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A penhora de percentual do faturamento de empresa devedora na execução por quantia certa contra devedor solvente – proposta de uma leitura com

No documento Elias Marques de Medeiros Neto (páginas 194-200)

J. Calmon de Passos 116 notou que: “Em um século, as mentalidades coletivas mudaram Ser devedor, em nossos dias, não é mais uma pecha, e deixar de pagar suas

3.1. A penhora de percentual do faturamento de empresa devedora na execução por quantia certa contra devedor solvente – proposta de uma leitura com

base no princípio da efetividade do processo.

Penhora de faturamento.

Essa expressão, quando dita no meio forense, causa arrepios, dúvidas, e, provavelmente, uma única certeza. Arrepios a quem deve, dúvidas sobre sua eficácia,

348 ASSIS, Araken. Duração razoável do processo e reformas da lei processual civil. In: FUX, Luiz;

NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo e Constituição: Estudos em

195 natureza e extensão; e uma única certeza: esta modalidade de penhora teria que ser excepcional.

Mas pergunta-se se essa certeza, repetida como se fosse um absoluto dogma religioso na maior parte da doutrina e da jurisprudência brasileiras, realmente tem respaldo no contexto do moderno processo civil, voltado para a busca de efetividade da tutela executiva.

A pergunta ainda faz mais sentido ao se notar o amplo movimento da doutrina e da jurisprudência de resgatar o processo de execução das trevas da morosidade, conferindo-lhe maior vida e fluência, sempre na busca de tutelar-se de forma mais eficaz o crédito do exequente.

Movimento este que – lembre-se – coroa a penhora de dinheiro e ativos financeiros, prestigia o espírito da cooperação por parte do devedor e transfere às partes e ao magistrado a importante missão de solucionarem eficazmente a lide, dentro das fronteiras do devido processo legal e se respeitando os direitos fundamentais em jogo; dentre eles os do credor, que merece ter prestigiado o seu direito à uma tutela executiva efetiva.

Não raro, a famosa penhora on line, sem prejuízo de todos os sólidos e corretos argumentos que prestigiam sua aplicação, gera mais dissabores ao devedor do que

196 qualquer outra modalidade de constrição; notadamente na medida em que são automaticamente bloqueados todos os valores depositados e/ou aplicados junto à instituição financeira, em nome do executado, até o limite da dívida exigida.

A famosa penhora on line é um eficiente meio executivo para que todo o valor do débito executado seja prontamente garantido, retirando-se da livre disposição do devedor a totalidade do numerário que venha a ser localizado e constrito em seus depósitos e aplicações financeiras.

E como alertado no capítulo anterior, apesar de algumas oscilações na história da aplicação da penhora de dinheiro, é certo que na atualidade a maior parte da doutrina e jurisprudência conferem amplo prestígio a este tipo de constrição.

Marcelo Abelha Rodrigues349 leciona que “a penhora de dinheiro deve ser sempre privilegiada na execução, pois além de o dinheiro ser o bem pretendido na execução por quantia, quando é constrito pela penhora traz um enorme encurtamento do procedimento executivo”.

349 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. 5ª. ed. São Paulo: RT, 2010. p.

197 José da Silva Pacheco350, na mesma direção, pontua que: “no processo de execução de título executivo extrajudicial, o dinheiro continua como o primeiro bem, na ordem dos penhoráveis, como está expresso no art. 655, I, do CPC, e no art. 11 da Lei n. 6.830/80, podendo, em execução baseada em qualquer título extrajudicial previsto no art. 585 do CPC, penhorar-se preferencialmente, em primeiro lugar, o dinheiro, tanto em espécie quanto em depósito ou aplicação em instituições financeiras”.

Quanto à legalidade da penhora on line e ao prestígio da penhora de dinheiro - como preferencial para o credor -, vale chamar a atenção para o julgamento do REsp n. 1184765, apreciado como representativo de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC), julgado pela primeira seção do STJ, em 24.11.2010, tendo sido relator o Min. Luiz Fux: “1. A utilização do Sistema BACEN-JUD, no período posterior à vacatio legis da Lei 11.382/2006 (21.01.2007), prescinde do exaurimento de diligências extrajudiciais, por parte do exequente, a fim de se autorizar o bloqueio eletrônico de depósitos ou aplicações financeiras (Precedente da Primeira Seção: EREsp 1.052.081/RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 12.05.2010, DJe 26.05.2010. Precedentes das Turmas de Direito Público: REsp 1.194.067/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 01.07.2010; AgRg no REsp 1.143.806/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 21.06.2010; REsp 1.101.288/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 02.04.2009, DJe 20.04.2009; e REsp 1.074.228/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 07.10.2008, DJe 05.11.2008. Precedente da Corte Especial que adotou a mesma exegese

350 PACHECO, José da Silva. Comentários à lei de execução fiscal. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.

198 para a execução civil: REsp 1.112.943/MA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15.09.2010). 2. (...). 3. A Lei 6.830/80, em seu artigo 9º, determina que, em garantia da execução, o executado poderá, entre outros, nomear bens à penhora, observada a ordem prevista no artigo 11, na qual o "dinheiro" exsurge com primazia. 4. Por seu turno, o artigo 655, do CPC, em sua redação primitiva, dispunha que incumbia ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a ordem de penhora, cujo inciso I fazia referência genérica a "dinheiro". (...).”

Conforme noticia José Eduardo Soares de Melo, quanto à penhora on line, “a jurisprudência assevera que essa modalidade de constrição, resultante de convênio entre o Poder Judiciário e o Banco Central, é entendida como legítima, contribuindo para a efetividade do processo, não violando o sigilo bancário”351.

Hoje, os tribunais se inclinam para a posição de que apenas nas hipóteses específicas de substituição de penhora e/ou de impenhorabilidade (art. 649 do CPC), e em hipóteses excepcionais, onde comprovadamente o devedor conseguir demonstrar que os recursos bloqueados via penhora on line são impenhoráveis, e/ou que sua dignidade ou sobrevivência financeira estão em grave risco, se pode autorizar a liberação dos ativos constritos, em homenagem ao art. 620 do CPC; mas tudo sem se olvidar da necessidade de garantir a satisfação do crédito do exequente (art. 612 do CPC).

351 MELO, José Eduardo Soares de. Processo tributário administrativo. 2ª. ed. São Paulo: Quartier Latin,

199 O parágrafo segundo do art.655-A do CPC faz referência expressa ao art. 649 do CPC; possibilitando-se ao devedor, uma vez comprovada a origem da quantia penhorada e sua natureza impenhorável, ter deferido em seu favor a ordem de desbloqueio do respectivo dinheiro constrito352.

Humberto Theodoro Júnior leciona que em determinadas situações a penhora

on line pode efetuar constrição de valores que estavam destinados ao pagamento das despesas cotidianas e essenciais da pessoa jurídica, despesas estas fundamentais para sua sobrevivência e normal manejo de sua rotina empresarial; de modo que a constrição indiscriminada, nesta hipótese, de todo o numerário, poderia levar a empresa à ruína. Mas ressalta que essa alegação do devedor deve ser acompanhada: “da demonstração da existência de outros bens livres para suportar a penhora sem comprometer a eficiência da execução”353.

No mesmo sentido é a lição de Roberto Rosas: “a ordem estabelecida pelo CPC/1973, art. 655, inicia-se pela nomeação de dinheiro. Ainda que a execução seja feita da forma menos gravosa ao devedor, este não pode alterar a ordem, ficando a critério do magistrado a alteração, não admitindo oferta de bem sem valor ou de difícil liquidação”354.

352 BUENO, Cassio Scarpinella. A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 117. v. 3.

353 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 41ª. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2007. p. 328. v.II.

200 João José Custódio da Silveira355 destaca a importância da penhora on line, defendendo, inclusive, sua aplicação para evitar expedientes procrastinatórios pelo devedor: “... intervenções oficiosas são bem vindas para tentar combater o real entrave da execução: exiguidade ou ocultação de patrimônio do executado suscetível de penhora. É exato concluir que o processo não cuidará de resolver problemas econômicos, mas possibilita ao juiz atento discernir entre o devedor insolvente e aquele que assim se fantasia. (...). O juiz deve atuar sensivelmente os poderes que a legislação lhe empenha para fazer valer o direito que emana do título. Hodiernamente, inventiva- se, repensar a teoria da tipicidade, na medida em que o juiz pode ordenar medidas diversificadas para atingir o cumprimento da obrigação. Com relação às providências coercitivas, à guisa de imprimir maior efetividade na execução dos julgados, a legislação processual estabelece ferramentas de apoio a fim de evitar que o devedor utilize expedientes procrastinatórios, notadamente de patrimônio. Nessa linha, a realização da penhora por meio eletrônico, também conhecida como penhora on line, vem se mostrando instrumento eficaz para acelerar a satisfação do credor”.

Neste contexto, de amplo prestígio ao pronto e imediato bloqueio on line356 do dinheiro, e altíssima preocupação com a efetividade da execução, cresce uma flagrante e inevitável contradição ao se defender a excepcionalidade da penhora de faturamento.

355 SILVEIRA, João José Custódio da. O juiz e a condução equilibrada do processo. São Paulo: Saraiva,

2009. p. 154.

356“1. O provimento judicial de constrição patrimonial em execução fiscal por excelência é a penhora

(art. 655, do CPC), que pode ser feita pela forma tradicional mediante a expedição de ofícios por meio físico aos órgãos ou entidades onde os bens são registrados ou, modernamente, por meio eletrônico do qual o BACENJUD é espécie (art.655-A, do CPC). 2. O fato de somente a penhora em dinheiro ser atualmente feita por meio eletrônico ("penhora on line") e ter previsão legal para tal não impossibilita que no futuro surjam mecanismos idênticos para as demais espécies de bens, havendo apenas que na sua utilização ser observada a ordem legal estatuída no art. 655, do CPC (em benefício do credor). 3. Em

No documento Elias Marques de Medeiros Neto (páginas 194-200)