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CAPÍTULO 1. INSTITUIÇÕES, CONCORRÊNCIA, INOVAÇÃO E PROPRIEDADE INTELECTUAL

1.4. Evolução histórica da propriedade intelectual: da Convenção da União de Paris ao Acordo TRIPs

1.4.2. Principais acordos internacionais 25 : breve relato

Os tratados internacionais são instituições legais que norteiam a proteção jurídica da propriedade intelectual no âmbito dos países signatários dos mesmos. São inúmeros os tratados e acordos internacionais vigentes relativos ao tema.

Nesta seção, é dado destaque especial às Convenções de Paris e de Berna, por estarem mais vinculadas à discussão que segue, no capítulo 2, sobre os possíveis regimes jurídicos de proteção aplicados ao software – patente e direito autoral – e seus desdobramentos.

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As informações sobre as Convenções de Paris e de Berna, da presente seção, baseiam-se, principalmente, em Sherwood (1992).

Como mostramos na seção anterior, houve um crescimento do comércio internacional, no decorrer do século XIX, ocasião na qual os requisitos de novidade e originalidade passaram a ser exigidos pelos países, a princípio nos acordos bilaterais e, a partir de 1883, no âmbito da Convenção da União de Paris.

Sherwood (1992) aponta que, entre as matérias contempladas na Convenção, estava a questão do tratamento especial de exclusividade e de prioridade. Para resolver o problema de prioridade – o qual surgia quando o inventor, ao entrar com requerimento em outro país, deparava-se com a mesma invenção de outra pessoa feita depois da dele – a Convenção de Paris estabeleceu que, dentro de um ano, contado a partir da data do primeiro pedido no país de origem, o inventor teria prioridade sobre a solicitação de invenção de outra pessoa, apresentada nos demais países, após esta data.

O tratamento nacional estabelecia que um país poderia conceder aos estrangeiros os mesmos direitos conferidos aos seus cidadãos. E isso também foi abordado na Convenção de Paris, objetivando resolver o problema de discriminação contra estrangeiros.

Esta Convenção surgiu com o objetivo de garantir a possibilidade de proteção à propriedade intelectual em diferentes países, constituindo o primeiro marco legal de caráter internacional entre os membros signatários. O Brasil foi um dos primeiros a aderir. Várias foram as modificações introduzidas no texto de 1883 por intermédio de sete revisões.

Em 1967, em Estocolmo, foi realizada a principal modificação na CUP, a qual passou a ser administrada pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual ou World Intellectual Property Organization (OMPI/WIPO). A OMPI foi criada pela Convenção de Estabelecimento da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, cuja finalidade é estabelecer medidas para a promoção da atividade intelectual criativa, proporcionando proteção e prevendo mecanismos para repreender a competição desleal. As raízes de sua origem estão tanto na citada Convenção de Paris, como na Convenção de Berna, apresentada mais adiante nesta seção.

As cláusulas mais relevantes da CUP referem-se a três categorias: (i) tratamento igual aos nacionais de cada país signatário em suas legislações respectivas; (ii) direito

de prioridade, por intermédio do qual o titular de uma patente num país signatário tem direito a um lapso temporal (entre seis a 12 meses) para solicitar o registro nos demais países; e (iii) determinação de algumas regras comuns nas legislações dos países signatários.

No bojo das regras mínimas a serem atendidas pelos países membros, está a independência de patentes, preconizando que a concessão de uma patente em um país membro não obriga o outro país a reconhecê-la. E o mesmo ocorre com relação à garantia do privilégio da importação ao detentor da patente ou a quem a licenciar. O licenciamento compulsório pela autoridade nacional é previsto, em se tratando de abuso na utilização do privilégio ou se o produto não for disponibilizado do mercado interno.

As cláusulas concernentes à marca abrangem a utilização compulsória da marca registrada, sendo passível de ser cancelada pela autoridade nacional caso ela não seja utilizada no decorrer de determinado lapso temporal. Semelhante às patentes, também há a independência do reconhecimento de marcas. Em caráter excepcional, ela estabelece que uma marca registrada no país de origem signatário da Convenção seja reconhecida em outro país membro quando lá for requisitada. O objetivo é garantir que a marca de determinado produto seja utilizada neste outro país, quando comercializada internacionalmente.

Outra instituição legal de abrangência internacional, cuja relevância iguala-se à da CUP, é a Convenção de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas, estabelecida em 1886. Este tratado foi revisado diversas vezes para se adequar à realidade e às necessidades dos países signatários. Dentre tais revisões, destacam-se duas, a de Estocolmo, em 1967, e a de Paris, em 1971. A revisão de Estocolmo foi importante por trazer em seu bojo questões atinentes ao acelerado processo de desenvolvimento tecnológico e ao processo dos países em desenvolvimento. Este último aspecto também foi objeto de análise na revisão de Paris.

A Convenção de Berna resultou de um movimento em favor do tratamento multilateral para proteção de obras artísticas e literárias. Antes de discorrer sobre esta Convenção, faz-se necessário apresentar, brevemente, a evolução do copyright, que

ocorreu a partir do momento em que foi possível a multiplicação de cópias, como já citado, pela invenção da imprensa.

Nos séculos XVI e XVII, havia uma prática comercial, muito comum em vários países, de concessão de direitos exclusivos de impressão, por parte de um soberano. Quem pagava pelo privilégio era o editor, e o soberano exercia certa censura. No entanto, o autor raramente era o beneficiário. A publicação de cópias não autorizadas, além de reduzir as rendas do soberano, era vista como um ato ilegal.

A partir de 1555, na Inglaterra, o controle sobre a publicação servia a interesses de natureza política. Apenas em 1710, o autor foi reconhecido como destinatário primário do direito protegido, por um estatuto pioneiro, o qual também limitou o prazo de proteção de copyright. Na França, em 1793, um estatuto concedeu regime de direito civil à questão. Nos EUA, a Constituição inseriu medida exigindo proteção federal ao copyright. Durante o século XIX, diversos países legislavam sobre o tema, limitando o período de duração e centralizando a proteção do autor.

Foram assinados alguns tratados bilaterais para a proteção de obras literárias. E um movimento favorável ao tratamento multilateral sobre o tema resultou na Convenção de Berna. Esta Convenção, de modo semelhante à de Paris, dispôs sobre o princípio do tratamento nacional para o copyright e também previu a proteção para a tradução.

Outros tratados internacionais específicos foram assinados como resposta ao avanço tecnológico, tendo sido acompanhados por mudanças institucionais, impulsionadas pela dinâmica econômica globalizada que vem se acentuando com o advento do capitalismo financeiro.

Uma dessas mudanças institucionais é o surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja finalidade é a criação de um ambiente livre para o intercâmbio comercial entre os vários países capitalistas. A OMC foi estabelecida em 1994, após a extinção do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). O GATT, criado em 1947, tinha como objetivo principal diminuir barreiras comerciais e garantir acesso mais eqüitativo aos mercados, por parte de seus signatários, e não a promoção do livre comércio. O acordo foi assinado por 23 países, entre eles o Brasil, durante a Rodada Genebra (1947), considerada a primeira das grandes rodadas de negociações multilaterais de comércio.

A onda protecionista e a percepção de que as regras multilaterais de comércio, vigentes no âmbito do GATT, não eram suficientes para dar conta da nova realidade do comércio internacional no contexto da economia globalizada, levou os países à realização da mais ampla rodada de negociações, denominada Rodada Uruguai. A razão principal da Rodada Uruguai foi a reorganização de novos temas interdependentes, quais sejam: serviços, investimentos e propriedade intelectual.

Como resultados da Rodada, que data de 1994, Rêgo (2005) apresenta: (i) o código de conduta (arcabouço jurídico) encartado no documento ‘Os resultados da Rodada Uruguai de negociações multilaterais’; e (ii) as concessões de acesso aos mercados nas listas nacionais, onde estão consolidados os níveis tarifários máximos de cada país.

A partir da Rodada Uruguai, a administração do sistema multilateral de comércio ficou sob a responsabilidade da OMC. As principais funções da OMC são: (i) gerenciar os acordos multilaterais e plurilaterais de comércio, negociados por seus membros, particularmente sobre bens (GATT 94), serviços (GATS26) e direitos de propriedade intelectual, relacionados com o comércio (TRIPs); (ii) resolver diferenças comerciais; (iii) ser o fórum para negociações sobre temas abrangidos pelas regras multilaterais de comércio; (iv) supervisionar as políticas comerciais nacionais; e (v) cooperar com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional para a adoção de políticas econômicas de âmbito mundial.

Fazendo uma análise crítica do surgimento da OMC e, especialmente sob a perspectiva da propriedade intelectual, Santos (2001) comenta que, a partir de propostas de mudanças na Convenção de Paris, com o objetivo de flexibilizar alguns tópicos em favor de países da periferia, surgiu o acordo firmado no âmbito do GATT. No entanto, os países do centro, contrários à flexibilização, pretendiam reforçar a proteção à propriedade intelectual, o que resultou na transferência, para o âmbito do GATT, das discussões sobre esta matéria.

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GATS é o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços celebrado durante a Rodada Uruguai, resultante de negociações multilaterais, relativas a 11 setores de serviços, quais sejam: serviços prestados às empresas, comunicações, construção e serviços de engenharia relacionados, distribuição, educação, energia, meio ambiente, serviços financeiros, serviços sociais e de saúde, turismo e transporte.

Rêgo (2005), discorrendo sobre algumas diferenças significativas entre o GATT e a OMC, observa que o primeiro era um acordo multilateral, de caráter provisório, com uma pequena secretaria associada, o que contribuiu para a remoção das barreiras comerciais mundiais, mas que, devido à fragilidade de seus mecanismos de solução de controvérsias comerciais, alguns de seus signatários se enveredaram por caminhos protecionistas. A OMC, por sua vez, constitui-se numa organização de caráter permanente, com personalidade jurídica própria e com o mesmo status do Banco Mundial, com o qual passou a se articular, sendo o seu sistema de solução de controvérsias mais efetivo e menos sujeito a bloqueios. Outra diferença refere-se à abrangência de suas normas. No GATT, estas estavam adstritas ao intercâmbio de mercadorias. Na OMC, as normas abrangem também o intercâmbio de serviços e o de direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio.

Puig (1995, p. 10) afirma que a OMC surgiu como novo mecanismo supranacional no contexto de um cenário de deterioração sócio-econômico-político a nível mundial, tendo uma “íntima e orgânica articulação com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, com quem passa a partilhar virtual poder de tutela sobre boa parte do planeta.”

Com a criação da OMC, em substituição ao GATT, uma das primeiras abordagens sobre propriedade intelectual foi o Trade Related Intellectual Property Rights (TRIPs), ou Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, apresentado na seção seguinte.

No entanto, antes de discorrer sobre o Acordo TRIPs, cabe uma reflexão sobre a evolução do sistema de propriedade intelectual até o advento de TRIPs.

O marco legal atinente à propriedade intelectual é definido por um tratado internacional. Trata-se de uma das poucas questões que já começa no âmbito internacional, nos marcos das Convenções de Paris e de Berna. Nas revisões desses marcos, as modalidades de proteção foram ampliadas. No entanto, para fazer valer as regras internacionais, eram díspares as leis de cada país signatário, pois as interpretações e concepções gerais eram particulares às características de cada país, gerando tensões. Os tratados apresentam problemas de enforcement, porque

nacionalmente o país toma as decisões de acordo com os seus próprios interesses e estratégicas, criando tensões que levam ao descumprimento de tais acordos.

Com o surgimento de TRIPs, foram introduzidos no sistema de propriedade intelectual alguns avanços e também algumas polêmicas27. Dentre os avanços, estão: a criação, pela primeira vez, de um mecanismo supranacional de canalização, ligado ao comércio; a constituição de um mecanismo multilateral de enforcement; a admissão da multilateralidade28; e o início de um alinhamento das legislações nacionais aos princípios de TRIPs.

No entanto, há de se registrar que o alinhamento das legislações nacionais, advindo de TRIPs, não considera as diferenças entre os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos. Como já alertava Penrose (1974, p. 200), “os estados não industrializados não têm nenhum ganho direito ao conceder uma patente sobre um invento já patenteado no estrangeiro e ali explorado”, sendo que a vantagem econômica que podem obter refere-se a incentivos para “que se introduza a tecnologia estrangeira.”

Outra diferença de TRIPs em relação à Convenção da União de Paris é a consagração, por esta última, do vínculo da proteção ao desenvolvimento nacional, o que se altera com TRIPs, o qual não articula de forma direta o “desenvolvimento científico e tecnológico nacional à adoção de um sistema de direitos de propriedade intelectual”, mas vincula esse sistema “aos padrões adotados em nível internacional,

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O Acordo suscita muitas polêmicas, as quais não são objeto de nosso trabalho. No entanto, cabe uma referência sobre uma das questões mais polêmicas: o patenteamento de medicamentos. Esta patente beneficia, principalmente, as indústrias farmacêuticas. Segundo Gontijo (2005, p. 23-24), o Estado não deveria conceder monopólios de patentes de medicamentos, nem de alimentos, em razão de “terem impacto sobre a própria sobrevivência das pessoas.” O exemplo emblemático desta polêmica encontra-se na situação de disseminação da AIDS pelo mundo, que apresenta forte taxa de mortalidade em países da África, levando à morte 600 sul-africanos por dia, pela ausência de medicamentos, devido ao seu alto custo, os quais são vendidos por US$ 10 mil por paciente, ao ano, nos Estados Unidos, sendo que na África, a maioria dos países apresenta uma renda per-capita inferior a US$ 500. As empresas farmacêuticas se negam a fornecer remédios a preços mais acessíveis aos países em desenvolvimento. Verifica-se uma forte tensão entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento pela demanda de medicamentos a preços mais acessíveis. Os monopólios sobre medicamentos, a preços exorbitantes para países como a África, por exemplo, podem ser entendidos como um “exagero nos direitos atribuídos aos titulares, criando um movimento de rejeição ao sistema de patentes”. Carvalho (2003) esclarece que, nas condições especiais de TRIP’s, é permitida aos países membros a possibilidade de quebra de proteção, como no caso de medicamentos e abuso de poder econômico. 28

Apesar da multilateralidade ser um dos pilares da OMC, a proliferação dos acordos bilaterais ainda celebrados representam um problema.

sob pena de sanções no comércio internacional”, como evidencia Carvalho (2003, p. 53).

Esta diferença deve-se ao fato de que TRIPs representa uma ampliação de proteção à propriedade intelectual defendida pelos países desenvolvidos, num cenário de expansão do “comércio internacional e do conteúdo tecnológico dessas exportações, assim como de consolidação de uma nova lógica de produção global, na qual o controle da tecnologia ganha uma dimensão qualitativa diferenciada” em relação ao cenário de celebração da Convenção de Paris e suas revisões. (CARVALHO, 2003, p. 54).

1.4.3. Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual

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