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Patente de software ou direito autoral?: diferenças e controvérsias

CAPÍTULO 2. SOFTWARE: EVOLUÇÃO DE SUA INDÚSTRIA, MARCO REGULATÓRIO E CONTROVÉRSIAS DOS REGIMES PROTETIVOS

2.3. Controvérsias dos regimes de proteção ao software

2.3.1. Patente de software ou direito autoral?: diferenças e controvérsias

Sherwood (1992) considera que o termo software refere-se a uma obra coletiva, a qual abarca quatro obras distintas: (i) a idéia utilizada para o desenvolvimento do programa; (ii) o programa em si; (iii) a descrição do software; e (iv) o material de apoio. O autor explica que:

A produção da idéia para o programa envolve um certo tipo de criatividade. As atividades de implementação, que abrangem escrever o programa, descrevê-lo e produzir o material de apoio, envolvem mais um tipo de criatividade. A idéia subjacente tende a ser um objeto que se preste para o processo de proteção de patente, enquanto o trabalho de implementação se submete bem à proteção de copyright. O uso de patente neste contexto é, naturalmente, limitado pelas exigências rotineiras de novidade e não-obviedade. (SHERWOOD, 1992, p. 51).

Poli (2003) classifica o programa de computador como objeto do direito patentário, pois sustenta que o software é uma obra utilitária, técnica e destinada à máquina e não ao homem, sendo desprovido do caráter estético das outras obras protegidas pelo direito autoral. Para ele, o programa de computador se assemelha a uma invenção de processo, sendo o próprio método operacional de um computador de emprego necessário em máquinas, para fazê-las funcionar de modo e para fins determinados, sendo, portanto, passível de proteção patentária.

Em contraponto, Manso (1985, p. 108) observa que não estão presentes no software dois requisitos necessários para o seu patenteamento, o caráter industrial e a novidade. Sobre o primeiro requisito, argumenta que se, porventura, existisse, o caráter industrial não estaria presente em todos os tipos de software, sendo que a diferença entre os vários tipos de programas, em decorrência de suas funções, “não os distingue em sua essência: todos os programas, enquanto entidades ideológicas autônomas, possuem a mesma natureza, não se justificando sua classificação em ‘patenteáveis’ e ‘não patenteáveis’.” Concernente ao segundo requisito, a novidade, o autor diz que a forma das obras técnico-científicas é o único elemento que diferencia uma da outra, e a mais simples modificação externa da forma afasta a idéia de contrafação, sendo, portanto, difícil caracterizar a novidade no software.

No entanto, cabe acrescentar que, segundo informações do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual54, o software embarcado é passível de patenteamento, por apresentar os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, sendo- lhe conferida proteção por patente de invenção.

Quanto à proteção autoral conferida ao software, o programa de computador é protegido isoladamente ou associado ou incorporado ao hardware, como um software integrado. Portanto, o meio físico em que se encontra gravado o programa não influencia em sua proteção, pois o princípio geral do direito autoral que estabelece a proteção da obra se aplica independentemente do suporte físico em que a obra se ache incorporada.

Há algumas diferenças significativas nestes dois regimes – o direito autoral e a patente –, com implicações jurídicas e econômicas. A primeira diz respeito à vigência da proteção. No direito de patente, o prazo é de 20 anos, e, no autoral, é de 70 anos após a morte do autor. No caso do software, o prazo de proteção é de 50 anos. Como um programa de computador, normalmente, torna-se obsoleto em pouco tempo, a

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No site do INPI, no campo de ‘perguntas freqüentes sobre patentes’, é afirmado que a “concessão de patentes de invenção que incluem programa de computador para processo ou que integrem equipamentos diversos, tem sido admitida pelo INPI há longos anos. Isto porque não pode uma invenção ser excluída de proteção legal pelo fato de que, para sua implementação sejam usados como meios técnicos programas de computador, desde que atendidos os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.” Disponível em: http://www.inpi.gov.br, acesso em 29 dez. 2005.

sociedade não se beneficiará do conhecimento encerrado no código-fonte de determinado programa de computador após o transcurso de 20 ou 50 anos de proteção.

A outra diferença diz respeito ao objeto de proteção de cada regime. Na patente, conforme afirma Grossi (2004), são objetos de proteção idéias, sistemas, métodos, algoritmos e funções do programa, acarretando que todos os seus componentes estariam protegidos por um monopólio. No direito autoral, o que se protege é o modo ou a forma de expressão e não a idéia implícita na obra. Neste ponto, como já se afirmou antes, a patente do software acarretará uma barreira à competitividade no mercado de software, pois, ao proteger a idéia e o algoritmo implícitos no programa, vincula a inovação tecnológica e todos os desdobramentos ali contidos ao exclusivo uso do detentor de seus direitos pelo prazo de 20 anos.

Buainain e Mendes (2004, p. 65) afirmam:

(...) poder-se-ia pensar que seria indiferente adotar o regime de patente ou o de direito autoral. Seria um equívoco. Do ponto de vista conceitual, a patente concede um monopólio privado, mas em contrapartida libera para o uso da sociedade informações privadas. Ora, se esta informação não tiver mais utilidade quando for liberada, pode-se argumentar que por inexistir a compensação a sociedade não estaria fazendo um bom negócio; o monopólio, neste caso, não contribuiria para promover a inovação em geral, mas serviria de incentivo apenas para o detentor da proteção. No caso da proteção por meio de direito autoral o quadro é muito diferente, mais favorável à inovação e à sociedade. Obras protegidas por direito autoral devem circular para valorizar-se.

A proteção por direito de autor não restringe a difusão das informações, conhecimentos e idéias contidas na obra; ao contrário, aguça a curiosidade, estimula a criatividade, o aprofundamento das idéias e temas tratados na obra protegida. A Microsoft, empresa líder da indústria de software, dificilmente teria se consolidado caso o regime de proteção fosse o patentário.

Nesse sentido, Vieira (2003, p. 83) afirma que a Microsoft, embora atualmente seja “rica em copyright” e com monopólio dominante na indústria de software, nem sempre ocupou essa posição, pois:

Ela explorou inteligentemente a dicotomia idéia/expressão, desde o início de sua atuação – quando era ‘pobre em copyright’: o programa Word é baseado no WordPerfect, o Excel no Lotus 1-2-3, o sistema operacional Windows teve seu

conceito baseado em um projeto da Xerox (e em características do sistema operacional dos computadores Macintosh, também baseado no projeto da Xerox).

Vieira (2003, 94) afirma que os EUA passaram de importador para exportador de bens intelectuais e aumentaram a proteção interessante a alguns setores econômicos deste país. No período de transição, algumas empresas (cujos exemplos são a indústria cinematográfica e a própria Microsoft) teriam se aproveitado dessa transição, pois “cresceram aproveitando as proteções leves a obras de terceiros e, quando grandes, passaram a receber alta proteção para suas próprias obras; compra-se na baixa, vende-se na alta.”

É exatamente para reforçar a posição das empresas americanas, que são líderes na área, que o novo regime de propriedade intelectual dos EUA incluiu duas áreas essenciais para registro de patentes, a saber: o genoma e o software (inclusive algoritmos matemáticos).

Coriat (2004) diz que a possibilidade de patentear algoritmo escancarou as portas para se patentear o software. Isso demonstra que o novo regime de propriedade intelectual objetivou assegurar as vantagens de pesquisas avançadas norte- americanas, para serem transformadas em vantagens competitivas, em detrimento das empresas “rivais”, concedendo licenças exclusivas.

Verificamos, portanto, que o argumento mais relevante que se contrapõe à adoção de patente para o software refere-se à possibilidade de englobar a proteção da idéia implícita no software, pois o compartilhamento da idéia é um pressuposto fundamental de concorrência e de desenvolvimento da indústria de software, e a proteção patentária para o software inviabilizaria todo o mercado, como afirma Grossi (2004, p. 5), pois “vincularia a implementação de uma solução nos demais programas ao pagamento de royalties específicos. Os programas disponíveis no mercado, em si, são muito parecidos, variando, via de regra, apenas algumas especificidades funcionais e visuais.”

A lei brasileira de direitos autorais é clara ao dispor, eu seu artigo 8o, inciso I, que “não são objetos de proteção como direitos autorais as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos.”

Os defensores do regime de patente argumentam que sua premissa é recompensar o inventor com o monopólio temporário da invenção, o que é adequado aos setores que empregam anos no trabalho e enormes quantias de dinheiro no desenvolvimento de um produto, e que isto incentiva a inovação. Os opositores vêem as patentes como uma maneira de a empresa sobreviver sem inovação. Para Stallman, as patentes são “minas terrestres para os programadores”, pois estes correrão risco de se deparar com uma patente capaz de obstar ou destruir o projeto de um design de um software.” (INOVAÇÃO, 2004).

Neste sentido, Grossi (2004, p. 7) afirma a primazia do direito autoral do software, “sob pena de estirpar o fator concorrencial do mercado privilegiando grandes corporações que, detentoras de um sem-número de patentes, seriam capazes de determinar qual espécie de inovação tecnológica será implementada em um dado momento.”

Na tecnologia de informação, os produtos do conhecimento são insumos para outras áreas da inovação e, por isto, a concessão de patentes compromete a inovação em geral e especialmente nos países em desenvolvimento. As patentes impedirão empreendedores e inovadores de desenvolverem livremente uma idéia introduzida, pois terão que pagar direitos de propriedade intelectual.

Neste contexto, é retomada a discussão sobre qual o regime de proteção mais adequado ao programa de computador. As opiniões divergem de acordo com os interesses dos países envolvidos. Do nosso ponto de vista, a concessão de patente aos programas de computador pode implicar em inversão completa da base que sustentou o sistema contemporâneo de propriedade intelectual, cujo objetivo foi proteger o ativo e promover a livre circulação de informações e idéias a fim de promover a inventividade e a inovação.

Paralelo à evolução e consolidação da indústria de software, bem como de sua regulamentação quanto ao regime protetivo de direitos de propriedade intelectual, emergiu um movimento questionando a restrição de acesso ao conhecimento. Este movimento é denominado software livre e traz em seu bojo o conceito de copyleft. O capítulo 3 tem como objeto de análise o surgimento e as implicações do software livre para a indústria de programas de computador, abordando questões sob as dimensões

econômica e jurídica. Também fazemos uma análise comparativa entre o copyright e o licenciamento do software livre, o copyleft.

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