• Nenhum resultado encontrado

UMA PÉROLA DE MÃE

2.7. Perola Byington e a Assistência materno-infantil

Ainda não fazia duas décadas que Pérola havia vivido o susto da Primeira Guerra, quando, em sua terra natal, viu-se novamente envolvida com clima de medo e tensão de um conflito militar. Mas dessa vez não se tratava de uma luta contra o inimigo externo, mas de uma disputa entre filhos da mesma pátria. Inconformados com o resultado do processo político que levará Vargas ao poder, os paulistas se rebelaram. Eclode a Revolução Constitucionalista.

148

teve o filho e o esposo nos campos de batalha lutando contra o governo Vargas, Pérola silencia- se. Talvez sua origem vinculada à elite empresarial a tenha aproximado do ideário de Vargas. Mas uma “Mulher Paulista” não foge da luta. (WEINSTEIN, 2004). À frente da Cruzada, Pérola:

Organizou dezoito Centros de Assistência Social e Propaganda Cívica, dezessete dos quais tiveram mulheres na direção, contando com a colaboração de 1.208 pessoas (…) Nos Centros prestavam trabalhos voluntários todos que pudessem ajudar, inclusive pessoal técnico (…) Aí eram executados inúmeros trabalhos: enviadas remessas para os soldados no front, prestada assistência material, sanitária e moral às famílias dos combatentes e dos civis mais pobres, elaborados trabalhos de costura. (MOTT et al, 2005, p. 58).

A instalação dos Centros de Assistência Social e Propaganda Cívica atendia a três critérios: bairros operários, localização de quartel e localização de fábricas. Tinham como objetivo a “formação da consciência sanitária e formação moral e cívica da responsabilidade materna”157. Além da vigilância sanitária, dividida em educação e assistência, e da assistência

econômica e moral, também eram realizadas atividades de formação cívica, cuja finalidade era “combater as influências do comunismo, terrorismo etc.”158. Tais ações eram realizadas através

de visitas domiciliares e da propaganda nas rádios.

Reconhecida por suas ações de proteção materno-infantil, Pérola é convidada pelo Dr. Raul Didier — Chefe do Departamento de Assistência aos Refugiados do Estado Maior do M.M.D.C ― a cooperar na assistência aos refugiados das cidades do interior.159

Para maior efficiencia do serviço, este Departamento delega à Cruzada Pró- Infância poderes para tratar da hygiene das crianças e das gestantes, a seu critério, sob nosso controle, com relação às familias alojadas nos nossos centros de concentração a fim de serem attendidos por essa benemerita instituição. (OFICIO n. 7 de 27 de setembro de 1932 do Estado maior do M.M.D.C a Pérola Byington – o documento foi assinado por Raul Didier (Departamento de

157 Fluxograma dos Centros de Assistência Social e Propaganda Cívica. Fundo Cruzada Pró-Infância. Acervo

Museu de Saúde Pública Emílio Ribas / Instituto Butantan.

158 Fluxograma dos Centros de Assistência Social e Propaganda Cívica. Fundo Cruzada Pró-Infância. Acervo

Museu de Saúde Pública Emílio Ribas / Instituto Butantan.

159 A sigla MMDC é uma homenagem a Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo quatro jovens que morreram

após o ataque à sede da Legião Revolucionária. Por meio do MMDC, o movimento paulista conspirou contra Getúlio Vargas. Na noite da sexta-feira, 8 de julho, com os ânimos exaltadíssimos, populares manifestaram-se pela revolução, com a adesão das tropas federais da 2ª Região Militar e da Força Pública.

149

Assistência aos Refugiados) Fundo Cruzada Pró-Infância . Acervo Museu de Saúde Pública Emílio Ribas / Instituto Butantan).

À parte a importância política do movimento constitucionalista, tal evento teve consequência de ordem prática para as ações da Cruzada. Valendo-se da assistência prestada a “gestantes e crianças das famílias dos retirantes pobres”, Pérola pode facilmente defender a fundação da Casa Maternal160. A partir do ideário maternalista presente na convenção de Genebra, de que “A maternidade é uma função social, que deve ser honrada, protegida e retribuída pela nação”, Pérola aponta o dever social de assegurar a toda “mulher durante a funcção maternal, as condições de hygiene necessárias para o desenvolvimento normal da criança”161 Neste sentido, a situação de abandono das mães, além de colocar a vida de crianças

em risco, aumentando as estatísticas de mortalidade infantil, colocava em risco o futuro do país. A preocupação com a situação das gestantes (casadas ou solteiras) que não tinham para onde ir já estava presente no estatuto da Cruzada. Afinal onde a gestante teria seu filho? Como cuidaria da criança nos primeiros dias? Com quem ficariam os filhos pequenos quando a mãe se afastasse do lar para dar à luz? Parece que questões como essas perpassavam o cotidiano da equipe de educadoras sanitárias e médicos no Dispensário da Cruzada. Com efeito, algum tempo antes, em 1931, duas senhoras, egressas da maternidade, já haviam sido abrigadas na sede da Cruzada. Uma permaneceu com a criança até pode voltar ao emprego. Outra viúva, sem recursos, foi tratada e ali permaneceu até pode voltar para Minas Gerais onde tinha mais dois filhos. Além delas, também estiveram “abrigadas” na sede da Cruzada cinco crianças, cuja mãe permanecia internada na maternidade, uma que havia sido abandonada pela mãe e outra que a mãe havia falecido.162 Mas foi durante o levante constitucionalista que a Casa Maternal foi oficialmente inaugurada163.

160 Oficio enviado em 28 de setembro de 1932 a Perola Byington pelo comando Maior do MMDC. Fundo

Cruzada Pró-Infância. Acervo Museu de Saúde Pública Emílio Ribas / Instituto Butantan.

161 Folder da Cruzada sem data. Fundo Cruzada Pró-Infância. Acervo Museu de Saúde Pública Emílio Ribas /

Instituto Butantan.

162 Relatório da Cruzada agosto a dezembro de 1931 - Fundo Cruzada Pró-Infância. Acervo Museu de Saúde

Pública Emílio Ribas / Instituto Butantan.

163 A Casa Maternal foi inaugura em 15 de setembro de 1932 e funcionava na Rua Piratininga, 150. O prédio

150

Como projeto filantrópico a Casa Maternal era incomum. Por quase uma década, a instituição que, em 1939, recebeu o nome de Casa Maternal Mary Ellis McIntyre, em homenagem à mãe de Pérola, foi a única a funcionar no Estado de São Paulo164. As gestantes vinham encaminhadas pelo Juizado de Menores, pela Maternidade de São Paulo e pelo Asilo Bom Pastor, “entidade fundada por religiosas católicas, que atuava como uma espécie de recolhimento de mulheres que tinham procedido ‘fora das normas legais’, mas que não acolhia mães com bebês” (MOTT et al, 2005, p. 105). Muitas eram solteiras, ainda menores de idade, que haviam sido colocadas para fora de casa. Outras não tinham condições de voltar para a casa, havia também viúvas e mulheres em precárias condições de sobrevivência, até 1934, já haviam sido internadas na Casa Maternal 995 gestantes e 641 crianças165. De acordo com Mott et al (2005), os objetivos da Casa Maternal “iam além: combater a mortalidade infantil, diminuir o número de abortos, de prematuros debilitados, da natimortalidade, da mortalidade puerperal, além da assistência moral à mãe solteira e à abandonada”.

Na Casa Maternal, as mulheres “recebiam instrução moral e sanitária e faziam alguns trabalhos. Aquelas que tinham ‘boa conduta’ eram encaminhadas para algum emprego e a criança continuava sob a proteção da Cruzada até que a mãe pudesse se manter” (MOTT, 2005, p.103). O aleitamento materno, defendido por médicos como Moncorvo Filho e Fernandes Figueira, era visto, na Casa Maternal, como uma prescrição médica e um dever da mãe (SANGLARD, 2014; FREIRE, 2015). Diante das altas taxas de mortalidade infantil, justificadas pela alimentação inadequada, a amamentação exclusiva torna-se um dos principais elementos de médicos e higienistas, na luta para reduzir o “infanticídio”.

Mas e aqueles bebês que não podiam ser amamentados? Para acabar com a prática das amas de leite que, segundo os médicos, era um caminho para a proliferação de doenças, Pérola mais uma vez inova e propõe a criação do primeiro banco de leite do Brasil, nas dependências da Casa Maternal. Nesse local, o leite materno seria extraído mecanicamente cumprindo todas as

utilizadas foi dar a cada leito o nome do doador ou de uma pessoa que quisesse homenagear. O primeiro foi o nome de Maria Rennotte, que doou móveis cirúrgicos. (MOTT, 2005, p. 102-103).

164 “Somente em 1939 foi criado, por um grupo de médicos e pelas Franciscanas Missionárias de Maria, o

Amparo Maternal e, em 1944, a Casa Maternal Leonor Mendes de Barros, do governo do estado”. (MOTT et al, 2005, p. 105).

165 Revista Infância- setembro de 1934 – Fundo Cruzada Pró-Infância. Acervo Museu de Saúde Pública

151

normas de higiene e atenderia crianças pobres e abastadas, cujas mães não pudessem amamentar; estas últimas pagavam pelo produto, que podia ser encaminhado para qualquer lugar do Brasil, de avião (MOTT et al, 2005). Mas o custo para implementar um serviço desse porte era alto. Pérola contou, então, com o apoio do esposo, que importou o maquinário necessário (MOTT et al, 2005). E, em 1940, o Banco de Leite da Casa Maternal, o primeiro do Brasil, entrava em funcionamento.166

Em discurso proferido durante a comemoração do Dia da Criança e publicado no Correio Paulistano, em 29 de março de 1940, Pérola ressalta a importância do Lactário recém-inaugurado:

Vae dar a São Paulo, mais uma arma poderosa em defesa da vida da criança — o leite materno (….) Pelas primeiras gotas adquiridas esperava uma mãe para levá- las ao filho, cuja a vida dependia do mesmo. Ao lado desta, dizia um pae médico que estaria vivo hoje, um filho que perdeu, se houvesse em São Paulo, isto naquele tempo. (ACERVO HEMEROTECA DIGITAL, [S./d.]).

No lactário, as amas e nutrizes recebiam um “pro labore”; segundo Pérola, essa era uma forma de aumentar o orçamento familiar e garantir que a mãe poderia ficar mais tempo com o bebê. Elas também realizavam exames periódicos. Mas para evitar que as mulheres retirassem de seu filho o leite necessário ao seu desenvolvimento, as crianças também eram examinadas. (MOTT et al, 2005) O Lactário compõe, juntamente à Cozinha Dietética, uma rede de serviços destinada a combater a desnutrição infantil. A proposta do serviço Gota de Leite de Moncorvo Filho ecoava nas ações da Cruzada (FREIRE, 2015).

Outra prova da atenção dada por Pérola às gestantes foi o aumento da estrutura de atendimento de pré-natal, com a descentralização do serviço do Dispensário Central para os Centros de Assistência Social e Propaganda Cívica. A maior dificuldade, no entanto, era fazer com que as mulheres entendessem a importância dos exames e das consultas. A solução foi vincular a garantia de acesso ao parto seguro apenas para as mulheres que realizavam o pré-natal (MOTT et al, 2005).

166 De acordo com a obra Banco de leite humano: funcionamento, prevenção e controle de riscos da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária. – Brasília: Anvisa, 2008. O primeiro Banco de Leite foi criado em 1943 no Instituto Fernandes Figueira – RJ.

152

Diante da ausência de vagas para a Maternidade de São Paulo, a Cruzada realiza um convênio com o Sindicato das Parteiras, no intuito de contratar mulheres diplomadas para a realização dos partos em domicílio. Somente os casos graves eram encaminhados para a Maternidade de São Paulo. Em 1959, esse serviço será transformado no Serviço Obstétrico Domiciliar (SOD) do Governo do Estado. O acompanhamento, no entanto, não se esgotava com o parto, nutrizes e bebês eram acompanhados por meio de Visitas Domiciliares de educadoras sanitárias, como demonstra a foto a seguir.

FIGURA 12 – Visita domiciliar realizada a uma puérpera.

FONTE: Acervo Museu de Saúde Pública Emílio Ribas / Instituto Butantan.

Essa foto pertence ao acervo da Cruzada Pró-Infância no MUSPER e registra a atividade de uma visitadora do Serviço de Obstetrícia em acompanhamento domiciliar a uma puérpera. A imagem aponta precisas indicações da situação de flagrante miséria da população materno- infantil atendida pela Cruzada. Na cena em questão, fica pronunciada a diferença social entre as duas personagens, através das roupas e da atitude. A visitadora encontra-se em pé e, realizando uma ação, porta vários papéis nas mãos e seu olhar é dirigido para o recém-nascido que se encontra no colo da segunda personagem; esta, por sua vez, encontra-se sentada, com o olhar direcionado para o fotografo enquanto esboça um sorriso. Ao fundo é possível perceber várias

153

casas de alvenaria e telhado, com boas condições de habitabilidade, sinalizando o contraste com a casa visitada. De acordo com Vasconcellos e Rodrigues (2006), tais fotografias serviam aos objetivos dos higienistas em dois aspectos complementares: “como instrumento de denúncia e como prova documental irrecusável para propor intervenções no espaço urbano junto ao poder público” (p. 478).

Com o fim do Movimento Constitucionalista, os Centros de Assistência Social e Propaganda Cívica do Brás-Moóca, Pinheiros, Brooklin e Penha permaneceram sob a responsabilidade da Cruzada, prestando os mesmos serviços que já eram oferecidos no Dispensário Central167. E foi aí nesses bairros que Pérola encontrou crianças “abandonadas” enquanto as mães trabalhavam, situação que expunha os “pequenos” à desnutrição, riscos de acidentes e morte. Mulher do lar, Pérola não vivenciou os desafios de conciliar a maternidade com o trabalho. Mas outros aspectos de sua vida talvez tenham contribuído para esse olhar mais condescendente com as mães-trabalhadoras. Sua infância e juventude, ao lado de uma mãe que sempre trabalhou como professora para sustentar a família, devem ter lhe dado uma maior sensibilidade para realidade de mulheres que precisam trabalhar para sustentar a prole. As dificuldades enfrentadas por essas mulheres, era menos surpreendente para ela do que para outras filantropas.

Para quem, ainda menina, vivenciou, no colégio Piracicabano, uma das primeiras experiências de Jardim de infância no Brasil, o ensino pré-escolar não só devia contribuir para a educação da criança, como ainda podia lhe garantir a assistência e a proteção necessárias.

Perola ressaltava que a criança pobre em idade pré-escolar não tinha atenção da família e era esquecida pelo poder público, cuja preocupação maior era o ensino

167 Segundo o relatório de trabalhos realizados pela Cruzada entre 12 de agosto de 1930 e 31 de dezembro de

1939, os serviços oferecidos estavam assim organizados: PRÉ-NATAL, OBSTETRÍCIA e GINECOLOGIA,

HIGIENE INFANTIL, O EXAME MÉDICO GERAL E A HIGIENE PRÉ-ESCOLAR: Dispensário, Centros

Braz-Moóca, Pinheiro, Brooklin, Penha e Itaim; COZINHA DIÉTETICA não era oferecida nos Centros do Brooklim e do Itaim; OTORRINOLARINGOLOGIA só era oferecido no Dispensário; SIFILIS E

DERMATOLOGIA só era oferecido no Dispensário e no Centro Braz-Mooca; FISIOTERAPIA: Dispensário,

Centro Braz- Moóca e Pinheiro; GABINETE DENTÁRIO: Dispensário, Pinheiro e Brooklin. O SERVIÇO DE

EDUCAÇÃO SANITÁRIA com demonstração prática, atendimentos individuais, palestras coletivas e Visitas

domiciliares era oferecido em todas as unidades, assim como O SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA, ECONÔMICA,

MATERIAL E SOCIAL com sopas e refeições, remédios e gêneros diversos também era oferecido em todas as

154

primário, o resultado eram crianças que chegavam desnutridas à idade escolar, aquém do desenvolvimento próprio para sua idade, que acabavam formando uma ‘imensa legião de débeis físicos e mentais’, repetentes crônicos nos grupos escolares que tanto pesavam na balança orçamentária dos governos. Era, portanto necessário ocupar-se delas o mais cedo possível de forma integral, fornecendo uma educação baseada em métodos modernos, assistência médico sanitária, psicológica e acompanhamento familiar. (MOTT et al, 2005, p.83).

Além da compaixão, havia a tarefa da ação. Pérola inicia, então, a fundação de jardins de infância em todos os Centros de Assistência Social168. As crianças eram atendidas em regime integral e/ou parcial. Em Brás-Moóca, o jardim de infância “funcionava em regime de externato e semi-internato, de acordo com o horário das fábricas e dos estabelecimentos industriais”169. Em pouco tempo, os Jardins da Cruzada ganharam notoriedade e se tornaram modelos para instituições privadas e públicas, de outros Estados (MOTT, et al 2005). O Estado cedia professoras comissionadas, além de técnicos como a Psicóloga Betti Katzenstein, responsável por diversos trabalhos e pesquisas sobre educação infantil, e a Cruzada garantia assistência médica, odontológica, alimentação e uniforme para as crianças (MOTT et al, 2005).

Nas ações filantrópicas de Pérola, o poder público sempre foi um parceiro, seja por comissionamento de profissionais que atuam nesses espaços filantrópicos, seja pela funcionalidade que as ações da Cruzada assumem para o Estado. Mesmo diante da nova modalidade de articulação entre o Estado e a sociedade, que surge com o governo Vargas, conforme ressalta Codato (2008), a filantropia continua sendo bem aceita, desde que se configure como o espaço da mulher “virtuosa”, que dedica sua vida aos pobres e desvalidos sem receber nada em troca e cuja atuação complementa as ações do Estado.

Nesse sentido, e talvez numa ação estratégica de sobrevivência, ao invés de se confrontar com o governo ─ como o fez Alice Tibiriçá que, além de não aceitar a interferência do Estado em suas ações, ainda “ousou” transformar a filantropia em seu “ganha-pão” ─ Pérola preferiu articular suas ações aos interesses políticos do Governo Vargas. Assim, em 1935, no auge da crise entre Alice e o governo paulista, a Cruzada recebe o título de utilidade pública. Já vimos que Pérola se apresenta ao novo governo como uma aliada no campo das ações assistenciais,

168 Brooklim (1933), Brás-Moóca (1934), Pinheiros (1935) e Itaim (1939). (MOTT, 2005, p. 85).

155

conquanto tivesse tomado parte do levante constitucionalista de 1932. No entanto, sua aliança com o governo Vargas talvez não se dê em concordância com o projeto de Estado da era Vargas, afinal sua origem e sua educação aproximavam dos ideais liberais, mas em torno de uma preocupação comum: a proteção à infância pobre. Há aqui uma relação entre o público e o privado, que torna as ações filantrópicas muito dependentes dos rumos tomados pelo Estado.

A proposta de criação de creches — que, naquele tempo “designava estabelecimento de educação e cuidados infantis que funcionam em regime de externato e internato” (MOTT, 2005, p. 95) — como importantes instrumentos no combate à mortalidade infantil, já vinha sendo defendida na sociedade brasileira, desde o início do século XX, por médicos como Fernandes Figueira. Para ele, as creches teriam uma função muito específica: cuidar e proteger a criança enquanto a mãe fosse trabalhar, permitindo o aleitamento materno e, portanto, diminuindo o índice de mortalidade infantil das crianças até um ano. (SANGLARD, 2014, p. 82). Mas foi com a Legião Brasileira de Assistência (LBA) que, na segunda metade da década de 1940, as creches ganham visibilidade no campo da política assistencial e tornam-se campo de atuação da Cruzada. Primeira instituição direcionada a prestar serviços de assistência social à população não- previdenciária – então, muito vasta – em todo território nacional, a LBA, foi criada na capital federal, pela primeira dama D. Alzira Vargas, em agosto de 1942, para atender às famílias dos “pracinhas” que haviam ido lutar na II Guerra.170 Em suas ações assistenciais, D. Darcy pôde

contar desde o início com a colaboração de Pérola Byington.171. Mas essa aliança também rendeu frutos a Pérola. Em março de 1952, seis meses antes do falecimento de Albert, o casal Byington foi homenageado em sua residência por D. Darcy Vargas. Na ocasião, o Sr. Décio de Moraes, tesoureiro da LBA, leu a portaria assinada pela própria presidente da LBA:

170 Pelo decreto nº 4.830 de 15 de outubro de 1942, o Governo da República reconheceu a LBA como uma

instituição da sociedade civil, como órgão de cooperação com o Estado no tocante aos serviços de assistência social e de consulta no que se refere ao funcionamento de associações congêneres e estabeleceu contribuição especial de três cotas de 0,5 sobre o montante mensal dos pagamentos de salários, divididas entre empregados, empregadores e União. Com o fim da Guerra a cota dos empregados foi suprimida. Memória da Assistência: As Origens da LBA, 1977, p.36. Acervo do Centro de Pesquisa e Documentação e História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas ( FGV) Fundo: Alzira Vargas do Amaral Peixoto (AVAP). Série: Vida pública (vpu) (LBA) 1977.03.29.

171 Livro: Memória da Assistência: As Origens da LBA, 1977 (p36) Acervo CPDOC, Fundo: AVAP. vpu

156

Considerando os relevantes serviços da Cruzada Pró-Infância, e tendo em vista que, sobre a atuação da presidente dessa tradicional instituição paulista, foi relatado em nome da Comissão Estadual de São Paulo da Legião Brasileira de Assistência pela sua presidente d. Maria Carmelita Leme de Oliveira Garcez, resolve conceder à Cruzada Pró-Infância um donativo especial de 1.000.000 cruzeiros como reconhecimento pela excepcional dedicação de sua ilustre presidente d. Pérola Ellis Byington. São Paulo, 04 de março de 1952”. (FUNDO CRUZADA PRÓ-INFÂNCIA. Recorte de jornal – Acervo Museu de Saúde Pública Emílio Ribas / Instituto Butantan, [S./d.]).

Tal evento político foi fotografado e a imagem, que acompanha a matéria de jornal descrita acima, compõe o acervo da Cruzada Pró-Infância do MUSPER. Por tratar-se de imagem