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Pensamento Sistêmico e Teoria da Complexidade Aplicados às Organizações

2. Organizações no Agronegócio de Base Econômica Familiar

2.2. Pensamento Sistêmico e Teoria da Complexidade Aplicados às Organizações

As empresas e os outros feitos humanos também são considerados sistemas e estão igualmente conectados por fios invisíveis de ações inter-relacionadas que muitas vezes levam anos para manifestar seus efeitos umas sobre as outras. Ao fazer parte desse tecido, é difícil distinguir o padrão de mudança do todo. Ao contrário, a tendência é que as pessoas se concentrem nas fotografias de partes isoladas do sistema, e que continuem a se perguntar por que seus problemas mais profundos parecem nunca se resolver. O pensamento sistêmico é um quadro de referência conceitual, um conjunto de conhecimentos e ferramentas desenvolvido ao longo dos últimos cinqüenta anos para esclarecer os padrões do todo e ajudar a compreender a mudança realmente necessária (SENGE. 1990).

O pensamento sistêmico contribui para o surgimento na organização de uma nova forma de os indivíduos se perceberem e ao seu mundo. No coração dessa organização encontra-se uma mudança de mentalidade em andamento- em vez de verem como algo separado do mundo, as pessoas passam ver-se conectadas ao mundo; no lugar de considerar

os problemas como causados por algo ou alguém "lá fora", percebe-se como nossas próprias ações criam os problemas pelos quais eles passam. Uma organização desse tipo é um lugar onde as pessoas descobrem continuamente como criam sua realidade, e como podem mudá-la, à semelhança do que disse Arquimedes: "Dê-me uma alavanca longa o bastante e, com uma das mãos, moverei o mundo" (SENGE, 1990).

Hoje, o pensamento sistêmico e complexo se torna cada vez mais necessário para o entendimento dos fenômenos de um mundo globalizado e comprometido pela ação humana. Talvez, pela primeira vez na história, a humanidade tenha a capacidade de criar muito mais informações do que o homem pode absorver, de gerar uma interdependência muito maior do que o homem pode administrar e de acelerar as mudanças com uma velocidade muito maior do que o homem pode acompanhar. Certamente, a escala de complexidade é sem precedentes (SENGE, 1990).

Tudo à nossa volta é exemplo de ‘colapsos sistêmicos'. Problemas como o aquecimento global, a diminuição da camada de ozônio, o tráfico internacional de drogas e o colapso do sistema financeiro internacional são questões que não possuem uma simples causa isolada. Da mesma forma, as organizações também entram em colapso, apesar da inteligência individual e dos produtos inovadores, pois elas são incapazes de reunir suas diversas funções e alentos para criar um todo mais eficiente (SENGE, 1990).

As características complexas desses problemas impedem que um único olhar humano possa entender sua totalidade. Porém, é impossível definir em última instância o que é ou não complexo, pois sempre haverá um novo observador para o mesmo fenômeno. Por isso, ROCHA et al. (2008) identificam um sistema complexo por algumas características observáveis. Dessa forma, é possível considerar complexo um sistema com as seguintes características:

• O sistema é constituído por grande variedade de componentes ou elementos com funções específicas e comportamentos variados.

• Os elementos estão em permanente evolução e são influenciados por eventos que não podem ser previstos.

• A totalidade das informações sobre o estado de todos os elementos não pode ser totalmente conhecida.

• Os diversos elementos estão unidos por grande variedade de inter- relações.

Todas essas características são observáveis nas organizações do Agronegócio de Base Econômica Familiar, por exemplo: são constituídos por associados autônomos, que estão em constante evolução, que não conseguem acompanhar todas as interações simultaneamente e interagem dinamicamente conforme seus interesses momentâneos. Portanto, classificamos esse tipo de organização como sistemas complexos.

Doravante, sob a luz dessa classificação, busca-se entender, com mais detalhes, as dinâmicas que ocorrem nesse contexto, para então propor um modelo de diagnóstico cujo propósito seja apoiar iniciativas de gestão que fomentem a mudança na organização do sistema.

Assumir que as premissas mecanicistas não podem explicar os fenômenos atuais é o primeiro passo para poder percebê-los sob outra perspectiva de conhecimento. Desafios gerenciais enfrentados pelas associações e cooperativas do ABEF são em grande parte derivados da percepção incompleta do contexto no qual está inserida (visão sistêmica), e da forma como interage e se adapta a esse contexto (complexidade).

Os itens a seguir buscam compreender as formas e os mecanismos de adaptação dos sistemas complexos nas organizações.

2.2.1. Mecanismos de adaptação dos sistemas complexos

Para se adaptar ao contexto a partir de sua visão sistêmica, os sistemas complexos transformam-se usando alguns mecanismos e ela começa pelo indivíduo – isto é daquele que decide, age e aprende. Segundo o modelo de Holland (1996, apud Agostinho, 2003), sua atuação e adaptação estariam relacionadas a dois mecanismos: ”modelos internos” e “blocos de construção”:

• Modelos internos – são o mecanismo de previsão. Ao perceber os sinais e informações do ambiente, o indivíduo identifica, interpreta implícita e explicitamente certos padrões e forma um modelo de comportamento que permite prever as conseqüências, quando um padrão como aquele é novamente encontrado. Os modelos que são eficazes em prever as conseqüências futuras de um dado comportamento são selecionados, enquanto os ineficazes são abandonados. Assim, eles estão sujeitos à seleção e progressiva aprendizagem.

• Blocos de construção – capacidade de o indivíduo criar componentes, dividir em elementos menores uma cena inteira. Um modelo só pode ser útil se houver algum tipo de repetição das situações modeladas. Determinada situação dificilmente se repete completamente da mesma forma, mas isso pode ocorrer com partes dela. Assim, é possível que uma cena nunca tenha ocorrido de uma determinada forma, porém suas partes já são conhecidas. Portanto, os modelos internos são recombinações de “blocos” já testados, levando certa regularidade a situações novas e complexas.

Cada indivíduo aprende, adapta-se e evolui de acordo com seus modelos internos e blocos de construção, os quais refletem sua interpretação com o ambiente e possíveis ações para buscar seus objetivos. A seleção de regras úteis dá-se em função de seus interesses e da expectativa com relação às recompensas, ou seja, sua ação é orientada com base em critérios locais, embora muitas vezes a ação esteja aderente aos interesses globais. É importante lembrar que nem todos os sistemas complexos sobrevivem à competição e à seleção, mas outros sim (AGOSTINHO, 2003).

2.2.2. Propriedades das interações dos elementos dos sistemas complexos

O sucesso de um sistema está ligado diretamente ao efeito global da resultante do conjunto de interações dos seus agentes. Assim, apesar de cada um atuar individualmente, os movimentos do todo são conduzidos pela própria dinâmica que emerge das interações e assim o sistema também se adapta e aprende. Holland, em seu modelo e sistemas complexos adaptativos, aponta também três propriedades básicas: fluxos, não-linearidade e diversidade (AGOSTINHO, 2003):

• Nessas interações, ao trocarem recursos e informações, os elementos do sistema criam um fluxo e formam uma rede de relacionamentos. Segundo Holland (996), os fluxos criam nos sistemas complexos adaptativos dois efeitos:

o Multiplicador – um novo recurso ou informação ao interagir com o sistema complexo adaptativo vai-se multiplicando a cada passo, a cada nova interação dentro da rede. Esse efeito muitas vezes faz com que uma interação leve a conseqüências não previstas

inicialmente no modelo interno, tanto na forma como na dimensão do impacto.

o Reciclagem – é a responsável pela retenção de recursos no sistema e permite que se produza mais com a mesma quantidade que entra no sistema, pois uma parcela do que flui está sempre retornando aos agentes (“processadores”). O resultado global que esse efeito pode causar em uma rede pode ser surpreendente. • Nas relações entre ações e resultados não-lineares há influência mútua

entre as variáveis: interativas e circulares, de alimentação e realimentação, de modo que suas causas podem se transformar em efeitos, e vice-versa. Em outras palavras, não há como estabelecer conexões causais diretas e unidirecionais. (ROCHA NETO; IAROZINSKI NETO; NEHME, 2008). Essa propriedade faz com que seja impossível prever o comportamento do sistema simplesmente somando ou tirando a média dos comportamentos individuais. Não há possibilidade de representar o todo pela soma das partes (HOLLAND, 1996).

• A diversidade - é importante para manter as capacidades do sistema que a forma, uma vez que a participação de seus constituintes é relativamente efêmera. Por exemplo, se o sistema é perturbado pela saída de um agente componente, outro agente – embora diferente – vem ocupar o lugar deixado, restabelecendo as interações centradas naquele agente. Além disso, se esse novo agente for diferente, abre oportunidade para novas interações, gerando ainda mais diversidade e, com isso, possibilidades de renovação e evolução (HOLLAND, 1996).

Holland (1996), ao descrever a dinâmica dessas interações, deixa claro que é necessário compreender em profundidade os mecanismos e as propriedades dos sistemas complexos para fazer uso dessa dimensão nas organizações e atingir os objetivos globais. E acrescenta:

Em termos gerais, os nós são processadores – agentes – e os conectores designam as interações possíveis. Em sistemas complexos adaptativos, os fluxos através dessas redes variam no tempo; mais ainda, nós e conectores podem aparecer e desaparecer, conforme os agentes se adaptam ou fracassam em se adaptar. Portanto, nem os fluxos nem as redes são fixas no tempo. Eles são padrões que refletem adaptações que mudam conforme o tempo passa e a experiência é acumulada (HOLLAND, 1996).

Retornamos, então à questão: como as atuações individuais podem levar ao bom desempenho de todo o sistema, sem que haja uma autoridade central que as coordene? O item a seguir mostra como a autonomia dos sistemas complexos pode obter bom desempenho.