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De início, pode-se afirmar que a diferença fundamental entre a perda e a suspensão do poder familiar reside na gravidade da sanção, pois a perda, sendo sanção mais grave, tem caráter permanente, enquanto a suspensão, sendo sanção mais leve, tem caráter temporário17.

Cabe relembrar: na suspensão, decorrido o prazo ou desaparecendo suas causas, restabelece-se o exercício do poder familiar. Mas no caso de perda do poder familiar, seu exercício só será restabelecido em processo judicial contencioso, se comprovada a regeneração dos pais e o desaparecimento das causas que determinaram a perda18.

Segundo Venosa, a “[...] perda ou destituição do poder familiar é a mais grave sanção imposta aos pais que faltarem com os deveres em relação aos filhos”19

.

A esse respeito, prevê o art. 1.638 do Código Civil:

Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente20

.

Vale observar que quando o Código Civil prevê que o pai que castiga imoderadamente o filho perderá o poder familiar (inc. I), ele não está dizendo que os pais não têm direito a correção em relação aos atos dos filhos, mesmo no caso de resultarem leves escoriações e/ou hematomas, desde que justificados em determinadas situações de correção necessárias e educacionais. Mas ele se refere, isso sim, ao abuso nesses atos corretivos, sem nenhuma justificação; ele se refere a 17 CARVALHO, 2009, p. 384. 18 Ibid., p. 384. 19

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família. In: ______. Direito civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 6. p. 315.

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maus-tratos, violência desproporcional ao ato praticado pelo filho, espancamentos, o que pode até mesmo configurar crime21.

A propósito, o Código Penal tipifica, da forma que segue, o crime de maus-tratos:

Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa. § 1º Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º Se resulta a morte:

Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos22.

Já o abandono de filho (CC, art. 1.638, II) não significa apenas abandono do lar ou de assistência material, configurando-se também em relação a privações que comprometam a sobrevivência, saúde e educação, devendo-se colacionar, ainda, que o Código Penal tipifica tal conduta como crime de abandono de incapaz, em seu art. 13323:

Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena – detenção, de seis meses a três anos.

§ 1º Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a cinco anos.

§ 2º Se resulta a morte:

Pena – reclusão, de quatro a doze anos24

.

Para além, o abandono ou omissão dos pais em relação aos filhos configura o crime de abandono material do art. 244 do Código Penal:

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou

de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de

ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de

21

CARVALHO, 2009, p. 384.

22

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 30 maio 2011.

23

CARVALHO, 2009, p. 384.

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pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único – Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada25.

Por outro lado, com referência ao crime de abandono intelectual, prevê o art. 246 do Código Penal: “Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa”26

.

Assim, vê-se que o ato de contribuir para que o filho não frequente a escola, e/ou mesmo o abandono em si, de forma a deixá-lo sem orientação nesse sentido, é considerado crime.

Carvalho, para frisar o que já se abordou anteriormente, afirma que: “A ausência de recursos para fornecer sustento adequado aos filhos não é motivo para perda do poder familiar”27, em conformidade com o art. 23 do ECA: “Art. 23. A falta

ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar”28

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Nesse particular, é de se entender que cabe ao Estado, quando for o caso, incluir as famílias necessitadas em programas oficiais de assistência, conforme seja o tipo de necessidade, que nem sempre é de cunho econômico. Pode, por exemplo, advir da imaturidade dos pais, notadamente no caso de mães adolescentes com dificuldades, que merecem ser acolhidas pelo Estado a fim de reunirem condições de exercer bem a maternidade, podendo ser acompanhadas e orientadas pelos conselhos tutelares29.

Disso se pode colher que o abandono capaz de ensejar a destituição do poder familiar é aquele relacionado ao amor, afeto, atenção, cuidado e responsabilidade dos pais, que são fatores fundamentais para o desenvolvimento

25

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, loc. cit.

26

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, loc. cit.

27

CARVALHO, 2009, p. 384.

28

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, loc. cit.

29

das crianças e adolescentes. Isso porque, privados disso tudo, eles restarão prejudicados nesse processo de desenvolvimento como sujeitos de direitos, de forma a configurar claramente, inclusive, o desrespeito aos seus direitos fundamentais e constitucionais assegurados pelos princípios da dignidade humana e da afetividade, conforme abordado anteriormente no capítulo próprio30.

No que se refere à perda do poder familiar por ato judicial em razão da prática de atos contrários a moral e aos bons costumes (CC, art. 1.638, III), fala-se, na prática, em situações onde os pais acabam, por seus atos, contaminando a formação moral e influenciando de forma negativa a personalidade do filho. Por exemplo, pais que se entregam ao uso de drogas e bebidas, que obrigam os filhos a pedir esmola para sustento da família, que vivem em ambiente sem regras, ou, até mesmo, que abusem sexualmente dos filhos (como visto nas hipóteses de violência doméstica contra filhos, no capítulo anterior), devendo-se observar os fatos e as consequências geradas na vítima criança ou adolescente31.

Pode-se entender, assim, que a possibilidade jurídica de perda do poder familiar é de suma importância nos casos em que os filhos sofram violência constante dos pais, seja de que tipo for, desde que essa seja a medida adequada ao caso concreto. Não se deve esquecer que a perda é uma medida extrema e drástica, requerendo, portanto, o máximo de seriedade, correção e até mesmo sensibilidade por parte dos profissionais envolvidos no seu processo.

Acrescenta-se, ainda, que por mais gravosa que seja a perda do poder familiar, permitir que as vítimas mencionadas continuem crescendo num ambiente avesso ao desenvolvimento sadio, vítimas dos tipos de violência estudados, é totalmente inaceitável, e o conhecimento empírico mostra que isso contribui, em regra, para que se tornem adultos violentos e até mesmo omissos para com seus próprios filhos.

Antes de se abordar, finalmente, a questão da razoabilidade da destituição do poder familiar em razão de violência doméstica contra filhos menores, é de se acrescentar, apenas de passagem, por escapar ao foco deste estudo, que o procedimento para a suspensão ou perda do poder familiar encontra-se previsto nos arts. 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

30

CARVALHO, 2009, p. 385.

31

4.3 DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR COMO MEDIDA RAZOÁVEL EM