• Nenhum resultado encontrado

UMA PÉROLA DE MÃE

2.1. Pearl: Uma pérola do Mississipi que deságua em São Paulo

Em 03 de dezembro de 1879, na cidade de Santa Bárbara (atual Santa Bárbara d'Oeste), no Estado de São Paulo, nascia a primeira das três filhas do casal Mary Elizabeth Ellis e Robert Dickson McIntyre. A menina recebeu o nome de Pearl em homenagem a um afluente do rio do Mississipi que banha os Estados do sul dos Estados Unidos, região de onde as famílias Ellis e McIntyre emigraram para o Brasil, no final do século XIX (MOTT, 2003). Alguns anos depois, ela adotaria o nome Pérola.

Seu bisavô materno foi o primeiro da família a chegar à terra "brasilis". Desiludido com a morte de seu único filho homem, durante a guerra de Secessão que colocou o norte e o sul dos Estados Unidos em lados opostos e matou quase um milhão de pessoas, Henry Strong decide, aos 63 anos, recomeçar a vida em uma nova terra (MOTT et al, 2005). Mas ele não era o único. Após o fim dos confrontos, em 1865, “muitos integrantes do Exército Confederado dos Estados Unidos da América do Norte, num desejo incontido de reconstruir seus lares, segurando o coração, sangrando na luta fratricida gerada (…) escolheram o Brasil para reiniciar as suas vidas” (VEIGA,1989, p. 91). Os sulistas viram uma terra arrasada, em que não havia presente nem futuro. “Não só as propriedades da igreja local, senão também as dos próprios sulistas sofreram expropriações violentas e o capital confederado saiu do domínio de cada um, sugado pelos Yankes” (VEIGA,1989, p. 91). Diante desse cenário, milhares de norte-americanos emigram em busca de uma vida melhor.

Segundo Moreno (2011), a vinda para o novo país era antecedida pela visita de associações pró-imigração, que reuniam basicamente parentes e amigos nos deslocamentos em direção a diversos países do hemisfério sul, em busca de oportunidades. De olho nessa mão de obra livre, o governo brasileiro “ofereceu intérpretes e transportes gratuitos para que os representantes norte-americanos pudessem conhecer as diversas regiões do império”(MORENO, 2011), além de fornecer informações sobre preços de terras e ferramentas, auxiliando grupos de

106

imigração e fornecendo passaporte. O governo também financiava a compra de terras, a alimentação por seis meses e as primeiras sementes para o plantio.109

Depois de percorrer os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, Henry Strong - ao lado da filha solteira Sarah Amanda (Sally), da neta Rebecca e seu marido Francis Bankston, e do amigo Willian Richard Brown - decide fixar residência em Santa Bárbara, de acordo com Judith Mac-Knight Jones (1967), um vilarejo de poucas ruas e pequena capela, situado a 130 quilômetros da capital paulista ─ então freguesia de Piracicaba. Esse lugarejo recebeu um grande número de sulistas. Liderados pelo ex-senador William Norris, que havia criado, no local, uma fazenda de algodão, os norte-americanos dedicaram-se principalmente à agricultura em pequenas propriedades, além de atividades liberais, como as de dentistas, médicos, pastores, professores e marceneiros (JONES, 1967).

A comunidade dos imigrantes norte-americanos – confederados, conforme se tornaram conhecidos – resultou, então, em um importante centro de vida no interior paulista. No final do século XIX, algumas famílias norte-americanas fundaram, em diversos municípios do interior de São Paulo, escolas e igrejas de orientação protestante. Segundo Vieira (2012), isso abalaria a hegemonia estabelecida pela igreja Católica no campo religioso, político e cultural. Ao lado de outros confederados, a família Strong fundou a primeira Igreja Batista do Brasil, afirmando seus significados: "Muito mais do que uma simples forma de expressar uma fé num Deus, o protestantismo era, antes de tudo, uma nova visão de mundo, um passaporte para o mundo moderno, vindo dos Estados Unidos como uma bandeira viva do progresso" (VIEIRA, 2012, p. 258).

Ao qualificar o trabalho como uma ascese, um caminho para satisfazer a Deus, a ética protestante teve uma influência decisiva na formação do que Max Weber chamou de "espírito do capitalismo"110. Para a elite intelectual de São Paulo, centro do desenvolvimento econômico do país, o protestantismo ─ "versão religiosa dos ideais liberais e democráticos do século XIX ─ teve um importante papel civilizatório" (VIEIRA, 2012, p. 269), ao oferecer um rompimento com

109 "Com toda essa assistência, estima-se que cerca de 24 mil norte-americanos vieram para estados como

Pará, Espirito Santo, Pernambuco, Bahia, Santa Catarina, Paraná e São Paulo." (MORENO, 2011).

107

os antigos valores representados pela Igreja católica e sua visão sacralizada, hierarquizada, elitista e aristocrática da sociedade.

Postulados como liberdade e individualismo - fundamentais no pensamento anglo- americano descrito por Tocqueville - nutrem diversos movimentos republicanos e abolicionistas. Diferentemente do tipo de individualismo que marcou a sociedade brasileira, "que por sua natureza comunitária e cordial – formada no meio rural e patriarcal – foi incapaz de cultivar um espírito empreendedor e associativo, ficando na constante dependência do Estado" (SOARES, 2011, p. 7). No protestantismo, o individualismo é ressaltado como um caminho para alcançar o bem comum. Essa ética presente, em grande parte, nas organizações protestantes ─ Metodistas, Presbiterianos, Batistas e Congregacionais - chegadas ao Brasil no século XIX, vai marcar o discurso do associativismo filantrópico de mulheres protestantes, como Pérola Byington e Alice Tibiriçá. A filantropia passa a ser vista como um trabalho vocacionado, um dever cristão de cunho ascético a ser cumprido.

Enquanto no Brasil a vida dos Strong retomava o rumo, nos Estados Unidos, o casamento da filha Mary Mathilda com Warron Montgomery Ellis chegava ao fim (MOTT et al, 2005). E, em 1869, dois anos após a partida do pai, ela decide mudar-se para o Brasil com as quatro filhas: Sarah Rebecca Ellis, Carolyn Lillian Ellis, Elizabeth Annie Ellis, e a caçula Mary Elizabeth Ellis (Mollie), mãe de Pérola, na época com apenas nove anos de idade. Ao chegarem, Mary e suas filhas encontram a cidade de São Paulo em expressivo crescimento populacional e material, impulsionado pelo setor da industrialização e comercialização do café no oeste paulista. Henry Strong era, agora, o proprietário da fazenda Barracão, localizada às margens do rio dos Toledos, afluente do rio Piracicaba. No local, "construiu uma espaçosa e confortável casa, no estilo do Sul dos Estados Unidos, com alpendre ao redor e mobília feita por ele mesmo" (MOTT et al, 2005, p. 19). A família vivia, então, um período de prosperidade, e a pequena Mary Elizabeth foi enviada a Campinas para estudar em uma das melhores escolas protestantes da região. Afinal, no Brasil, apesar da educação feminina receber as primeiras regulamentações em 1827, a escola não era procurada pelas famílias abastadas, que preferiam ensinar suas filhas no espaço doméstico, como apontou Marina Maluf em seu trabalho sobre o papel da mulher de elite na implantação de fazendas de café no sertão paulista: "bastava às meninas saber ler, escrever e contar" (p. 217). Já

108

para os norte-americanos, a educação das mocinhas tinha a mesma importância que a educação dos rapazes, afinal seriam elas as futuras mães e professoras (MOTT et al, 2005).

No Colégio Internacional, criado na própria residência dos missionários presbiterianos do sul, Mary Elizabeth recebeu uma educação inovadora, condizente com a tradição e a cultura protestante. O próprio Imperador do Brasil, em uma das visitas que fez ao Colégio Internacional, disse: “Daqui nascerá a República” (JONES, 1967, p. 98). Na contramão da proposta católica de separação rigorosa dos sexos, a educação protestante propõe a coeducação e a dignidade na educação do sexo feminino, que aprendia as mesmas matérias que os meninos (VIEIRA et al, 2012). Tendo um currículo com ênfase no aspecto científico e na liberdade religiosa, esse novo modelo educacional tornou-se a escolha das famílias mais influentes da região de Campinas. De acordo com o historiador e geógrafo Alfredo Moreira Pinto, na obra a “Cidade de São Paulo em 1900”, a estrada de ferro trouxe muitas famílias para Campinas e muitos alunos para a escola. “Em 1875, o Colégio Internacional já tinha prédio de tijolos de dois andares, muitos alunos e professores, graças à ajuda da missão americana” (JONES, 1967, p. 95). Foi nesse ambiente que Mary conheceu o jovem Robert Dickson MacIntyre, filho de imigrantes, que também deixaram os Estados Unidos depois da Guerra de Secessão. O casamento ocorreu em 22 de maio de 1878, na fazenda dos Strong e, na ausência de um pastor batista, a união foi oficiada pelo reverendo Morton, presbiteriano e fundador do colégio em que os jovens estudaram (MOTT et al, 2005).

No final de 1870, o crescimento urbano havia ampliado as dificuldades sanitárias em São Paulo, que passou a ser atingido por graves problemas epidêmicos, como o surto de tifo, que, em 1878, levou à morte Henry Strong e Willian Brown. Sem condições de cuidar da fazenda e com medo de que a epidemia levasse a pequena Pearl, o jovem casal muda-se para Jundiaí (MOTT et al, 2005). Começou aí uma vida de muitas chegadas e partidas.