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— Todo final de semana é assim, nunca muda, sempre temos que nos enfiar na casa de sua mãe, se eu quiser um domingo diferente devo ignorar essa vontade e me adaptar a essa inútil tradição! — no calor da discussão Rodrigo ergueu a voz —. Até quando?

— Durante toda a semana vamos aonde quer, encontramo-nos com seus amigos, vamos à casa de sua família e nunca reclamei, por que está montando esse espetáculo agora?! — imitando o gesto do esposo, Camila o interrogou encolerizada.

— É claro que vai, mas sempre demonstra a insatisfação que sente, nem parece aquela de alguns anos atrás que chegou a me dizer que não importava o lugar desde que eu estivesse ao seu lado seria o melhor do mundo! — na verdade não ouviu o que disse, não tinha motivos para acusar a esposa, mas na hora da discussão nossa boca profere palavras que mais tarde poderão nos trazer arrependimento.

— Então é por vingança? Acha que não gosto de frequentar os lugares onde me leva e agora quer me dar o troco?! – indignou-se —. Como você é infantil! — deu às costas e começou a subir os degraus.

— Eu infantil? — puxou a mulher pelo braço —. Você não me entende e ainda me chama de infantil? Isso é egoísmo! — acusou —. Pura ingratidão. Começo a pensar que todas aquelas declarações foram mentirosas e que me casar não foi a coisa certa! — não deveria declarar tal argumento.

— Nosso casamento para você não passa de um erro? — a forma como ouvimos as coisas quando estamos sensíveis podem nos causar grandes incômodos —. Faço o que posso para demonstrar o meu amor, para agradá-lo e ainda sou chamada de egoísta? — encarava as íris verdes com olhar de decepção —. Tudo porque aos domingos gosto de estar com as pessoas que amo?

— Se os ama tanto volte a eles!

Silêncio.

— Não foi isso...

— Já é o bastante — Camila se afastou do marido ariscamente —. Talvez tenha sido mesmo um erro — abriu a porta da sala —. Quero ficar sozinha — partiu.

Atordoado, Rodrigo se sentou no sofá, levou a mão aos cabelos desgrenhados, ouviu as próprias palavras soarem em seus ouvidos. Tarde demais.

Relacionamentos, no início, podem se assemelhar às coisas mais maravilhosas e especiais que a vida é capaz de nos proporcionar, no entanto o tempo passa e os problemas começam a surgir, sábios são aqueles que os contornam e os usam como armas para fortalecer o amor que um dia existiu e que para sempre deveria existir.

Os problemas ficam ainda maiores quando falta a compreensão de um para com o outro, quando o diálogo já não constrói acordos e dá lugar às discussões fervorosas que não levam a destino algum. Eles se intensificam quando passamos a dar ouvidos aos de fora e nos ensurdecemos a quem todos os dias está ao nosso lado.

Com as amizades que tinha, Rodrigo aos poucos se esquecia do que prometera à Camila quando a pediu em casamento, assegurou que a amaria todos os dias e seria o

por Amilton Júnior motivo do seu sorriso, mas ultimamente parecia se importar mais com a felicidade dos amigos solteiros ou divorciados que, inexperientes e desiludidos, levavam ao técnico de informática uma vida que já não lhe pertencia, pensamentos que não devia cultivar.

Dirigindo, tendo os olhos cobertos por lágrimas, a fala do esposo ecoava na mente de Camila. “Se os ama tanto volte a eles”. Ela não conseguia entender a implicância do marido, sempre foi tratado amistosamente na casa de seus pais e nem eram tantas horas que ficavam juntos, ultimamente Rodrigo parecia pensar apenas nele.

A escritora reconhecia suas promessas passadas, lembrava-se das palavras que não se arrependia de ter dito, mas nada daquilo parecia ter importância, por mais que tentasse nos últimos meses salvar o casamento não conseguia. Culpou-se. Sim, a culpa era dela, pensava ser a responsável pela falta de carinho que o esposo exibia, afinal, ela destruiu o seu sonho de ser pai, era estéril.

Estacionou no acostamento.

Pegou o celular.

Procurou na agenda pelo contato “Mãe”.

O carro capotou.

Um caminhão desgovernado, em alta velocidade, acertou em cheio o carro de Camila, causou um acidente assustador aos olhos que o flagraram.

Nunca sabemos o que a vida nos reserva, quais surpresas nos aguardam no futuro e quais caminhos o destino a nós determinou, por isso é importante que nossas palavras sejam moderadas, que nossas atitudes sejam sensatas, não sabemos quando as pessoas partirão e nem se teremos a oportunidade da despedida.

No hospital, Rodrigo chorava.

Tarde demais.

— O que aconteceu? – o pai se sentou ao seu lado.

— Um acidente...

— Antes disso, o que aconteceu antes dessa tragédia...

O rapaz ergueu os olhos, não teve forças para responder, deitou o rosto sobre o ombro do pai.

— Quantas vezes conversamos, meu filho, quantas vezes lhe falei para que valorizasse os esforços de sua esposa e parasse com as brigas infantis? — acariciava o desconsolado filho —. Por que não me escutou? Em quê os seus amigos são mais vividos do que eu? Em quê a vida que eles levam pode ser melhor que a sua? Todo o dia tem um amor genuíno lhe sendo ofertado e tudo que tem feito foi desprezá-lo.

O técnico de informática deu razão às palavras do pai, palavras que deveria ter escutado há muito tempo, palavras que, jurou em seu coração, adotaria para si se tivesse uma nova chance.

— Eu errei... — reconheceu —. Errei ao me igualar a eles, homens sem compromisso, sem preocupação, que preferem a diversão e tratei minha própria esposa como uma simples companhia... Errei e não sei como corrigir isso.

— Se tiver a oportunidade, peça perdão...

por Amilton Júnior sentimento de incapacidade, incapacidade de acertar com quem merece o nosso amor.

Os olhos castanhos se abriram.

Para a alegria de um homem desesperado.

Camila sorriu discretamente, amava o esposo como a própria vida, seria capaz de tudo para vê-lo feliz apesar de não compreender seus derradeiros comportamentos.

— Como se sente?

— Bem... Só alguma fraqueza... O que houve? — sentia-se confusa.

— Por minha causa, um acidente.

As últimas palavras do esposo retornaram aos ouvidos da escritora que recolheu as mãos, rompeu o contato entre as peles.

Rodrigo percebeu, desvestiu-se do orgulho, do medo de ouvir palavras ácidas e tomou outra postura.

— Negligenciei o nosso amor e tenho me comportado como um adolescente inconsequente, despreocupado, que deixa se levar por efêmeras emoções, não tenho sido o homem que merece — ajoelhou-se ao lado de Camila e tornou a acolher seus dedos —. Quero que me perdoe por ser um egoísta, um ingrato, uma criança tola e rebelde, preciso que me perdoe e que acredite em mim pela última vez, prometo que não cometerei a loucura de errar com quem mais amo nesse mundo...

Tomando uma expressão sorridente, Camila passou a mão pelo rosto do homem pelo qual tão inteiramente se apaixonara, amava contemplar os olhos verdes, adorava enxergar-se neles.

— Beije-me...

O casal apaixonado rompeu o protocolo e contaminou o ambiente com o vírus do amor.

— Graças a Deus o acidente não trouxe grandes impactos, mas nos revelou uma agradável notícia — o médico, já conhecido pelo casal, comemorou o milagre que alcançara a escritora —. Vocês serão pais!

Encararam-se maravilhosamente espantados.

Não conseguiam acreditar.

Fizeram o médico repetir tantas vezes a notícia e a cada anúncio o coração transbordava.

Ganhavam um motivo novo para se manterem na luta pelo amor.

por Amilton Júnior

No documento 1 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição (páginas 33-36)

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