e benefícios desta relação.

.

Identificação das variáveis sociodemográficas presentes nos dois grupos.

“A entrevista clínica faz parte do método clínico e das técnicas de inquérito em ciências sociais, constituindo um dos melhores meios para aceder às representações do sujeito – evidentemente, no sentido em que se postula uma ligação entre o discurso e o substrato psíquico” (Blanchet, 1997, cit. in Bénony & Chahraoui, 1999/2002, p. 15).

Integrada numa dinâmica intersubjectiva, pretendemos desta forma dar ao sujeito a oportunidade de se conhecer, de relacionar os factos do passado com a situação actual, criando-se então, um espaço relacional, onde se torna possível a contenção das angústias e a recriação de novas perspectivas de relação consigo próprio e com os outros.

Como referem Bénony & Chahraoui (1999/2002), “a entrevista clínica é um instrumento que tem como objectivo compreender um sujeito na sua especificidade e pôr em evidência o contexto em que surgem as dificuldades” (p. 16).

O modelo no qual nos baseamos para a condução da entrevista é o modelo clínico, o qual decorre da nossa formação teórica e da nossa prática clínica. Desta forma, o indivíduo é o quadro de referência.

As entrevistas são semi-directivas, uma vez que dispomos de um guião de entrevista constituído por questões que correspondem a temas sobre os quais incide a nossa investigação. Após cada questão, o sujeito é convidado a desenrolar o seu discurso, respeitando-se o seu carácter espontâneo. O clínico assume desta forma, uma atitude não directiva, uma vez que não interrompe o sujeito, deixando-o associar livremente, apenas sobre o tema proposto. O entrevistador mantém uma postura activa, não directiva, não emitindo juízos, críticas, ou desaprovações em relação aos sujeitos. Procura esclarecer, clarificar o discurso e recolher informação, mantendo no entanto, uma postura empática, disponível e autêntica que possibilite a expressão das vivências dos sujeitos.

As entrevistas não têm como objectivo esclarecimento diagnóstico, assumindo no entanto, um carácter anamnésico, mobilizando um retorno ao passado, revestindo-se de aspectos objectivos e subjectivos, reelaborados pelas participantes no estudo. No “mito individual” revela-se uma verdade subjectiva, que nos permite aceder às

representações que cada pessoa tem de si própria e dos outros. Desta forma, temos acesso a vértices sobre a forma como se construiu a alteridade e a subjectividade de cada paciente. A atitude clínica é marcada por um conhecimento descritivo dos sujeitos sem um à priori dos factos, uma apreensão global, tendo em conta o significado do seu vivido. A tónica é colocada na pessoa e não na doença e na expressão da comunicação na relação terapêutica.

Na medida em que consideramos que no discurso das participantes transparece a sua essência, sob a forma de uma verdade que é a perspectiva da sua mundividência, inquestionável, podemos afirmar que nos confrontamos com o seu “mito individual”.

Assim, podemos afirmar que pretendemos captar a forma como cada participante constrói o seu “mito individual”, a partir de elementos oriundos do seu passado, e recordados no presente, os quais vão compor os “mitemas” (Lévi-Strauss, 1958/1967), na medida em que se constituem como uma repetição de sequências no discurso de cada individuo. Estas unidades de construção mítica assumem uma (re)significação em cada narrativa. Atribuímos-lhes o estatuto de “verdades subjectivas”, pelo facto de não carecerem de provas para serem aceites, podendo apenas ser intuídas.

Recorrendo à metodologia de análise estruturalista proposta por Lévi-Strauss (1958/1967), podemos então ver na entrevista clínica aplicada, a expressão do “mito individual”, decomposta em unidades com sentido dentro da narrativa do mito, designadas como “mitologemas” e que correspondem aos aspectos que compõem cada um dos três vectores que constituem a entrevista, como a infância, a adolescência ou a relação com os pais, e por sua vez, ainda compostas por pequenas unidades de significação que as constituem “mitemas” e que se assumem como invariantes no decorrer do tempo.

Desta forma, a entrevista pode ser decomposta em diferentes componentes:

Mitema 1 Mitologema 1 Mitema n Mitologema 2

Entrevista Clínica Mito individual Mitologema 3 Mitologema n

Se considerarmos por exemplo, a infância como um “mitologema”, este tem um carácter universal, na medida que é comum a todos os sujeitos, no entanto, a expressão da subjectividade surge no “mitema”, pois cada participante caracteriza a infância em função de um conjunto de experiências tecidas no fio do tempo.

Quando estudamos a relação milenar do homem com as bebidas alcoólicas, estamos cientes da importância que os mitos colectivos, entre os quais destacamos o mito de Dioniso, têm na aquisição e estruturação destes comportamentos, pela carga simbólica e cultural atribuída socialmente.

Tendo em conta os objectivos do estudo, um factor essencial que pretendemos captar diz respeito à forma como se manifesta a dualidade dionisíaca/apolínea, considerando à partida que o alcoolismo corresponderá a um processo de decadência, no seio da qual, um dos polos se apresentará como dominante em relação ao outro.

Neste estudo foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas, com o objectivo de se os captarem os dados de natureza qualitativa. O ponto de partida consistiu na elaboração de um guião orientador, (Anexo B). Pretendia-se que as entrevistadas se sentissem o mais à vontade possível, sem contudo deixar de se fazer uma recolha sistemática dos dados, essenciais à compreensão das variáveis subjectivas que pretendemos captar.

As entrevistas realizadas de acordo com os procedimentos descritos dão lugar ao preenchimento de um protocolo. De seguida procuramos operacionalizar a informação contida em cada protocolo nas variáveis pretendidas para análise. Os critérios estabelecidos para esta operacionalização tiveram como fim objectivar a análise em categorias específicas e relevantes a cada variável.

3.2.3.2 Rorschach

Neste ponto vamos descrever as características do Rorschach e de que forma estas têm a capacidade de revelar os níveis de estruturação do pensamento e as capacidades de expansão mental, passíveis de serem mobilizadas para fazer frente ao caos resultante do extremar do pólo apolíneo ou do pólo dionisíaco que sustentam o alcoolismo.

Nesta reflexão, incidimos sobre três pontos que consideramos essenciais: as características materiais que constituem o Rorschach, capazes de provocar a desorganização, a entropia, e dessa forma permitir-nos aceder às reacções individuais

regredientes, mas também progredientes mobilizadas para fazer face ao caos; a dinâmica que se cria no espaço entre Psicólogo e paciente, mediada pelo Rorschach, enquanto criação de um espaço físico e pessoal, onde se revela a criatividade e a fantasia; e por fim uma delimitação do conceito de subjectividade circunscrita aos processos do pensamento mobilizados nesta relação.

O enquadramento teórico do presente trabalho baseia-se na Escola Francesa do Rorschach (Chabert,1997/2003; 1998/2003; Traubenberg, 1970,1983). No entanto, o alargamento do campo conceptual da metodologia vai-nos permitir explorar as possibilidades oferecidas pelo método Rorschach ao nível da compreensão dos processos psicológicos em jogo e a averiguação das possibilidades de expansão mental das participantes que constituem a amostra em estudo. Para a concretização deste objectivo, baseamo-nos essencialmente no saber teórico e metodológico de Marques (1999), que em parte nasce da leitura do “processo resposta-Rorschach” à luz da teoria bioniana.

Para que ocorra a mobilização da criatividade dos sujeitos, as manchas que constituem os cartões Rorschach têm que reunir determinadas características. Face a uma pintura realista e outra surrealista, espera-se que a nossa capacidade de projecção se manifeste de forma mais intensa perante material pouco estruturado, e que dessa forma mobilize a necessidade de dar sentido ao caótico. Cada um dos cartões constituintes do Rorschach possui características objectivas, que por si só mobilizam a necessidade de organização do pensamento, face a estímulos que aparentemente se apresentam desestruturados. Como refere Rorschach: “A prova consiste em interpretar formas acidentais, quer dizer, imagens sem configuração determinada” (1920/1964, p. 23).

Os cartões são apresentados individualmente e numa determinada sucessão, dispondo o examinador de uma folha de registo para apontar as respostas do sujeito. A instrução consiste em pedir ao sujeito que diga tudo aquilo em que o cartão o faz pensar e o que pode imaginar a partir dele (“O é que isto poderia ser para si?”), esclarecendo, se necessário, que não há tempo limite e que não existem respostas certas ou erradas.

O sujeito é desta forma colocado perante um conjunto de situações contraditórias, face às quais, é solicitado a atribuir um sentido. A necessidade de atribuir um significado à imprecisão, à dispersão, à desarmonia, à ambiguidade sexual intrínseca

aos estímulos, são os catalisadores da desorganização, onde a única saída reside na simbolização.

No que diz respeito às características materiais que constituem o Rorschach destacam-se os seguintes aspectos:

O Rorschach é composto por dez cartões constituídos por manchas de tinta negras e policromáticas, com diversos graus de esbatimento e organizadas simetricamente em torno de um eixo vertical relativamente distinto.

Relativamente ao conteúdo manifesto, a análise descritiva do material, realizada por diversos autores (Chabert, 1997/1998; Rausch de Traubenberg, 1970/1990) indica as duas dimensões fundamentais dos cartões: a dimensão estrutural (remetendo para os elementos de análise da ordem do perceptivo e do cognitivo) e a dimensão sensorial (da ordem da expressão dos afectos).

Deste modo, na sua dimensão estrutural, os cartões distinguem-se pelo seu carácter unitário, compacto ou pela sua configuração bilateral e sempre em torno de um eixo vertical mais ou menos definido. Nos cartões unitários (I, IV, V, VI, IX) onde o eixo é claramente representado, está contida uma imagem do corpo humano estruturado simetricamente em torno desse eixo. Nos cartões de configuração bilateral (II, III, VII, VIII, X) onde a simetria é destacada através da repetição do duplo e pelo seu sentido de coesão, remetem para a representação das relações, espelhando as vivências relacionais do sujeito. Ainda em relação aos aspectos estruturais, os cartões podem ser divididos em função do seu carácter fechado (I, IV, V, VI) ou aberto (I, II, III, VII, VIII, IX, X). Estas últimas qualidades perceptivas reenviarão para as referências do feminino/materno pela sua disposição aberta, oca, continente; nos cartões fechados destacam-se as referências fálicas das manchas através da presença de apêndices salientes (IV, VI: referência fálica) (Chabert, 1997/1998). No entanto, é importante referir que o cartão I e o IX, devido ao facto das suas características estruturais serem ambíguas, podem situar-se simultaneamente no registo dos cartões fechados (que facilitam a abordagem global) e abertos (tendo em conta o branco central).

Na dimensão sensorial é preciso distinguir os cartões cinzento-escuros (I, IV, V, VI), os cinzentos (VII), os negro-branco-vermelhos (II, III) e os tons pastel (VIII, IX e X). Quando tocam a sensibilidade do sujeito, os cartões cinzento-escuros ou com contraste negro-branco podem provocar manifestações de inquietação, ansiedade e

angústia mais ou menos intensa, as quais podem ser explicadas pela correspondência cultural do negro à tristeza, depressão e luto.

Os cartões que integram o vermelho (II e III) são importantes pelo contraste

No documento Alcoolismo no feminino (páginas 98-115)