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A penhora na execução por quantia certa contra devedor solvente

No documento Elias Marques de Medeiros Neto (páginas 131-140)

J. Calmon de Passos 116 notou que: “Em um século, as mentalidades coletivas mudaram Ser devedor, em nossos dias, não é mais uma pecha, e deixar de pagar suas

2.3. A penhora na execução por quantia certa contra devedor solvente

Como ensina Fernando Cunha de Sá, "a obrigação nasce para ser cumprida. O cumprimento surge como a direcção espontânea da obrigação (...). A realização da prestação é o modo natural de extinguir o vínculo creditório” 232.

E na medida em que ocorre o inadimplemento do devedor, o credor poderá exigir o cumprimento da obrigação descumprida, podendo-se valer do patrimônio do devedor para obter o seu devido pagamento, conforme lembra Gérard Couchez233.

Yussef Said Cahali, em famosa doutrina, define que o patrimônio do devedor: “é a garantia comum dos credores, ou mais precisamente, no patrimônio do devedor encontra-se a garantia dos credores, na medida em que tal patrimônio responde pelas obrigações assumidas pelo seu titular, em caso de inadimplemento voluntário” 234.

232 SÁ, Fernando Augusto Cunha de. Direito ao Cumprimento e Direito a Cumprir. Coimbra: Almedina,

1997. p. 5.

233 COUCHEZ, Gérard. Voies d’exécution. Paris: Sirey, 2010. p. 1.

132 Na execução por quantia certa contra devedor solvente, o foco do credor é a obtenção do pagamento de um determinado montante líquido, certo e exigível, sendo o patrimônio do devedor o verdadeiro alvo do exequente para a hipótese de não ocorrer o pagamento espontâneo da dívida235.

E na execução por quantia certa contra devedor solvente, a penhora é a forma como o exequente, através do Estado- Juiz, tem como buscar a garantia para o devido adimplemento da quantia que lhe é legitimamente devida. A penhora é realizada pelo Estado-Juiz, tendo a claríssima finalidade de garantir a recomposição do patrimônio do credor em razão da inadimplência do devedor. É instituto de máxima importância para a execução, conforme bem ressalta Achille Saletti236.

Enrico Tullio Liebman afirma que “a penhora é o ato pelo qual o órgão judiciário submete o seu poder imediato a determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exequente. Tem, pois, natureza de ato executório”237. O grande mestre italiano destaca ainda que “a penhora

tem finalidade dupla: 1 – visa individuar e apreender efetivamente os bens que se destinam aos fins da execução, preparando assim o ato futuro de desapropriação; e 2 – visa também conservar os bens assim individuados, na situação em que se encontram,

235 Na lição do professor Antunes Varela, “a ação creditória marca o momento capital da juridicidade do

vinculo obrigacional. É a nota mais expressiva da coercibilidade da obrigação. Nela reside a principal garantia da realização da prestação devida. Do lado do devedor, a garantia consiste na responsabilidade de seu patrimônio pelo cumprimento da obrigação e na conseqüente sujeição dos bens que o integram aos fins específicos da execução. Se o credor tem o poder de agredir com o braço da justiça os bens presentes e futuros do executado, quando o devedor não cumpra, é porque o patrimônio responde previamente pela obrigação”. (VARELA, Antunes. Direito das Obrigações. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 103).

236 SALETTI, Achile. Processo esecutivo e prescrizione. Milano: Giuffrè, 1992. p. 3. 237 LIEBMAN, Enrico Tulio. Processo de Execução. São Paulo: Bestbook, 2001. p. 155.

133 evitando que sejam escondidos, deteriorados ou alienados em prejuízo da execução em curso” 238.

Manuel-Jesús Cachón Cadenas, ao tratar do embargo do direito Espanhol (“penhora”), enfatiza o acima referido poder de individualização apontado por Liebman, e leciona que: “...debe ser el patrimonio del efectuado el que sufra Ias consecuencias a que se ha hecho referencia. El embargo concreta los bienes que han de ser utilizados como medias o instrumentos para la salisfacción de la pretensión ejecutiva"239.

Angelo Bonsignori240 aponta que: “Il pignoramento è um atto processuale, mediante il quale singoli beni del debitore o del terzo responsabile sono assoggettati all’ esecuzione”.

A penhora, desta forma, é o ato judicial voltado à individualização dos bens que deverão ser afetados pela execução promovida pelo credor, com a consequente conservação dos mesmos para que eles possam ser oportunamente utilizados na satisfação do débito devido ao exequente. A principal finalidade da penhora é a obtenção do produto, após a expropriação dos bens, para o devido pagamento ao credor.

238 LIEBMAN, Enrico Tulio. Processo de execução. São Paulo: Bestbook, 2001. p. 153. 239 CADENAS, Manuel-Jesús Cachón. El Embargo. Barcelona: Bosch, 1991. p. 220

134 Carpi e Taruffo241 chamam a atenção para a disposição do art. 491 do CPC italiano, o qual prevê que a execução se inicia com o ato processual da penhora, sendo este um importante passo para que se possa ultimar a expropriação dos bens; passo este que, conforme doutrina Gilson Delgado Miranda242, consiste no “primeiro ato expropriatório em execução, para alguns considerado ato de afetação. É em razão da penhora que se procederá à individuação da responsabilidade patrimonial do devedor, aparelhando o Estado para que implemente os atos posteriores de expropriação, especialmente o da venda forçada, até que consiga o atendimento material da sanção”.

Carlo Alberto Nicoletti243, por sua vez, explicita que “col pignoramento si verifica la prima delle grandi modificazioni che subisce il diritto del debitore nel processo di espropriazione, ed in questo senso si può far propria, nella sostanza, l’espressione dell’articolo 491 per cui l’espropriazioni forzata si inizia con el pignoramento, quando tale proposizione sai chamata a delineare, qui, specificamente, la fase degli atti coercitivi che caratterizzano, appunto, l’espropriazione forzata rispetto agli altri procedimenti esecutivi. Col pignoramento, si determina um assoggettamento dei beni che vi sono sottoposti all’esecuzione”.

241 CARPI, Federico; TARUFFO, Michele. Commentario breve ao codice di procedura civile. Padova:

Cedam, 2012. p. 1753.

242 MIRANDA, Gilson Delgado. Ensaio sobre a penhora na execução por quantia certa contra devedor solvente. São Paulo: PUCSP (Tese de Doutorado), 2005. p. 252.

243 NICOLETTI, Carlo Alberto. Profili Istituzionali del Processo Esecutivo. Milano: Giuffrè, 1996. p.

135 Francisco Antonio de Oliveira244 ensina que os principais princípios que regem a penhora são: (i) o da suficiência, como decorrência do acima referido princípio do resultado, pelo qual a penhora somente deve ser realizada sobre os bens necessários para a satisfação do crédito devido ao exequente, de modo a se evitar penhoras excessivas (art. 659 do CPC); (ii) o da utilidade, devendo-se evitar penhoras claramente infrutíferas para a obtenção do resultado pretendido pelo credor (art. 659 do CPC); (iii) o da especificidade e o da afetação, pelos quais os bens constritos ficam vinculados ao crédito executado, nos termos do art. 612 do CPC; e (iv) o da humanização, buscando- se evitar a realização de penhoras que possam agredir a dignidade da pessoa do devedor, conforme previsões dos arts. 620 e 649 do CPC.

Os principais efeitos245 da penhora, de natureza processual e de natureza de direito material, são: (i) imediata individualização dos bens que serão objeto da expropriação para satisfação do crédito; (ii) o depósito do bem, de modo a buscar-se sua devida conservação; (iii) o direito de preferência do credor que primeiro efetivar a penhora sobre determinado bem, direito este que apenas é afastado em hipóteses específicas do CPC (ex.: insolvência); e (iv) ineficácia, em regra e em face do credor, da alienação do bem penhorado por parte do devedor (art. 593 do CPC).

244 OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Manual da Penhora. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 54-70. 245 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11ª ed. São Paulo: RT, 2007. p. 593-599.

136 Neste sentido, Araken de Assis246 sintetiza: “A penhora é o ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo”.

Nos termos dos arts. 665 e 666 do CPC, o auto de penhora deve indicar quem é o depositário do bem constrito; ou seja, a quem caberá a importante missão de conservar o bem penhorado e cuidar para que sua expropriação possa ser útil à satisfação do crédito executado.

Enrico Tullio Liebman doutrina que os efeitos da penhora “se completam e se tornam mais efetivos pela separação e depósito dos bens penhorados; subtraídos estes ao poder imediato do executado, torna-se muito mais difícil que os possa consumir, deteriorar, esconder ou alienar. O depósito de que aqui se fala não é o depósito convencional do direito privado; é a relação de direito público, constituída pelo ato do órgão judicial que nomeia o depositário. Este não recebe a posse das coisas penhoradas, que continua no executado; apenas as detém por dever do cargo para o qual foi nomeado, dever que consiste na custódia e conservação das coisas até que o juiz mande entregá-las” 247.

246 ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11ª ed. São Paulo: RT, 2007. p. 592. 247 LIEBMAN, Enrico Tulio. Processo de Execução. São Paulo: Bestbook, 2001. p. 159.

137 Assim, para Liebman, a natureza jurídica do depósito seria a de detenção, com o que concordam Amilcar de Castro248 e Arnaldo Marmitt249.

O depositário é um verdadeiro auxiliar da justiça (arts. 139 e 148 do CPC), de modo que deve agir sempre em nome do Poder Judiciário, por conta e ordem deste último250.

Humberto Theodoro Júnior251, neste sentido, bem observa que, “antes de tudo, a penhora importa individualização, apreensão e depósito de bens do devedor, que ficam à disposição judicial (CPC, arts. 664 e 665), tudo com o objetivo de subtraí-los à livre disponibilidade do executado e sujeitá-los à expropriação (...). Individualizados os bens que haverão de dar efetividade à responsabilidade patrimonial, segue-se o ato de apreensão deles pelo órgão executivo, e a sua entrega a um depositário, que assumirá um encargo público, sob o comando direto do juiz da execução, ficando, assim, responsável pela guarda e conservação dos bens penhorados e seus acessórios, presentes e futuros”.

248 CASTRO, Amilcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974. p. 236. v.

VIII.

249 MARMITT, Arnaldo. A Penhora. Rio de Janeiro: Aide, 1986. p. 274.

250 Fernando Amâncio Ferreira, sobre o tratamento do depósito no direito Português, pontua que: “para

a administração dos bens penhorados surge, em certo tipo de penhoras, a figura do depositário, um particular que colabora temporariamente com o tribunal, mas que não se identifica com o funcionário judicial, assumindo o papel de auxiliar da justiça. Apresenta-se, todavia, como uma entidade parajudicial, compartilhando características próprias de oficial público, quando seja o solicitador da execução, como é de regra, a desempenhar essas funções”.(FERREIRA, Fernando Amâncio. Curso de Processo de

Execução. Coimbra: Almedina, 2006. p. 269).

251 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 41ª. ed. Rio de Janeiro: Forense,

138 Mas nem todos os bens do devedor podem ser penhorados.

O próprio art. 591 do CPC prevê que todo o patrimônio do devedor deve responder por suas dívidas, exceto nas hipóteses restritivas previstas em lei252.

O art. 649 do CPC, seguindo o acima referido princípio da humanização253, estabelece hipóteses em que o patrimônio do devedor não pode ser objeto de penhoras.

Trata-se da impenhorabilidade. E como leciona Márcio Manoel Maidame254, “impenhorável é o bem que, embora integre o patrimônio do devedor e/ou do responsável pelo débito, está imune à regra da responsabilidade patrimonial, pois, por força de lei, inviável é a sua constrição judicial em processo executivo (penhora). Trata- se de regra de direito quase universal, observável tanto nos países da common law onde tem sua origem, como nos países da civil law (...). Várias são as hipóteses de impenhorabilidade, como também várias são as fundamentações para cada dessas espécies. Apenas como exemplo, já que as hipóteses serão estudadas em capítulo à parte, a impenhorabilidade dos bens públicos, cujo fundamento geralmente está ligado à continuidade do serviço público, manutenção do patrimônio e do interesse público; a

252 Alfred Jauffret, neste passo, já doutrinou que: “La saisissabilité est donc la règle. Par exception,

certain biens peuvent être insaisinables soit en vertu de la loi, soit plus raremente, par la volonté des particuliers". (JAUFFRET, Alfred. Manuel de Procédure Civile et Voies D'Execution. Par. Jacques Normand. 14. éd. Paris: Libraire Generale de Droit et de Jurisprudence, 1984. p. 213.)

253 AZEVEDO, Luiz Carlos de. Da Penhora. São Paulo: Resenha Tributária/Fieo, 1994.

139 impenhorabilidade dos bens de ínfimo valor, cuja finalidade é o resguardo do processo como instrumento útil à proteção de direitos. Mas, hodiernamente, o regime da impenhorabilidade está afetado ao intenso movimento de humanização que o processo de execução vem sofrendo ao decorrer da história, incidindo, ainda, regra de matiz constitucional sobre os atos executivos (a necessidade de preservação da dignidade

humana). A impenhorabilidade, então, se confunde ou praticamente equivale às restrições que se estabeleceram à atividade executiva do Estado, ou seja, aos limites

políticos da execução civil, quando protege patrimônio de particulares, geralmente visa a preservar a liberdade, a dignidade do executado, o direito ao patrimônio mínimo e, em geral, os direitos de personalidade”.

Bens públicos também não podem ser penhorados, conforme restrição constitucional constante do art. 100 da CF de 1988, o qual rege a forma de pagamento dos créditos devidos pelos entes da administração pública.

Tem-se aqui o que Cândido Rangel Dinamarco255 denomina como limites políticos da execução, excluindo-se da sanção inerente à execução, seja por interesse público, seja por respeito à pessoa e dignidade do devedor, determinados bens tidos como impenhoráveis.

140 Nesta linha, Robert W. Emerson256, quanto ao direito dos Estados Unidos da América do Norte, exemplifica que há restrições para o credor quanto à possibilidade de penhora e expropriação de alguns bens, tais como o imóvel residencial e os rendimentos do devedor: “State law exempts certain types of property from being seized and sold to

satisfy debts. Most states provide for a homestead exemption. When a home is sold to pay a judgment, a specific amount may be retained by the debtor, free of the judgment debt. (…). A provision in the federal consumer credit protection act limits garnishments in any week to the lesser of either: (i) 25% of that week’s disposable earnings, or (2) the amount by which that week’s disposable earnings exceed 30 times the federal minimum hourly wage”.

A impenhorabilidade precisa estar prevista em lei e traz autêntica restrição à atuação do credor, devendo o Estado respeitar o direito do devedor de não ter o seu patrimônio molestado quanto aos bens considerados impenhoráveis.

2.4. A execução por quantia certa contra devedor solvente e o

No documento Elias Marques de Medeiros Neto (páginas 131-140)