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3. A agricultura urbana no quadro das orientações de política a diferentes escalas

3.1. O Quadro Político Europeu

A nível europeu, escasseia uma agenda concreta para a agricultura urbana nas orientações de política da União Europeia (UE), sendo um dos principais argumentos utilizados o facto de a agricultura em meio urbano ter uma perspetiva tão multidimensional, que acaba por ser difícil de integrar nas orientações de política (Abrantes & Gomes, 2020). Mesmo que a Europa não enfrente um perigo imediato de segurança alimentar, o desenvolvimento da política alimentar europeia tem estado diretamente relacionado com os aspetos da produção alimentar da Política Agrícola Comum (PAC) (Oliveira & Morgado, 2016). Contudo não se pode se considerar a mesma uma política alimentar, uma vez que não existe uma estratégia alimentar (Ramos I., 2000).

A PAC foi criada em 1962 sobre um modelo económico que apontava para uma industrialização da agricultura, por forma a fazer face às carências alimentares da população, produzindo alimentos em massa, de baixo custo e que ao mesmo tempo permitissem rendimentos aos produtores. Apesar do sucesso inicial da PAC, a abertura aos mercados extracomunitários acabou por levar à sua decadência, impulsionando a sua primeira grande reforma em 2003. Nesta é reconhecida a relevância do papel social e ambiental da agricultura, dando lugar a “novas preocupações e a novos valores, que se

prendem cada vez menos com a quantidade, e que progressivamente apelam à qualidade, nomeadamente à qualidade de vida, que encerra um conjunto de outras exigências, onde se incluem também a qualidade dos produtos agrícolas e do meio onde são produzidos” (Ramos I. , 2000).

A PAC continua a constituir o principal programa orientador da política agrícola nos estados- membros, contudo, ao longo dos anos, as múltiplas reformas negligenciaram a agricultura na cidade (McEldowney, 2017). Em junho de 2013, o COST Action publicou a Declaração de Barcelona sobre Agricultura Urbana e a PAC, na qual apelou para um maior reconhecimento da agricultura urbana nas políticas europeias, recomendando à Comissão da União Europeia e ao Conselho Europeu, entre outras, reconhecer a agricultura urbana como um recurso cultural para a qualidade de vida urbana e o bem-estar; sensibilizar para a agricultura urbana e suas condições especiais, potencialidades e exigências; definir objetivos específicos para a agricultura urbana relacionados com as características das diferentes tipologias da mesma.

O Pacto Ecológico Europeu propõe-se a solucionar algumas lacunas da PAC, orientando e financiando o quadro político da União Europeia para os próximos 10 anos. Este procura dar resposta aos desafios climáticos e ambientais atuais, apoiando a transformação da economia e a sociedade, assim colocando-as numa trajetória mais sustentável (COM, 2019). As propostas contidas no Pacto Ecológico Europeu propõem dar resposta às preocupações ambientais, nomeadamente no que diz respeito à eficiência energética, à qualidade dos solos e da água, às ameaças aos habitats e à biodiversidade e às alterações climáticas, mas também às preocupações económicas, onde se inclui a segurança alimentar.

A estruturação deste documento divide-se em grandes temáticas políticas, sendo que uma delas é relevante para o tema do presente trabalho: “Do prado ao prato: conceber um sistema alimentar justo, saudável e amigo do ambiente”. Esta temática reflete as preocupações referentes ao atual sistema de produção alimentar, o seu impacto no meio ambiente (poluição, perda de biodiversidade, consumo excessivo de recursos, etc.), assim como a preocupação com a qualidade do consumo da alimentação pela população (especialmente a doenças a ela associadas). Neste sentido, a estratégia do “do prado ao prato” procura (COM, 2019):

• Contribuir para a realização de uma economia circular, nomeadamente apostando em cadeias curtas de abastecimento de forma a reconectar o produtor com o consumidor;

• Estimular o consumo sustentável de alimentos e promover alimentos saudáveis a preços acessíveis para todos;

• Preservar e recuperar ecossistemas e a biodiversidade.

O documento destaca assim a necessidade de promover a relocalização dos sistemas de produção alimentar nas áreas metropolitanas, através de cadeias de abastecimento mais curtas e eficientes, como forma de estimular a segurança alimentar das populações e a proteção ambiental através de abordagens de base local. Desta forma, a agricultura urbana integra-se neste programa se for combinada com esforços que promovam a alimentação saudáveis das populações e preços

acessíveis para todos, com o intuito de promover a segurança alimentar das populações, especialmente de bairros urbanos de baixa renda. Contudo, o programa não explora profundamente o potencial da dimensão social da agricultura, ignorando por completo o contributo que esta tem ou poderia vir a ter na construção de comunidades mais resilientes, e na promoção de um acesso a alimentos de uma forma mais equitativa.

Em junho de 2021, o Conselho e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo político provisório relativamente à nova PAC (2023-2027), em resposta às propostas legislativas apresentadas pela Comissão Europeia em junho de 2018, que tinham em vista uma política mais simples e mais eficaz que integre as ambições sustentáveis do Pacto Ecológico Europeu (COM, 2021).

Apesar das lacunas na inserção da agricultura urbanas nas políticas europeias, tem-se verificado um aumento significativo de iniciativas internacionais relacionadas à agricultura urbana, às quais as autarquias e cidades portuguesas têm aderido (Delgado C.,2019), como por exemplo a CityFood Network ou o Pacto de Milão. Este último é de especial relevo, tratando-se de um legado da Expo Milão 2015 que decorreu sob o mote “Alimentar o Planeta, Energia para a Vida”, e onde cidades de todo o mundo chegaram ao compromisso de “desenvolver sistemas alimentares sustentáveis e resilientes, oferecer alimentos nutritivos e acessíveis a todos, proteger a biodiversidade e combater o desperdício de alimentos” (FAO, 2021). Inicialmente subscrito por mais de 100 municípios, atualmente o Pacto de Milão reúne 225 signatários, entre os quais destacam-se Lisboa, Torres Vedras e o Funchal como os únicos municípios portugueses (MUFPP Secretariat, 2021). O Pacto de Milão é composto por 37 ações recomendadas, organizadas em seis categorias: Governança; Dieta e nutrição sustentáveis;

Equidade social e económica; Produção de alimentos (incluindo ligações urbano-rurais); Abastecimento e distribuição de alimentos; e Desperdício de alimentos (FAO, 2021). Considerando o tema do estudo, destacam-se as seguintes ações e respetivas categorias presentes no Pacto (MUFPP, 2015):

➢ Equidade social e económica:

• Usar transferências de fundos, de alimentação e outras formas e sistemas de proteção social (bancos alimentares, cantinas sociais, cozinhas comunitárias, etc.) de modo a permitir acesso a comida saudável às populações vulneráveis, tendo em conta as crenças específicas, cultura, tradições, hábitos de dieta, preferências das diferentes comunidades, como condições para uma vida digna, evitando marginalização adicional;

• Encorajar e apoiar atividades de economia social e solidária, prestando particular atenção às atividades relacionadas com a alimentação que podem constituir fonte de rendimento sustentável para as populações marginalizadas a diferentes níveis na cadeia de valor agroalimentar, e que facilitem o acesso a alimentação saudável e segura nas áreas rurais e urbanas;

• Promover redes e apoiar atividades das comunidades de base (tal como hortas e jardins comunitários, restauração coletiva pública, cantinas sociais, etc.) que promovam a inclusão social e forneçam alimentação aos indivíduos marginalizados.

➢ Produção alimentar:

• Promover e reforçar a produção alimentar urbana e periurbana, o processamento baseado em abordagens sustentáveis, e integrar a agricultura urbana e periurbana nos planos de resiliência da Cidade/Município.

• Proteger e permitir o acesso e posse segura da terra para produção sustentável de produtos alimentares nas áreas urbanas e periurbanas, incluindo terra para hortelãos, jardineiros comunitários, e pequenos produtores, por exemplo através de bancos de terra ou cooperativas de terra; ceder acesso a terras municipais para a produção agrícola local e promover a integração dos planos e programas sobre o uso dos solos com os planos e programas de ordenamento urbano/municipal;

• Abastecimento alimentar e distribuição;

• Avaliar, rever e/ou reforçar os sistemas de controlo alimentar, implementando legislação e regulamentação local sobre segurança alimentar que (1) assegure que os produtores e fornecedores alimentares em toda a cadeia de valor operam de forma responsável; (2) elimine as barreiras de acesso ao mercado para os pequenos produtores e agentes da agricultura familiar; e (3) integre as dimensões de segurança alimentar, saúde e de ambiente.

Em conformidade com o Pacto de Milão e apoiando as cidades que querem implementar os seus pressupostos, a CityFood Network constitui uma rede de cidades cujo objetivo é estimular a troca de experiências e boas práticas para a construção de sistemas alimentares sustentáveis e resilientes, sendo subscrita pelas cidades de Braga, Torres Vedras e Cascais (ICLEI, 2021).