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O PC na variante mexicana do espanhol

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 63-69)

2. O PRETÉRITO PERFEITO COMPOSTO

2.4. O pretérito perfecto compuesto no Espanhol

2.4.1 O PC na variante mexicana do espanhol

Lope Blanch (1961) analisa diferentes características do espanhol, inclusive acerca do uso do PC. Segundo ele, o PC não corre o risco de ser eliminado nessa variante apesar de não ser tão frequente, mas isso se justifica pela determinação de valores para cada forma do pretérito simples e do composto. Sendo assim, o PC não seria tão utilizado, pois o contexto onde esse aparecerá é bem delimitado. A diferença entre a forma simples e a composta seria aspectual e não temporal (passado próximo ou remoto). Lope Blanch (op. cit., p. 130) apresenta dois esquemas que representariam os valores fundamentais do uso das duas formas do pretérito perfeito do México.

Como é possível observar o autor não está usando a classificação dos aspectos básicos propostos nesta dissertação, ou seja, aspecto perfectivo, imperfectivo e perfeito. Ele usa noções aspectuais de duratividade, iteratividade, pontualidade. Dessa forma, através das

noções que o autor designa para o PC – duratividade e iteratividade, nota-se que, para o autor, nessa variante, há a predominância do uso da forma composta com o valor aspectual de Perfeito continuativo. Gutiérrez Araus (2001), ao se referir à questão do termo imperfectivo defende que o PC é um passado habitual no mundo comentado, isto é, em uma perspectiva discursiva atual, ao contrário do imperfeito do indicativo que está relacionado ao passado habitual do mundo narrado. Sendo assim, a autora defende que ser permanente não representa uma repetição e por isso prefere dizer que o valor aspectual do PC é resultativo-continuativo e não imperfectivo.

O PC no México expressa, segundo Lope Blanch (op. cit.), ações imperfeitas. O que o autor denomina como imperfectivo seriam ações que começam no passado e seguem até o presente, podendo persistir no futuro, ou então ações que ainda não aconteceram no passado, mas podem vir a acontecer. Como é possível observar, não são esses tipos de eventos que classifico aqui como imperfectivo. A imperfectividade assumida aqui refere-se a ações durativas, que já tenham acabado.

Apesar da diferença na nomenclatura, o que Lope Blanch (op. cit.) defende é também o que, a princípio, eu assumo, ou seja, que o PC no México refere-se ao Perfeito continuativo, marcando ações que se relacionam tanto com o passado quanto com o presente.

Como o PC não apareceria em situações pontuais, esse tempo verbal não poderia vir acompanhado do advérbio ya, nesses casos o falante usaria a forma simples.

a) ¡Al fin! ¡Ya lo acabé. b) *¡Al fin! Yo lo he acabado90.

O autor afirma que ainda que haja um marcador temporal que inclua o momento presente, se a ação for perfectiva, a forma usada será a simples – Esta mañana llovió un poquito (p.130). Se não houver marcador temporal e o evento for perfectivo, uma vez mais a forma simples é a que será utilizada – Le dije que viniera hoy en la tardecita.

Nas frases em que seja possível ambas as formas, Lope Blanch (op. cit.) esclarece que o uso de uma ou outra será uma escolha em relação ao aspecto. Observe (p.131):

a) Este mes estudié mucho. b) Este mes he estudiado mucho c) ¡Vamos! El maestro no vino. d) ¡Vamos! El maestro no ha venido. e) ¿Pensaste bien en lo que te dije?

f) ¿Has pensado bien en lo que te dije?

A diferenças entre (a) e (b), segundo o autor, é aspectual, uma vez que ao escolher a forma simples, como em (a), o falante indica que o estudo já acabou. Entretanto, ao utilizar a forma composta, sinaliza-se que o falante continua estudando. Já entre (c) e (d), a forma simples encerra a possibilidade de que o professor possa vir, enquanto a composta deixa a perspectiva temporal aberta, logo indica que o professor ainda pode chegar. E finalmente, ao comparar as sentenças interrogativas, Lope Blanch (op. cit.) explica que em frases como a letra (e), o falante supõe que seu interlocutor já chegou a uma conclusão, enquanto que em (f), a forma composta indica que ainda concede-se tempo para que a pessoa possa responder.

Como é possível observar, de fato, segundo os exemplos apresentados pelo autor, a diferença entre as formas simples e composta seria aspectual e o PC estaria sempre se referindo a uma ação que estará relacionada ao momento presente. É fundamental observar que muitos autores ao tratar o uso do PC no México o comparam ao do Brasil, dizendo que ambos estão veiculados ao aspecto de Perfeito continuativo91. Entretanto, se formos comparar exatamente os valores veremos que há diferenças. De fato, ambos relatam situações passadas que continuam até o momento presente, entretanto no espanhol mexicano, isso inclui eventos que ainda não ocorreram também, o que não é possível no português:

a) Nunca he ido a Francia. b) Nunca fui a Francia. c) Nunca fui à França.

Em (a), ao utilizar-se o composto, o falante estaria dizendo que nunca foi, continua assim até o momento presente, mas que poderá mudar. A perspectiva temporal inclui, portanto, o presente e está aberta. Já em (b), ao usar a forma simples, a perspectiva temporal está fechada, o falante não foi à França e acredita que não irá nunca. Ao compararmos com o português, exemplo (c), vemos que independente se o falante pode ou não mudar o fato de não ter ido à França, a forma simples será sempre usada. Isso ocorre pelo fato de no português, o contexto de uso do PC ser muito restrito e referir-se apenas a ações iterativas ou durativas.

Lope Blanch (op. cit.) também apresenta o uso com as locuções temporais todavía no, aún no e outras semelhantes. Essas seriam utilizadas sempre com o PC, ou quando não, com o presente do indicativo. Isso ocorre, pois a ação que se nega no passado pode ocorrer em um futuro imediato. Gutiérrez Araus (2011), sobre o uso do PC em frases que representam

91 Akerberg (2008), Bergareche (2008) e Martinez-Atienza (2008) são exemplos de autores que fazem essa comparação.

negação, propõe que a relação da negação com o PC pode-se explicar pelo fato de que ao negar que algo haja acontecido até o momento presente, há uma equivalência entre o passado e o presente, como em - ¿tu hermano? Todavía no llega/ha llegado. / Hace ocho días que no duermo/he dormido. Observa-se que, nesses exemplos, pode-se usar tanto a forma do presente do indicativo, quanto o PC. Poderia-se propor, portanto, que a negação traria um traço de duração ao predicado, pois é algo que não aconteceu e isso persiste até o momento presente.

Lope Blanch (op. cit.) apresenta dois exemplos para mostrar que o PC no México também se refere a fatos repetidos, ações reiteradas.

a) Eso ya lo discutimos ayer.

b) Eso lo hemos discutido muchas veces.92

Em (b), pode-se observar que a ação de discutir ocorreu algumas vezes, tanto pelo uso do PC quanto pela presença do marcador. Já em (a), o evento é perfectivo.

O autor observa que com a conjunção desde que não será possível empregar o PC, uma vez que essa conjunção marca um momento, um ponto, em que se inicia um evento, portanto, marcaria algo pontual. Segundo Lope Blanch (op. cit.), no México jamais se diria desde que he llegado. Também não seria possível ver o uso da forma composta com a conjunção ou interrogativo cuando, já que traz a noção de algo pontual. Não se usaria, portanto, a frase Cuando vino yo no estaba en casa. As únicas formas que poderiam aparecer assim, pois já seriam usuais, seriam ¿Cuándo llegaste? ou ¿Cuándo te lo dijo? Entretanto, quando a ação indicasse iteratividade, o PC seria sempre utilizado – Últimamente te han visto pasear con F.

O PC em muitos casos poderia, segundo o autor, ser substituído pelo presente do indicativo, a forma composta abarcaria claramente o presente em casos como “¿Qué tal Antonio? / ¿Cómo te ha ido?”. Este significado temporal presente, que seria próprio da forma composta, explicaria a equivalência “presente-pretérito compuesto”, que seria bastante comum no espanhol do México. O autor apresenta alguns exemplos onde pode haver essa equivalência entre estes dois tempos verbais (p.135):

a) - ¿Tu hermano?

- Todavía no llega (o ha llegado).

b) Hace ocho días que no duermo (o he dormido) nada.

c) Son ya las seis de la tarde y aún no nos llama (o ha llamado). d) ¿Cómo has estado? (o estás)

92 a) Isso já discutimos ontem. b) Temos discutido isso muitas vezes.

e) Este año he estudiado mucho” [= 'sigo estudiando'; luego sería como decir estoy estudiando.93

Para finalizar, o autor apresenta dois valores secundários para o pretérito composto. O primeiro é o de valor perfectivo, seria usado no lugar da forma simples, normalmente em frases exclamativas, demonstrando sempre um valor afetivo muito marcado e um claro poder de atualização. Abaixo os exemplos apresentados pelo autor (p.137)

a) Otro pobre que venía por la misma calle me la pagó... ¡Qué maroma lo he hecho dar! b) Pasó un carro rozándolo... ¡Qué salto ha dado!94

Outro uso possível é substituindo o pretérito pluscuamperfecto de subjuntivo (hubiese ido), exclusivamente nas orações subordinadas condicionais. A frase, normalmente, também será exclamativa, e o conteúdo afetivo influenciará normalmente na construção do verbo principal (usado no presente do indicativo). Alguns dos exemplos apresentados por Lope Blanch (op. cit., p. 137) foram:

a) ¡Qué exacto! ¡Si he estado en esa casa cinco segundos más, me hubiera tocado! b) Si ha salido un poquito antes, no lo hubiera recibido a tiempo.95

Outra autora que estuda o uso do PC, nessa variante, é Martinez-Atienza (2008). A autora também defende a ideia de que esse tempo verbal, de fato, expressa na maioria dos contextos o subtipo de Perfeito continuativo. Ela retoma as questões apresentados por Lope Blanch (op. cit.), entretanto traz novas informações acerca do aspecto lexical dos verbos que poder vir na forma composta. Martinez-Atienza (op. cit.) defende que um verbo, para que possa aparecer no pretérito composto, precisa apresentar noções de duratividade ou iteratividade. Esse requisito se daria-se pelo fato de no espanhol do México, o PC focalizar um evento desde o seu início até um ponto central do mesmo sem focalizar o final da ação. Um predicado que representa um evento pontual, seja télico ou atélico só poderá aparecer na forma composta se forem eventos iterativos, pois assim não se focará um evento único e sim uma sucessão deles, como se pode perceber nos exemplos abaixo (p.224).

a) *Desde que ha llegado. 93 a) - E teu irmão?

- Ainda não chega (chegou)

b) Faz oito dias que não durmo (ou dormi) nada.

c) São as seis da tarde e ainda não nos chama (ou chamou). d) Como esteve? (ou está)

e) Este ano tenho estudado muito [= “sigo estudando”; portanto seria capaz de dizer estoy estudiando. 94 a) Outro pobre que vinha na mesma rua me pagou... Que pirueta eu o fiz dar!

b) Passou um carro roçando-lhe... Que salto ele deu!

95 a) Que exato! Se estivesse nessa casa cinco segundos mais, teria conseguido. b) Se tivesse saído um pouquinho antes, não teria recebido a tempo.

b) Juan ha llegado tarde últimamente.

Em (a), a frase é agramatical, uma vez que o verbo llegar é uma culminação, portanto, é um predicado télico e pontual. Entretanto, (b) é gramatical devido o caráter iterativo que o verbo apresenta, uma vez que não se está referindo ao evento de chegar e sim a sucessão dessa ação. Martinez-Atienza (op. cit., p.224) afirma que o requisito do aspecto lexical também pode ser observado no português:

a) *O João tem chegado agora.

b) Nos últimos dias o João tem chegado tarde.

Pode-se notar, nesses exemplos, a questão da composicionalidade do aspecto, uma vez que não é só o aspecto lexical que traz uma leitura iterativa do evento, a presença do marcador temporal “nos últimos días” também é importante.

Martinez-Atienza (op. cit.) conclui retomando a questão que, ao contrário do que acontece na variante peninsular, no espanhol mexicano o PC não apresenta ambiguidade aspectual. Esse tempo verbal está relacionado a uma única estrutura temporal – a de presente, e uma aspectual – a de Perfeito (geralmente o continuativo).

Oliveira (2010), através de sua observação em dados da Cidade do México, reafirma que de fato, nessa variante, o PC está veiculado principalmente ao Perfeito continuativo. Das 39 ocorrências analisadas pela autora, 87,2% apresentavam as noções de duratividade ou iteratividade. Entretanto, 12,8% dos dados, estavam relacionados com o estágio 3 do esquema proposto por Harris (1982), ou seja, PC de relevância presente. Segundo a autora, esse resultado contradiz García Fernández (2000, p.136) que afirma que “en México el pretérito perfecto compuesto expresa siempre Perfecto continuativo”. Como afirma Oliveira (op. cit.), ainda que os dados de relevância presente não sejam muitos, não devem ser ignorados. A seguir, alguns dos exemplos apresentados pela autora (p. 196):

a) A 19 días de que oficialmente entre la primavera y a 4 meses de que los estragos del verano aparezcan, inexplicablemente el río Cazone ha descendido notablemente su nivel al grado de que en algunas secciones es posible atraversarlo a pie (…) - (Perfeito continuativo - duração)

b) Asimismo, al Vaticano han llegado las voces de todo el mundo en favor de un restablecimiento (…) - (Perfeito continuativo – iteração)

c) “Con el voto a favor del desafuero se ha asentado un golpe a la República, a la transición democrática del país y a la izquierda mexicana”, estableció. - (Perfeito de relevância presente – resultado)

planteado el presidente Bush, y dijo le parecía puede ser un primer paso”, subrayó.96 (…) -

(Perfeito de relevância presente – experiência)

Em (a), a leitura durativa do PC, segundo a autora, é gerada pelo traço [+ durativo] do verbo descender. Já a iteração de (b), sua leitura foi influenciada pela presença de um sujeito plural. Em relação à (c), o PC teria leitura de resultado, porque, a princípio, o que o falante estaria evidenciando seria o resultado presente da decisão judicial. Oliveira (op. cit.) justifica sua classificação, do exemplo da letra (d), como de experiência, propondo que ha planteado estaria mostrando que a proposta dos trabalhadores temporais havia sido mencionada em alguma ocasião pelo presidente Bush.

Concluo, portanto, baseada nos estudos citados, que na variante mexicana do espanhol, o PC estaria veiculado com o aspecto Perfeito continuativo. Entretanto, poderia ser encontrado, também, a princípio, relacionado ao Perfeito de experiência ou de resultado, ou seja, ações que teriam relevância no momento presente. A seguir apresento a proposta de representação em árvore das possíveis leituras aspectuais que o PC pode ter.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 63-69)

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