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‘UM CAMINHO DE VIOLETAS’

3.1. Um Ser da arte

Violeta Campofiorito nasceu na cidade de Belém do Pará em 03 de outubro de 1909, vindo a falecer com 102 anos, em 2012. Violeta é filha caçula do italiano Pedro Campofiorito e da espanhola Delfina Paniágua, imigrantes que, no final do século XIX, somam-se a um extraordinário contingente de europeus que veio fazer a América em terras brasileiras. Mas, diferentemente da maioria deles, camponeses, Pedro, um jovem italiano socialista, era professor da Escola de Belas Artes de Roma. Ao chegar ao Brasil, aos 24 anos, aceita o convite do pintor Zeferino da Costa e passa a integrar e dirigir a Escola de Belas Artes e Música, criada pelo governo do Pará, ao lado do compositor Carlos Gomes192. 193

Na chegada à sociedade amazonense e paraense, se vê diante de novidades da Belle Époque, da riqueza da borracha (ou seringa) e da euforia social que vivem as elites do Amazonas e do Pará, em uma aproximação social e cultural com a Europa. 194 Nesse cenário de modernidade, alguns espaços dedicados à arte serão plenamente desfrutados pelas famílias de melhor posição social e afinadas com o gosto da Europa (DAOU, 2000, p. 50). Hobsbawm (2013) assinala que a aproximação das elites com as artes expressaria, então, um símbolo de seu refinamento e uma forma de sua distinção cultural.

192 João Zeferino da Costa (1840-1915) é considerado um mestre na composição e no desenho. O encontro de

João Zeferino e Carlos Gomes com Pedro Campofiorito, na Itália, favorecerá a trajetória do pintor italiano na sua chegada ao Brasil. Disponível em: <https://www.escritoriodearte.com/artista/joao-zeferino-da-costa> e <http://www.e-biografias.net/carlos_gomes/>. Acesso em 09 nov. 2015.

193 Sobre a trajetória de Pedro Campofiorito, ver Côrte, (2012).

194 Segundo DAOU (2000), entre 1880 e 1910, as sociedades amazonense e paraense vivenciaram um período

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Pedro Campofiorito integrou-se rapidamente à vida artística de Belém, onde permaneceu por mais de uma década, atuando como retratista e pintor, aí adquirindo notoriedade.

Foi como decorador de festas religiosas, como a do Círio de Nazaré, que Pedro conheceu “seu grande amor” - Delfina Paniágua. Anarquista espanhola de Castilla La Vieja, ela havia desembarcado, na mesma época, com sua família no Pará.195. O casamento ocorreu em 1901. Ao falar sobre seu avô materno, a gravadora Leda Watson, filha de Violeta, relembra que, depois da morte de sua avó Delfina, Pedro Campofiorito tornou-se triste, introspectivo e inconformado, embora continuasse trabalhando bastante (WATSON, 2008). Nas ideias revolucionárias trazidas por seus pais do Velho Mundo, é possível encontrar as raízes do espírito libertário que marcará a trajetória de Violeta Campofiorito. Em Belém, Pedro Campofiorito tornara-se um artista reconhecido. Mas, com o fim da Belle Époque Amazônica, ele se muda com a esposa e os quatro filhos – Quirino, Orlando, Stela e Violeta - para Rio de Janeiro, então capital Federal196. Segundo Daou (2000), quando já não era mais tempo de viver na ‘Manaus Moderna’, a mudança para o Rio de Janeiro teria sido um dos recursos legítimos de manutenção do prestígio e da consagração de um estilo de vida.

Na capital federal, Pedro Campofiorito irá atuar ao lado do francês Emile Dupuy Tessain, arquiteto oficial do Estado do Rio de Janeiro, nas obras do Centro Cívico de Niterói197. Alistado às lutas da I Guerra Mundial, Tessain vai para a França e Campofiorito assume o projeto. A família transfere-se, então, de São Cristóvão para Niterói, cidade que Violeta adotou para viver e onde consolidou sua trajetória profissional. O local que, mais tarde, recebeu o nome do novo regime político vai abrigar importantes instituições republicanas: a Assembleia Legislativa, o Palácio da Justiça, a Chefia da Polícia e a Escola Normal, na qual a caçula dos Campofiorito, no final da década de 1920, forma-se professora primária.

A biografia de Violeta - paraense de nascimento, mas fluminense de coração - será

195 Segundo Lily Litvak (1985), para os anarquistas espanhóis do século XIX, a arte teria uma função ético-

social, que exige o reconhecimento dos despossuídos, bem como suas lutas sociais e seus ideais.

196 Para Daou (2000, p. 64), “os anos de 1910 teriam marcado internacionalmente o final da Belle Époque e

expressaram a dissolução da organização econômica do século XIX – do que certamente a Amazônia não estaria isolada. (...) Em 1915, o espetáculo da partida de navios era descrito com pesar em artigo publicado pela revista da Associação comercial do Amazonas”.

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intimamente marcada por essa cidade-capital.198. Com a demolição e construção de novos prédios públicos e particulares, a configuração urbana e a troca de nomes de ruas e bairros trazem indicações das relações políticas que irão se apropriando da cidade e instaurando-a como centro de poder: “A possibilidade de tomar a cidade-capital como texto nos permite ler os signos nela presentes e como seus leitores possuem a representação do lugar, construída com seus significados e significantes” (ECAR, 2012, p. 198).

Embora não fossem membros da elite política, os Campofiorito, como artistas, possuíam prestígio e se situavam acima de outros membros das classes médias da capital fluminense. A cultura se tornará uma marca de identificação de classe. (HOBSBAWM, 2013, p. 134). Os Campofiorito constituem o que Jean–François Sirinelli (2003) concebe com elite cultural, considerando sua capacidade de ressonância e de amplificação de poder de influência, sempre mantendo relações significativas com o poder público regional e nacional. A contribuição de Pedro Campofiorito ao antigo Estado do Rio de Janeiro foi vasta, e também significativas foram suas aproximações com Amaral Peixoto, genro de Getúlio Vargas, presidente da República e interventor do então Estado do Rio de Janeiro199. Importa ainda indicar que, em 1938, após

renunciar à nacionalidade italiana e negar o fascismo, Pedro naturaliza-se brasileiro. Será nomeado funcionário efetivo do departamento de Engenharia da Secretária de Viação e Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro, onde se aposentou em 1941. Ainda em 1941, foi nomeado pelo interventor Ernani do Amaral Peixoto como diretor do recém-fundado Museu Antônio Parreiras, onde permaneceu até morrer em 1945. Pedro Campofiorito foi um dos fundadores, em 1940, da Escola Fluminense de Belas Artes.

Na trajetória de Violeta, é de suma importância considerar, assim, as relações mantidas entre os Campofiorito e o poder público, tanto de Niterói, capital do Estado do Rio de Janeiro, quanto o da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Tais conexões apontam caminhos

198 Segundo descrição do Ecar (2012): “A capital é um espaço dotado de certos poderes que não se vê com

frequência em outras cidades. Como lócus de concentração de domínios políticos, as ações tornam-se mais visíveis e funcionam como propaganda. Considera-se o ‘centro’ o lugar de onde emanam as discussões, insatisfação e até revoluções.” (p. 296).

199 De acordo com Côrte (2011), foram de sua autoria: os projetos do Fórum de Campos de Goitacazes, do

Mercado Municipal de Petrópolis, da Penitenciária de Rio Bonito e do Palácio das indústrias, sede do Instituto de Fomento e Economia Agrícola, inaugurado em 1929, considerado o primeiro ‘arranha-céu’ do governo do Estado do Rio, onde hoje funciona o Tribunal de Contas do Estado (TCERJ). Na capital fluminense, entre outros trabalhos, destaca-se a sede da Cruz Vermelha, pelo qual foi premiado.

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que levam a construir a proeminência de Violeta Campofiorito no cenário fluminense, considerando principalmente suas ações filantrópicas e assistenciais.

Estimulada por tais características do ambiente familiar, Violeta teria se moldado como um ser da arte. No dia 28 de junho de 1937, o jornal O Fluminense veiculava a inauguração na Associação dos Artistas Brasileiros, no Palace Hotel, da exposição de pintura Campofiorito, “composta por interessantes e vigorosos trabalhos de Violeta, Hilda, Quirino e Pedro Campofiorito”200. Tudo convergia para que, assim como seus irmãos, Violeta consolidasse sua

carreira profissional no campo artístico201. Praticamente todas as mulheres que se dedicaram à arte no início da era moderna pertenciam, como Violeta, a uma família de artistas. Esse ambiente, em geral, via com bons olhos seu talento. Contudo existiam diferenças entre as mulheres artistas e seus irmãos. Os artistas homens, em geral, se aperfeiçoavam, viajando e frequentando outros ateliês. Esse foi o caso de Quirino Campofiorito: ele saiu do Brasil para estudar em Paris e Roma. Assim como Orlando, com bastante circulação pela Europa, já Violeta e Stela permaneceram sob a tutela da família, estudando no Rio de Janeiro202.

Alimentada por esse ambiente familiar que lhe confere status e poder, a filha caçula de Pedro Campofiorito ganha então visibilidade na elite fluminense e tem dela o reconhecimento de seus talentos. Em agosto de 1929, a jovem Violeta, ao lado de outras moças da elite fluminense, participa do salão nobre do Teatro Municipal da sessão solene “in memoriam” de Luis Murat, onde recita o poema “Teu Barquinho”. Nessa época, seu nome já era citado com frequência na imprensa local203. Essa presença pública pode ter significado e, certamente, decorreu do contato próximo com grupos intelectuais, em um relacionamento cotidiano com os ambientes das letras e da política. Tais relações marcam as trajetórias dos Campofiorito e também dos Tibiriçá, família de Alice, aqui examinadas, enquanto as dos Byington, origem de Pérola, outra personagem dessa

200 Ver acervo da Hemeroteca digital.

201 Quirino destacou-se como pintor, crítico de arte, jornalista e professor da Escola Nacional de Belas Artes,

no Rio de Janeiro. Em sua homenagem, a galeria térrea do Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, inaugurada em 1975, recebeu o seu nome, enquanto a galeria do andar superior recebeu o nome de Hilda Campofiorito, sua esposa. Orlando, arquiteto e engenheiro de hospitais e escolas, consolidou sua carreira como professor da Faculdade de Engenharia da UFF. Stella, pianista e concertista, atuou ao lado de Villa Lobos.

202 Violeta frequentou a Escola Nacional de Belas Artes e Stela, o Conservatório Nacional de Canto

Orfeônico, ambos no Rio de Janeiro.

203 Em pesquisa realizada em periódicos do Rio de Janeiro, no site da hemeroteca digital da biblioteca

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tese, serão marcadas pelo poder econômico de sua família.

Violeta, professora e desenhista talentosa, na década de 1930, Violeta é nomeada para a cadeira de desenho na Escola do Trabalho Henrique Lage. Ali, o encontro com a pobreza de seus alunos mudaria os rumos de sua trajetória e seus talentos criativos no campo das artes, pois a artista foi cedendo lugar às emergentes ações sociais a que se vinculará até o fim da sua longa vida. Mas a paixão pela arte nunca a abandonou. A presença constante ao piano será uma marca indelével de sua tradição artística. Violeta costumava dizer que sua irmã era pianista, enquanto ela era apenas “pianeira” (GAMA, CPDOC, 2002). Hoje, essa paixão pela arte se faz presente na trajetória artística de sua filha caçula, Leda Watson, como gravadora204.