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O amor, para alguns, representa satisfações, conquistas, vitórias que se eternizarão em suas vidas e garantirão momentos de paz, no entanto, para outros, o amor pode atrair dores, amarguras e insuportáveis sofrimentos, lágrimas inesgotáveis.

Como isso é possível? Como pode um sentimento tão nobre, tão soberano e poderoso causar tantas guerras? Sofia jamais compreenderia a razão pela qual era punida por amor, mas também não deixaria de por ele lutar, nunca desistiria de satisfazer sua alma a partir do único alimento suficiente. A filha do poderoso barão de Montes Claros era apaixonada por Arthur, um pobre escravo.

Aquele romance fatal, potencialmente trágico, não começou de repente, através de uma simples troca de olhar, tudo teve início quando as jovens crianças, puras de quaisquer ignorâncias, preconceitos e segregações, compartilhavam de uma bela amizade. Eram grandes amigos. Eram sinceros amigos. Só não compreendiam o porquê de precisarem esconder a realidade dos olhos invejosos, maldosos e perversos.

A baronesa sabia.

A mãe do escravo também sabia.

Mas concordaram em esconder a verdade. Não foram capazes de afastar duas ingênuas crianças que só almejavam união. Não foram capazes de combater a humanidade que permeava ambos os corações. Não seriam as responsáveis por decepções evitáveis. Não colaborariam para que a prepotente arrogância humana colecionasse mais vítimas.

O tempo se passou.

Os dias correram.

Mas o sentimento não acabava, ao contrário, se intensificava e atribulava as pobres mães que não tinham forças para descobrir o véu da crueldade. Porém a verdade se manifestou, os adolescentes viram que entre eles havia um abismo enorme, uma diferença gritante, não eram da mesma classe, não faziam parte do mesmo grupo, eram proibidos de viverem como iguais.

Contudo o preconceito não era mais forte que a amizade genuína que os envolvia, não foi empecilho para que permanecessem naquele saudável relacionamento, para eles não existiam diferenças, pouco importava a falsa soberania que uns sentiam possuir sobre outros. Recusaram-se às falácias, consideravam-se iguais.

A adolescência. Foi na adolescência que Arthur descobriu outra verdade em um dos encontros secretos com sua melhor confidente. Estavam à beira do riacho, jogando pedras sobre o rio, assistindo-as saltitarem sobre a superfície da água, quando o escravo, com tantos sonhos aprisionados em seu peito, teve os olhos descamados, abertos, descobriu o amor.

— Vale mesmo a pena correr tantos riscos por alguém como eu? — lançou a inesperada indagação, encarou os olhos castanhos firmemente, esperaria por uma decisiva resposta —. Meu povo é visto como inferior, é tido como nojento, faço parte dele, sei que tais afirmações não passam de mentiras e jamais o negarei, nunca deixarei aqueles que fazem parte de mim e nem esconderei quem sou. Mas e você?

por Amilton Júnior Por que insiste nisso? É livre para escolher caminhos melhores, é livre para evitar atritos com aqueles que nos torturam. Por que não se veste de sensatez? — as palavras soaram diferentes, estavam firmes, frias, precisavam ser assim.

Sofia refletiu sobre cada questionamento. Entendeu a colocação do querido amigo, compreendia suas insatisfações, concordava que injustiças impiedosas o cercavam fervorosamente. Mas não o perderia, nunca, nem que perdesse a vida.

— Conhecemo-nos por tempo suficiente para que soubesse que não me contamino por pensamentos medíocres, ditados por homens oportunistas que à custa dos outros procuram por sua própria ascensão — observava o semblante atento, observava-o de forma diferente, não via mais Arthur como amigo de infância, aquele menino destemido com o qual vivera tantas aventuras, a visão era outra —. Sempre defenderei a dignidade do ser humano, se ainda não iniciei a luta por libertar o seu povo é por não me sentir preparada, mas não há uma noite que eu me deite, procure pelo sono e deixe de lamentar a perversa realidade à qual foram obrigados viver. Não há sequer uma noite que eu deixe de pensar em como garantir a alguém que tanto gosto uma vida digna! — descobriu que o sentimento de compaixão que ardia em sua alma não era consequência de uma amizade infantil, era amor, confessou que o amava.

O coração do jovem escravo, cheio de tantas incertezas, palpitou forte, estremeceu surpreso, o sorriso que brotou em seus lábios eram de um alívio prazeroso, uma libertação almejada.

— Mas meus questionamentos não acabam aqui, há um sentimento maior, uma força que me oprime todos os dias e eu preciso confessar meu segredo — impulsionado, conteve as delicadas mãos de Sofia, sentiu-se embriagado naquele momento revelador —. Foi amizade, foi intensa e foi verdadeira, foi o que nos aproximou a cada dia e fortaleceu nossos laços, mas há muito deixou de ser uma simples amizade, há muito me sinto diferente quando ouço sua voz, estou apaixonado, mais que isso, estou amando, preciso saber se é capaz de me aceitar...

A felicidade estampada na face da sonhadora garota entregava sua resposta, declarava seus intentos, talvez aquele sentimento fosse recíproco.

— Demorou demais para que percebesse o mais visível dos segredos, talvez tenhamos escondido de nós mesmos, negamos em nossos próprios corações a verdade que nos aflige, mas não há o que negar, não há o que recusar e nem adiar. Quem pode contra o coração? — seu olhar lacrimejado não desviava de Arthur, alguém que se revelava seu maior tesouro —. É claro que o aceito, mas essa não é a questão, você me aceitaria sabendo o preconceito que me cerca? Estaria disposto a lutar ao meu lado?

As palavras não foram reveladas.

O beijo intenso e desejoso falou por elas.

Os dias se passaram.

Os planos foram arquitetados.

Mas por um descuido fatal foram descobertos, oprimidos e presos, escondidos da sociedade, escondidos dos olhos abertos, fadados a aguardarem por um julgamento que os condenaria pelo crime de amar.

Não queriam se separar.

Não suportariam viver sem que ao lado tivessem o amor.

por Amilton Júnior Encararam-se.

Deitaram-se um sobre o outro.

E morreram.

Eternizaram-se tragicamente, alcançaram seu desejo e se libertaram de opressões injustas, covardes, mesquinhas. Mas os opressores seriam punidos por matarem o amor.

por Amilton Júnior

No documento 1 Palavras & Sentimentos – 2ª Edição (páginas 47-50)

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