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A destituição do poder familiar como medida razoável em decorrência da violência sofrida pelos filhos menores

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ANDERSON CLAUDINO BITENCOURT

A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR COMO MEDIDA RAZOÁVEL EM DECORRÊNCIA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELOS FILHOS MENORES

Tubarão 2011

(2)

A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR COMO MEDIDA RAZOÁVEL EM DECORRÊNCIA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELOS FILHOS MENORES

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de Pesquisa: Justiça e Sociedade

Tubarão 2011

(3)

ANDERSON CLAUDINO BITTENCOURT

A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR COMO MEDIDA RAZOÁVEL EM DECORRÊNCIA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELOS FILHOS MENORES

Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tubarão, 17 de junho de 2011.

______________________________________________________ Prof. Vilson Leonel, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Léo Rosa de Andrade, Dr.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof ª. Sandra L. Nunes Angelo Mendonça Fileti, Esp.

(4)

Dedico este trabalho a minha madrinha, Marilda dos Santos Bitencourt, e aos meus avós, Iva dos Santos Bitencourt e Luiz Álvaro de Bitencourt, pelo apoio e encorajamento contínuos no decorrer da minha vida acadêmica.

(5)

AGRADECIMENTOS

Esta monografia é o resultado de uma caminhada de longos anos, e muitos contribuíram para que eu chegasse até aqui. Ao agradecer, involuntariamente poderei cometer injustiças, portanto desde já agradeço a todos que me acompanharam nessa trajetória.

A toda minha família, agradeço pelo companheirismo e união.

A você, Dilton dos Santos Bitencourt, meu pai, que, do seu jeito especial, sempre me apoiou. A você, Marinalda Claudino, minha mãe, que, com toda sua coragem de mulher e fragilidade humana, soube, acima de tudo, me amar. Amores eternos.

Aos meus avós, Luiz Álvaro de Bitencourt e Iva dos Santos Bitencourt, por terem me dado todo o apoio de que precisei durante esses anos e por terem feito parte dos meus sonhos.

A minha madrinha, Marilda dos Santos Bitencourt (minha terceira mãe), pois sem o seu apoio eu não teria chegado até aqui. Eterna gratidão.

A minhas irmãs, Andresa, Vanessa e Isabela, pelo carinho e compreensão nos momentos mais difíceis. Amor incondicional.

A minha namorada, Maria Karoline de Andrade, pelos momentos de incentivo, amor e dedicação. Amor que eu encontrei e que me faz acreditar que nada é por acaso.

Ao pessoal da Vara Criminal da Comarca de Laguna, por todo o apoio e amizade, especialmente a ela que, tanto quanto possível, me orientou neste trabalho, Suyan de Melo.

A todo o corpo docente e aos servidores do curso de Direito da UNISUL. A todos os professores, pela admiração profissional que lhes devoto. Ser professor é uma arte, e nela vocês preenchem todos os requisitos.

Aos colegas e amigos que conheci durante o curso. A Deus, razão de tudo, eu agradeço.

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(7)

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo geral analisar se a destituição do poder familiar afigura-se como medida razoável para prevenir e cessar a violência sofrida por filhos menores no meio familiar. O método utilizado é o dedutivo. O procedimento é o monográfico. Quanto aos objetivos, a pesquisa é do tipo exploratória. O procedimento técnico é o bibliográfico, utilizando-se como fonte de pesquisa, publicações em livros e artigos da internet. No decorrer do trabalho, analisou-se que poucos institutos têm sido tão presentes ao longo da história do homem civilizado quanto o do poder familiar. Por poder familiar entende-se o conjunto de atribuições/obrigações dos pais em relação aos filhos menores, que devem ser respeitados como seres humanos e sociais. O poder familiar passou por várias transformações desde quando a autoridade era a patriarcal até a atual concepção de família. Assim, o poder familiar veio se transmudando num ritmo tal, que hoje é considerado um poder-dever de proteção aos filhos. Apesar disso, a violência doméstica contra filhos também acompanha esse instituto ao longo da história, apresentando-se de várias formas, destacando-se a física, a sexual, a psicológica e a decorrente de negligência. As várias formas de violência possuem efeito devastador e muitas vezes irremediável na criança e no adolescente, prejudicando seu desempenho físico e psicológico, violando diretamente o direito ao respeito, à dignidade, à integridade física, psíquica e moral, aspectos, como se sabe, fundamentais para o seu pleno desenvolvimento. A violência provocada pelos pais é injustificável sob qualquer aspecto, constituindo, muitas vezes, atos verdadeiramente desumanos, e ainda ferindo o ordenamento jurídico, tanto na legislação específica de proteção a tais vítimas quanto no que se refere aos princípios constitucionais que norteiam o poder familiar. Portanto, quando a conduta dos pais em relação aos filhos menores se pauta pela violência a ponto de ensejar, de conformidade com a lei, a destituição do poder familiar, esta medida, apesar de drástica, deve ser entendida como justa e razoável para proteger suas vítimas, porque também drásticos são os efeitos da violência sofrida por crianças e adolescentes no âmbito familiar.

Palavras-chave: Direito de Família. Violência familiar. Responsabilidade dos pais. Destituição do poder familiar.

(8)

ABSTRACT

This paperwork aims to analyze if the familiar power dismissal might be a reasonable move to prevent and to cease the violence suffered by underage children in family environment. The used method is the deductive. The procedure is the monographic. About the purpose, the search is exploratory. The technical procedure is the bibliographic, used as source of search, publications in books and articles from internet. In the curse of work, was analyzed that few institutes has been as presents across civilized men history as the familiar power. Familiar power is the set of assignment/duty from parent‟s to minor children, which must be respected as social and human beings. The familiar power has gone through several transformations ever since the patriarchal authority until these days family concept. Those transformations brought familiar power to be considered today as a power-duty of protection of those children. Despite all that, domestic violence against children also come along with this institute across history, presenting itself in many forms, standing out the physic, the sexual, the psychological and the one that comes from negligence. The many forms of violence has such a devastator and, many times, incurable effect on child and adolescent, damaging their physical and psychological performance, violating their right of respect, dignity, physical, mental and moral integrity, fundamental aspects for their full development. Paternal violence has no justification, constituting, often, truly inhumane acts and wounding the legal system both in victim‟s protection legislation and constitutional principles that guide the family power. Therefore, when parent‟s behavior to their underage children bases itself by violence to the point of cause the dismissal of paternal power, this measure, despite drastic, should be seen as fair and reasonable to protect the victims, because also drastic are the effects of the violence experienced by children and adolescents in familiar environment.

Keywords: Family law. Family violence. Parent‟s responsibility. Family power dismissal.

(9)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 10

1.2 JUSTIFICATIVA ... 11 1.3 OBJETIVOS ... 12 1.3.1 Objetivo geral ... 12 1.3.2 Objetivos específicos ... 12 1.4 HIPÓTESE ... 12 1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 13

1.6 ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ... 13

2 PODER FAMILIAR ... 15

2.1 DELINEAMENTO HISTÓRICO ... 15

2.2 CONCEITO ... 18

2.3 CARACTERÍSTICAS DO PODER FAMILIAR ... 20

2.4 PÁTRIO PODER VERSUS PODER FAMILIAR ... 21

2.5 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PODER FAMILIAR... 22

2.5.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ... 23

2.5.2 Princípio da afetividade ... 24

2.5.3 Princípio do melhor interesse da criança ... 24

2.5.4 Princípio da solidariedade familiar ... 25

2.5.5 Princípio da igualdade entre cônjuges/companheiros ... 26

2.5.6 Princípio da igualdade na chefia familiar ... 26

2.5.7 Princípio da função social da família ... 26

2.5.8 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos ... 27

2.5.9 Princípio da não intervenção ou da liberdade ... 27

2.6 TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR ... 28

2.7 O PODER FAMILIAR E OS FILHOS ... 30

3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES... 33

3.1 CONCEITO DE VIOLÊNCIA ... 33

3.2 ASPECTOS GERAIS DA VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE ... 34

(10)

3.3.1 Violência física doméstica ... 38

3.3.2 Violência sexual doméstica ... 39

3.3.3 Violência psicológica doméstica ... 40

3.3.4 Negligência doméstica ... 41

3.4 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ... 41

3.5 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A VIOLÊNCIA INFANTIL E JUVENIL ... 43

4 EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR ... 47

4.1 SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR ... 48

4.2 PERDA DO PODER FAMILIAR ... 51

4.3 DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR COMO MEDIDA RAZOÁVEL EM DECORRENCIA DA VIOLÊNCIA SOFRIDA PELOS FILHOS MENORES ... 55

5 CONCLUSÃO ... 61

(11)

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico visa efetuar uma abordagem a respeito da destituição do poder familiar por decisão judicial, especificamente no que se refere à razoabilidade da medida no caso de violência sofrida por filhos menores – crianças e adolescentes.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

O tema é a destituição do poder familiar como medida razoável em decorrência da violência contra os filhos menores.

A importância da família na vida do ser humano é essencial, uma vez que é a partir dela que o filho adquire os primeiros conceitos que formarão ao longo do tempo o seu caráter, servindo de orientação para os inúmeros caminhos que a vida imporá durante sua trajetória na sociedade. Sendo assim, cabe estudar a importância desse instituto para o individuo e a sociedade. É de se questionar, inclusive, o processo evolutivo do anterior para o atual código civil em relação à visão da família. No passado remoto, o pai era considerado o dono dos filhos, tendo essencialmente poder sobre eles. Com o evoluir dos costumes das sociedades, no entanto, essa noção foi-se modificando até chegar ao que é hoje.

Na sociedade contemporânea, a instituição familiar igualmente sofreu mutações, e para acompanhá-las a lei teve que se moldar de forma a ir suprindo as novas necessidades conforme estas surgiam, para que as famílias pudessem ir se reestruturando nesse mesmo ritmo, pois muito se percorreu até chegarmos aos dias atuais, onde os dois, pai e mãe, possuem de forma igualitária a administração da família.

Essa evolução acabou propiciando, de certa forma, a violência contra os filhos, por fatores tais como a cultura (em relação a usar-se de violência para educar e corrigir os filhos, casos em que o abuso dessa violência não raro compromete o desenvolvimento e a integridade física e psicológica da vítima), a má distribuição de renda e a desigualdade social, o uso de álcool e drogas e outros.

(12)

Quando se fala em violência, esta pode ser verificada de várias formas, das quais podem-se destacar, embora de certo modo se entrelacem, a física, a sexual, a psicológica e a decorrente de negligência.

Diante dessa realidade de situações de violência familiar, qual a medida razoável e suficiente em termos de prevenção e proteção dos filhos? Quais ferramentas jurídicas podem coibir a violência experimentada por essas crianças dentro de suas próprias casas?

Em tais casos, há que se invocar, primeiramente, a suspensão do poder familiar, que perdura até que a situação no caso concreto esteja favorável à criança ou adolescente, ou seja, desaparecendo os fatos a ocasionaram, o poder familiar poderá ser restituído aos pais. De outro modo, persistindo a situação abusiva, os pais poderão ser destituídos do poder familiar, por decisão judicial.

A destituição do poder familiar, portanto, é medida razoável em decorrência da violência sofrida pelos filhos menores?

1.2 JUSTIFICATIVA

Entende-se que o tema deste trabalho é de grande relevância, sobretudo por seu cunho social. É fundamental, nesse momento histórico da legislação pátria, conhecer melhor o instituto do poder familiar, dada a atual igualdade de responsabilidades dos pais.

Também, verificar as possíveis formas de violência sofrida pelos filhos, os fatores que favorecem esse quadro e suas conseqüências, tanto físicas quanto psicológicas.

A justificativa maior, certamente, é a importância de verificar se a destituição do poder familiar é medida razoável para prevenir e combater a violência contra os filhos, para, a partir daí, ter condições de corroborar ou não essa medida prevista em lei, quiçá advindo daí um enriquecimento da discussão do tema.

Como acadêmico que visa trabalhar na área social, mostra-se de extrema importância saber quais transformações seguem o direito de família, sobretudo em relação ao seu bem-estar social.

(13)

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo geral

Analisar se a destituição do poder familiar é medida razoável em razão da violência sofrida pelos filhos menores.

1.3.2 Objetivos específicos

Conceituar poder familiar.

Apresentar o histórico do poder familiar na sociedade.

Estudar a evolução do poder de família no Direito, antes e a partir do atual Código Civil.

Verificar as características e o conteúdo do poder familiar.

Conceituar a violência em geral e a violência doméstica contra os filhos. Analisar as formas de violência que os filhos podem sofrer e os fatores que contribuem para tal situação.

Abordar as consequências físicas e psicológicas dessa violência.

Analisar a razoabilidade da extinção do poder familiar sob a justificativa da violência contra filhos crianças ou adolescentes.

1.4 HIPÓTESE

A hipótese consiste em analisar a destituição do poder familiar como medida razoável em virtude da violência sofrida pelos filhos menores, verificando as mudanças que ocorreram no instituto do poder familiar, as particularidades da violência contra os filhos e suas consequências, para ao final se concluir se a destituição do poder familiar em casos de violência afigura-se como medida

(14)

razoável, fundamentando-se o estudo na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para estudar o instituto da destituição do poder familiar em decorrência de violência sofrida pelos filhos menores, afigura-se como método mais adequado o dedutivo, analisando-se a partir de um ponto geral para se chegar a um ponto específico.

O procedimento escolhido é o monográfico, constituindo-se em estudo minucioso e contextualizado.

O tipo de pesquisa é a exploratória, tencionando-se descrever as mudanças que ocorreram no instituto do poder familiar, as formas de violência sofrida pelos filhos, e, por fim, confirmar se a destituição do poder familiar é medida razoável para combater e prevenir as violências domésticas contra crianças e adolescentes.

O procedimento para a coleta de dados adotado nesta pesquisa é o bibliográfico, utilizando-se livros, artigos publicados na internet e jurisprudência como fontes de pesquisa.

1.6 ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

Neste trabalho, utilizou-se como base de estudo a Constituição Federal brasileira, o Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente e doutrinas referentes ao Direito de Família e à questão da violência infantil, sendo a divisão em três capítulos.

No primeiro capítulo encontra-se uma abordagem do poder familiar, passando por a sua história, conceito, implicações jurídicas e benefícios para a sociedade, e as várias conotações que esse ramo do Direito teve até a atualidade.

(15)

O segundo capítulo abarca as formas de violência praticada contra os filhos menores, bem como suas consequências no plano físico e psicológico.

No terceiro capítulo, faz-se uma análise acerca da razoabilidade da destituição do poder familiar em decorrência de violência doméstica praticada por pais contra filhos.

(16)

2 PODER FAMILIAR

Neste primeiro capítulo, estudar-se-ão aspectos tais como delineamento histórico, conceito, pontuações entre os termos pátrio poder e poder familiar, os princípios norteadores, os sujeitos do poder familiar, a titularidade, o poder familiar em relação aos filhos, as características, o exercício e o conteúdo do poder familiar, para só depois se proceder ao devido aprofundamento na questão do poder familiar

versus violência praticada contra filhos.

2.1 DELINEAMENTO HISTÓRICO

Pode-se afirmar que o instituto do poder familiar passou por transformações importantes ao longo dos tempos, acompanhando as mudanças e redefinições que foram ocorrendo na estrutura da família.

Na Roma antiga, o poder familiar tinha como objetivo os interesses do chefe da família, conhecido como patria potestas1, onde o pai era o dono e tinha total poder sobre os membros da família, numa época em que nem o estado tinha poder para intervir. A família era vista como unidade política, jurídica, econômica e religiosa, sendo comandada pelo pai. Este conduzia a religião dos filhos, sendo muito rigoroso com eles. Pelo pater sui juris2, o pai tinha o direito de punir, vender e até mesmo matar seus filhos. Ele tinha, ainda, total poder em relação ao patrimônio da família, sendo os bens integralmente dele, já os filhos não os possuíam. Em razão de sua autoridade, a família se mantinha unida. Em síntese, e nas palavras de Venosa, “no direito romano, a patria potestas representava um poder incontrastável do chefe de família”3

.

1

Patria potestas: pátrio poder. Cf. RAVANELLI, Antonio. Latim vivo: aforismos jurídicos, expressões

consagradas, frases célebres, provérbios, curiosidades. São Paulo: Univap, 1997. p. 165.

2

Sui juris: de seu direito; senhor de si. Locução jurídica. Cf. RAVANELLI, 1997, p. 199.

3

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito de família. In: ______. Direito civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009. v. 6. p. 299.

(17)

Todavia, com o tempo tal visão romana da figura do pai foi sofrendo modificações. Justiniano já não aceitava mais o jus4 vitae et necis (direito de vida e morte), como ilustra Rodrigues: “fora do campo patrimonial essa tendência igualmente é nítida e, à época de Justiniano, já não se admite o jus vitae et necis nem o jus exponendi, sendo que só aos pobres se confere a prerrogativa de vender os filhos”5

.

Segundo Monteiro,

Com o decorrer do tempo, entretanto, restringiram-se os poderes outorgados ao chefe de família. Assim, sob o aspecto pessoal, reduziu-se o absolutismo opressivo dos pais a simples direito de correção. Ao tempo de Justiniano, o jus vitae et necis, o direito de expor e o jus noxae dandi não passavam de meras recordações históricas6. (grifo do autor)

Enquanto isso, vale mencionar, mesmo brevemente, que no direito germânico a autoridade do pai cessava com a capacidade dos filhos.

Desse tempo remoto para cá, recebendo influências do cristianismo, o poder familiar sofreu várias transformações, ganhando aspecto mais social e protetivo em relação aos filhos. Nas palavras de Rodrigues, “essa concepção rigorosa do pátrio poder se abranda com o tempo, não sendo indiferente a esse abrandamento a influência do estoicismo e do cristianismo”7

. Na lição de Monteiro,

Modernamente, o poder familiar despiu-se inteiramente do caráter egoístico de que se impregnava. Seu conceito, na atualidade, graças à influência do cristianismo, é profundamente diverso. Ele constitui presentemente um conjunto de deveres, cuja base é nitidamente altruística8.

Pode-se verificar, por outro lado, que esse patria potestas chegou também até nós, como leciona Venosa: “o patriarcalismo vem até nós pelo direito

4 Jus: “A palavra jus provinha do sânscrito iu, que significa ou dá a ideia de salvação, proteção, de

vínculo ou ordem, já entre os romanos era fundamentalmente tida no mesmo sentido em que se tem o direito: como lei (norma agendi) ou como poder (faculta agendi). [...] na linguagem do direito, é a palavra latina correntemente empregada em várias expressões”. Cf. SILVA, De Plácido e.

Vocabulário jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 811. 5

RODRIGUES, Silvio. Direito de família. In: ______. Direito civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 6. p. 397.

6

MONTEIRO, Washington de Barros. Direito de família. In: ______. Curso de direito civil. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2. p. 346.

7

RODRIGUES, op. cit., p. 396.

8

(18)

português e encontra exemplos nos senhores de engenho e barões do café, que deixaram marcas indeléveis em nossa história”9

. Na mesma linha, Rodrigues acrescenta que

O antigo direito lusitano se inspira na orientação romana, mas as Ordenações já acolhem o instituto após os importantes abrandamentos que, através dos tempos, sofre em seu rigor. De modo que ao lado de direitos concedidos ao chefe de família, impõem-se-lhe muitos e variados deveres para com seus descendentes10.

A cultura das sociedades rurais tinha como base o poder patriarcal, onde o chefe da família era o pai, a quem todos deviam obediência e respeito. Com o desenvolvimento urbano, porém, a mulher começou a buscar seu espaço, e com isso a idéia de poder patriarcal começou a cair e os conceitos de família se alteraram, pois a mulher já trabalhava, ajudava no sustento da casa e opinava sobre assuntos referentes à família. É como reforça Venosa:

A sociedade rural, em nosso país, incentivava a manutenção do poder patriarcal de forma quase incontrastável. Com a urbanização, a industrialização, a nova posição assumida pela mulher no mundo ocidental, o avanço das telecomunicações e a globalização da sociedade, modificou-se irremediavelmente esmodificou-se comportamento, fazendo realçar no pátrio poder os deveres dos pais com relação aos filhos, bem como os interesses destes, colocando em plano secundário os respectivos direitos dos pais11.

No Brasil, em 31 de outubro de 1831, através de uma resolução, foi fixada a maioridade dos filhos, que então passaram a exercer sua capacidade civil tão logo completassem 21 anos. Depois, a partir de 24 de janeiro de 1890, invocando o Decreto 181, a viúva podia exercer o pátrio poder sobre os filhos do casal extinto, mas se ela contraísse novas núpcias, cessava tal direito.

O Código Civil de 1916, em seu art. 380, assegurava e conferia o pátrio poder ao pai, que assim tinha o poder de decisão na família:

Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o exercendo-o maridexercendo-o cexercendo-om a cexercendo-olabexercendo-oraçãexercendo-o da mulher. Na falta exercendo-ou impedimentexercendo-o de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade.

9 VENOSA, 2009, p. 301. 10 RODRIGUES, 2002, p. 397. 11

(19)

Parágrafo único. Divergindo os progenitores, quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência12.

Numa perspectiva positiva, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 5º13, veio fortalecer a igualdade de direitos entre homem e mulher, bem como entre os pais, para que possam proteger e direcionar os filhos e os interesses destes.

Em 2002, por sua vez, o atual Código Civil, ressaltando essa isonomia de poderes-deveres do pai e da mãe, veio modificar o termo pátrio poder para poder familiar.

2.2 CONCEITO

O poder de família pode ser conceituado como o conjunto de direitos e deveres, em relação aos filhos, exercido em condições de igualdade pelos pais, visando o interesse e a proteção dos filhos. Poder este conferido aos pais, que surge de uma necessidade natural, pois todo ser humano precisa de alguém que o crie, para que tenha uma formação, uma educação, para que cuide de seus interesses, guiando e defendendo sua pessoa e seus bens.

Para Diniz,

O pátrio poder pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e os bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho14.

12

BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em: <http://www.soleis.adv.br/codigocivil.htm>. Acesso em: 25 maio 2011.

13 “Art. 226. [...] § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente

pelo homem e pela mulher”. Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de

1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 25 maio 2011.

14

DINIZ, Maria Helena. Direito de família. In: ______. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 5. p. 378.

(20)

Na sucinta lição de Monteiro, “o poder familiar pode ser conceituado como o conjunto de obrigações, a cargo dos pais, no tocante à pessoa e bens dos filhos menores”15

.

Na mesma linha, nas palavras de Gonçalves,

o ente humano necessita, durante sua infância, de quem o crie e eduque, ampare e defenda, guarde e cuide dos seus interesses, em suma, tenha a regência de sua pessoa e seus bens. As pessoas naturalmente indicadas para o exercício dessa missão são os pais16.

Este pátrio poder muito se modificou na história, a começar pelo termo “pátrio poder” em si, que era o poder do pai, e que passou a se chamar “poder familiar”, igualando pai e mãe nos poderes-deveres de proteção e cuidados dos filhos, deixando para trás o poder patriarcal, priorizando os cuidados para com os filhos, valendo lembrar que nos dias atuais aquele poder do pai se transformou em dever do pai e da mãe de cuidar, educar e dar condições para o pleno desenvolvimento físico e mental de sua prole.

No entender de Rodrigues,

O novo Código optou por designar esse instituto como poder familiar, pecando gravemente ao mais se preocupar em retirar da expressão a palavra „pátrio‟, por relacioná-la impropriamente ao pai (quando recentemente já lhe foi atribuído aos pais e não exclusivamente ao genitor), do que cuidar para incluir na identificação o seu real conteúdo, que, antes de poder, como visto, representa uma obrigação dos pais, e não da família, como sugere o nome proposto17.

Como se vê na crítica de Rodrigues, há ponderações a se fazer quanto à mudança na terminologia do pátrio poder para poder familiar, pois o legislador se preocupou em alterar “pátrio”, pois significa pai, para “familiar”, quem vem de família, mantendo-se o termo poder, que representa dominação, mas que deveria representar os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos e seus interesses.

Para Monteiro, “outrora o pátrio poder representava uma tirania, a tirania do pai sobre o filho; hoje o poder familiar é uma servidão do pai e da mãe para tutelar o filho”18. Ao que Santos acrescenta: “o poder paternal já não é, estrita ou

15

MONTEIRO, 2004, p. 348.

16

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. In: ______. Direito civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 6. p. 357.

17

RODRIGUES, 2002, p. 397.

18

(21)

predominantemente, paternal. É uma função, é um conjunto de poderes-deveres exercidos conjuntamente por ambos os progenitores”19

.

Como já mencionado, o Código Civil de 2002 preferiu chamar o antigo pátrio poder de poder familiar, no afã de zelar pela igualdade constitucional entre homem e mulher.

No art. 1.630 do Código Civil de 200220

, verifica-se que os filhos enquanto menores estão sujeitos ao poder familiar. Os pais devem, portanto, exercer o poder familiar de forma a resguardar o interesse no bem-estar dos filhos.

2.3 CARACTERÍSTICAS DO PODER FAMILIAR

Como dispõe Venosa, “cabe aos pais dirigir a educação dos filhos, tendo-os sob sua guarda e companhia, sustentando-tendo-os e criando-tendo-os. O poder familiar é indisponível”21

.

O poder familiar, em razão de seu caráter de indisponibilidade, não pode ser transferido a terceiros. Assim, quando ocorre a adoção, o poder de família é renunciado, e não transferido. Mas os pais não podem, por simples ato de sua vontade, renunciá-lo, cabendo a renúncia apenas quando praticam atos incompatíveis com o poder familiar.

Venosa segue:

O poder familiar é indivisível, porém não seu exercício. Quando se trata de pais separados, cinde-se o exercício do poder familiar, dividindo-se as incumbências. O mesmo ocorre, na prática, quando o pai e a mãe em harmonia orientam a vida dos filhos. Ao guardião são atribuídos alguns dos deveres inerentes ao pátrio poder, o qual, no entanto, não se transfere nessa modalidade, quando se tratar de família substituta22.

19

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito de família. In: ______. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 6. p. 355.

20 “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. Cf. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 26 maio 2011.

21

VENOSA, 2009, p. 305.

22

(22)

Segundo Diniz, o poder familiar “[...] é incompatível com a tutela. Não se pode, portanto, nomear tutor a menor, cujo pai ou mãe não foi suspenso ou destituído do poder familiar”23

.

Recorrendo uma vez mais à lição de Venosa, vale acrescentar que “o poder familiar também é imprescritível. Ainda que, por qualquer circunstância, não possa ser exercido pelos titulares, trata-se de estado imprescritível, não se extinguindo pelo desuso. Somente a extinção, dentro das hipóteses legais, poderá terminá-lo”24

.

2.4 PÁTRIO PODER VERSUS PODER FAMILIAR

A redação do art. 380 do Código Civil de 1916 deixava claro que o marido exercia com a colaboração da mulher o pátrio poder em relação aos filhos, e que quando um dos pais faltasse ou estivesse impedido, o outro passava a exercê-lo com exclusividade. Seu parágrafo único acrescentava que, na divergência dos pais em relação ao exercício do pátrio poder, prevaleceria a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para ver a questão solucionada.

Por sua vez, o Código Civil de 2002 traz a competência do poder familiar exercida em igualdade pelos pais, assegurando a qualquer um deles recorrer em juízo para solucionar a divergência (parágrafo único do art. 1631 do Código Civil de 2002).

No Código Civil de 1916, o instituto em questão, como visto, era chamado de pátrio poder. Porém, com as mudanças advindas, e com o alcance que atingiu a isonomia dos direitos entre os homens e as mulheres, ele passou a se chamar poder familiar.

Tanto a Carta Magna de 1988 quanto o Código Civil de 2002 não atribuíram exclusividade do poder familiar a um dos pais, enquanto presentes, de forma que o pai e a mãe não podem decidir pela família, sozinhos, mas sim conjuntamente. Não havendo acordo, recorre-se ao poder judiciário para resolver o embate. 23 DINIZ, 2006, p. 530. 24 VENOSA, 2009, p. 306.

(23)

Os filhos menores devem ser sempre representados e assistidos conjuntamente pelos pais, e não apenas por um deles, como prevê o art. 1.690 do CC/02: “Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados”25

.

De outra feita, por serem o alicerce, abordar-se-ão, em seguida, os princípios que regem a matéria do poder familiar, ainda que de forma breve e sem outra pretensão senão a de facilitar a compreensão do tema em estudo, bem como de sua complexidade e seu alcance.

2.5 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PODER FAMILIAR

Acerca dos princípios que norteiam o instituto do poder familiar, ensina Diniz:

Com o novo milênio surge a esperança de encontrar soluções adequadas aos problemas surgidos na seara do direito de família, marcados por grandes mudanças e inovações, provocadas pela perigosa inversão de valores, pela liberação sexual; pela conquista do poder (empowerment) pela mulher, assumindo papel decisivo em vários setores sociais, escolhendo seu próprio caminho; pela proteção aos conviventes; pela alteração dos padrões de conduta social; pela desbiologização da paternidade; pela rápida desvinculação dos filhos do poder familiar etc. Tais alterações foram acolhidas, de modo a atender à preservação da coesão familiar e dos valores culturais, acompanhando a evolução dos costumes, dando-se à família moderna um tratamento legal mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de diálogo entre os cônjuges ou companheiros26.

O moderno direito de família sofreu várias alterações em razão das transformações da concepção de família ao longo da história da humanidade, tendo de ir se adequando permanentemente aos novos modelos.

Assim, os princípios que norteiam o instituto do poder familiar prestam-se a adequá-lo de forma a sempre resguardar os filhos e seus interesses.

25

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit.

26

(24)

Tais são os princípios, que serão estudados um a um a seguir: princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da solidariedade familiar, princípio da igualdade entre cônjuges/companheiros, princípio da igualdade na chefia familiar, princípio do melhor interesse da criança, princípio da não intervenção ou da liberdade, princípio da afetividade e princípio da igualdade jurídica de todos os filhos.

2.5.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Diniz, dissertando sobre o princípio da dignidade da pessoa humana27,

assim discorre: “[...] constitui base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227)”28

.

A esse respeito, cumpre mencionar que a jurisprudência já registra condenações ao pagamento de indenização por abandono de filho, que se vê lesionado no tocante ao aspecto da dignidade humana. O julgado do extinto Tribunal de Alçada Civil de Minas Gerais, cuja ementa segue, é neste sentido:

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana29.

No caso em apreço, a decisão de primeira instância foi reformada, e o pai foi condenado a pagar indenização de duzentos salários mínimos ao filho, por abandoná-lo. Isto porque, após a separação, e tendo contraído novo matrimônio, o

27 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios

e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana” Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, loc. cit. 28

DINIZ, 2006, p. 22.

29

MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada. Apelação cível 408.555-5. Sétima Câmara de Direito Privado. Belo Horizonte, 1 abr. 2004. Relator: Unias Silva, v.u. Cf. TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1069, 5 jun. 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/8468>. Acesso em: 1 maio 2011.

(25)

pai passou a privar o filho de sua convivência. Porém continuou contribuindo para o seu sustento, abandonando-o somente em relação ao afeto, ao amor, lesando-o, portanto, na sua dignidade como pessoa humana.

2.5.2 Princípio da afetividade

Na atualidade, o princípio da afetividade tem se firmado como principal fundamento das relações de família. Cada vez mais o quesito afeto tem guardado relação com a questão da valorização da dignidade humana. No que diz respeito às relações familiares, o peso do afeto na configuração de uma família tem relativizado até mesmo o valor do vínculo biológico. Isto porque a estrutura da família está sendo pautada muito mais pelo amor e pelo afeto do que por outros fatores. Assim, o abandono afetivo dos filhos, considerando que eles têm necessidade de proteção, carinho e cuidados, configura dano moral, o que respalda a condenação sofrida pelo pai que abandonou afetivamente seu filho, mencionada no estudo do princípio da dignidade da pessoa humana, abordado no item anterior30.

2.5.3 Princípio do melhor interesse da criança

Outro princípio que também tem indiscutível valor ao tema do presente estudo é o princípio do melhor interesse da criança. Neste particular, é necessário transcrever o art. 227, caput, da CF/88, que assim dispõe:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão31.

30

TARTUCE, loc. cit.

31

(26)

A proteção daí advinda é regulamentada pelo ECA, que distingue criança e adolescente, sendo criança a pessoa com idade entre zero e doze anos incompletos, e adolescente a pessoa na faixa entre doze e dezoito anos de idade. Reforçando o texto constitucional acima citado, o art. 3º do Estatuto assegura que a criança e o adolescente gozam de todos aqueles direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, além de proteção integral, garantindo-lhes, legalmente ou por demais meios, todas as oportunidades e as facilidades, de modo que possam desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma plena, em condições de liberdade e de dignidade32.

2.5.4 Princípio da solidariedade familiar

Segundo Tartuce, o princípio da solidariedade familiar vem reforçar a existência da solidariedade nos relacionamentos pessoais, para a construção de uma sociedade livre, justa e cooperativa com nosso ordenamento jurídico. O modelo almejado é o da família que deixe o individualismo de lado, estabelecendo uma ligação de solidariedade entre seus membros, podendo, assim, ser amparada juridicamente, desde que se constitua num ambiente onde todos possam se desenvolver de forma plenamente digna e justa33. O art. 3º, inc. I, da Constituição Federal de 1988 assim prescreve: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]”34

.

Com este princípio tem ligação direta o art. 1.694 do Código Civil de 2002, pois verifica-se claramente que uma família deve ser solidária com todos os membros, onde os necessitados, por força deste princípio, deverão ser amparados pelos que tiverem melhores condições, como segue: “Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que

32

TARTUCE, loc. cit.

33

TARTUCE, loc. cit.

34

(27)

necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”35

.

2.5.5 Princípio da igualdade entre cônjuges/companheiros

Acerca do princípio da igualdade entre cônjuges/companheiros, e na mesma linha do que já se explanou no início deste capítulo, aí se nota o desaparecimento do poder autoritário do marido sobre a mulher, devendo as decisões do casal ser tomadas em comum acordo. A sociedade moderna exige, por força deste princípio, direitos e deveres iguais para os membros do casal, em nome da harmonia da família e da própria sociedade36.

2.5.6 Princípio da igualdade na chefia familiar

Há ainda, e fazendo sentido que apareça nesta ordem, o princípio da

igualdade na chefia familiar, que assegura o exercício desta chefia de forma

equilibrada pelo homem e pela mulher, democraticamente e com a cooperação de todos, onde inclusive os filhos podem opinar. Verifica-se facilmente a importância deste princípio, que, assegurando igualdade de direitos e deveres no âmbito da família, faz desaparecer a remota figura do modelo patriarcal37.

2.5.7 Princípio da função social da família

35

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit.

36

DINIZ, 2006, p. 18.

37

(28)

O art. 226, caput, da Constituição Federal de 198838 fundamenta o

princípio da função social da família, colocando-a na destacada posição de base da

sociedade, e assegurando-lhe, justamente por esta posição de destaque, especial proteção do Estado. Isto é o que mantém a organização social do Estado39.

2.5.8 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos

O princípio da igualdade jurídica de todos os filhos determina que nenhuma distinção poderá ocorrer entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, direitos, poder familiar, alimentação e sucessão. O nosso direito positivo, com base neste princípio, permite o reconhecimento de filhos gerados fora do casamento, proíbe que conste no assento do nascimento qualquer menção a fatores de ilegitimidade e proíbe referências discriminatórias relativas à filiação. Assim, a única distinção “[...] entre as categorias de filiação seria o ingresso, ou não, no mundo jurídico, por meio do reconhecimento; logo só se poderia falar em filho, didaticamente, matrimonial ou não matrimonial reconhecido e não reconhecido”40

.

2.5.9 Princípio da não intervenção ou da liberdade

Discorre o princípio da não intervenção ou da liberdade sobre a liberdade e a autonomia que a família possui em relação à sociedade, podendo ela decidir sobre seus interesses, sendo vedado ao Estado intervir de forma coativa nas relações da família, preceito que o Código Civil tratou de abordar expressamente no seu: “Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”41

.

38 “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” Cf. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.

39

TARTUCE, loc. cit.

40

DINIZ, 2006, p. 21.

41

(29)

Por outro lado, e por derradeiro, vale mencionar que o Estado pode incentivar o controle da natalidade e o planejamento familiar, por meio de políticas públicas.

Sintetizados os princípios que mais se relacionam com presente estudo, passa-se, agora, à questão da titularidade do poder familiar.

2.6 TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR

O Código Civil de 1916 atribuía ao pai a titularidade do pátrio poder, sendo ele considerado o chefe da família. Só na sua falta ou impedimento é que a mãe poderia exercê-lo, sendo tal poder sucessivo e não simultâneo. No caso de conflitos referentes à família, prevalecia a decisão do pai, salvo se esta configurasse abuso de direito.

Com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62), esta situação foi se modificando, pois a mulher passou a colaborar nas decisões do marido referentes aos assuntos da família, podendo a mãe recorrer à justiça para a solução de divergências.

Mas a igualdade completa quanto à titularidade e ao exercício do poder familiar só chegou com o art. 226, § 5º, da Constituição Federal de 1988, que prescreve que “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e a mulher”42

.

Neste particular, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, no seu artigo 21, assim dispõe:

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência43.

42

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, loc. cit.

43

Id., Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em:

(30)

É valido lembrar que os pais devem exercer o poder familiar de forma consensual, mas em caso de divergência poderá o tribunal resolver a questão de forma que traga menos prejuízo ao filho, conforme prevê o art. 1631 do CC/02, que alicerça a percepção já possível acerca da evolução do poder familiar, como segue:

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo44.

No caso de separação judicial ou divórcio, vale mencionar, nenhum dos genitores perde o exercício do poder familiar, pois este decorre da filiação, e não do casamento.

Em tais situações, no que concerne à guarda, esta ficará com o que tiver melhor condições para tal, sempre levando-se em conta o que no caso concreto for melhor para a prole, cabendo ao outro o direito de visita. Há, ainda, a possibilidade de guarda compartilhada, onde o filho mora com os dois pais em casas separadas, ficando certo período com um e depois com o outro, ou podendo intercalar os dias. Apenas como reforço, vale citar a previsão do art. 1632 do CC/02 “Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos45

. Conforme Monteiro,

Em contrapartida, a guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional. Note-se que ambos os pais devem contribuir com recursos para o sustento dos filhos, desde que os tenham e na proporção das possibilidades de cada qual (Código Civil de 2002, art. 1703). Assim, caso o genitor guardião não possua meios próprios para sustentar o filho, isto não será motivo de perda da guarda, já que deverá o outro genitor, dentro do alcance de suas possibilidades, prestar pensão alimentícia ao menor46.

44

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit.

45

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit.

46

(31)

Vindo a falecer um dos cônjuges, exercerá plenamente o poder familiar o outro cônjuge, como sintetiza Venosa: “Com a morte de um dos pais, o sobrevivente exercerá isoladamente, é evidente, o pátrio poder”47

.

Quando o filho não for reconhecido pelo pai, a mãe terá o exercício do poder familiar; e caso de a mãe ser desconhecida, será constituído tutor ao filho. É o que se depreende claramente da letra da lei “Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor”48

.

Tendo o afeto se tornado a base da relação familiar, o parágrafo único do art. 1584 do CC/02 garante a guarda dos filhos, em caso de separação judicial ou divórcio, à pessoa com maior afetividade em relação ao filho.

Se o juiz considerar que não há possibilidade de os filhos ficarem com os pais, sua guarda poderá ser conferida a terceiro da família de qualquer dos cônjuges, podendo ser deferida a guarda para adoção ou tutela.

Como fechamento deste capítulo, ver-se-ão, a seguir, os encargos aos quais os pais são obrigados em relação aos filhos, encargos estes que decorrem não só da previsão legal como também da própria relação entre pais e filhos em si mesma.

2.7 O PODER FAMILIAR E OS FILHOS

Este título refere-se às obrigações dos pais quanto à pessoa dos filhos menores. Sobre o tema, o art. 1.634 do CC/02 assim estabelece:

Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

47

VENOSA, 2009, p. 304.

48

(32)

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição49.

Gonçalves, acerca do art. 1634, I do Código civil de 2002, assim discorre: “I – O dever de dirigir a criação e educação dos filhos menores é o mais importante de todos. Incumbe aos pais velar não só pelo sustento dos filhos, como pela sua formação, a fim de torná-los úteis a si, à família e à sociedade”50

. Diniz, sobre o inc. II do mesmo artigo, ensina:

II – Tê-los na sua companhia e guarda, pois esse direito de guarda é, concomitantemente, um poder-dever dos titulares do poder familiar. Dever porque aos pais, a quem cabe criar, incumbe guardar. Constitui um direito, ou melhor, um poder porque os pais podem reter os filhos no lar, conservando-os junto a si, regendo seu comportamento em relações com terceiros, proibindo sua convivência com certas pessoas ou sua frequência a determinados lugares, por julgar inconveniente aos interesses dos menores51.

Rodrigues, sobre o inc. III, ressalva:

III – Conceder-lhes, ou negar-lhes consentimento para casarem. Essa prerrogativa conferida aos pais, ao contrário do que se dá em outros sistemas legislativos, em que é absoluta, não tem, no direito brasileiro, uma importância transcendental, porque o consentimento paterno pode ser suprido judicialmente52.

Quanto ao inciso seguinte, Monteiro reforça a letra da lei: “IV – Cabe ainda aos pais nomear tutor aos filhos por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar”53

.

No item seguinte, o entendimento de Venosa:

V – A representação dos filhos ocorre até que estes completem 16 anos. Dessa idade, até os 18 anos, os menores são assistidos. A regra é repetida pelo artigo 169054 do presente código. Reporta-se ao que estudamos em nosso Direito Civil: [...] Ato praticado por menor absolutamente incapaz sem

49

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit.

50 GONÇALVES, 2005, p. 363. 51 DINIZ, 2006, p. 534. 52 RODRIGUES, 2002, p. 404. 53 MONTEIRO, 2004, p. 352.

54 “Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os

filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados.” Cf. BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, loc. cit.

(33)

representação é nulo; ato praticado por menor relativamente incapaz sem assistência é anulável55.

Gonçalves, na sequência, assevera:

VI – Reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, por meio de ação de busca e apreensão, para exercer o direito e dever de ter os filhos em sua companhia e guarda. [...] O Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo em vista a natureza dúplice da aludida ação, reconheceu a possibilidade de se inverter a guarda, independentemente de ação movida pelo réu para modificar o acordo de separação judicial, devendo ser aberta oportunidade às partes de produzirem provas56.

Por fim, a lição de Diniz:

VII – Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição, sem prejuízo de sua formação. Os menores deverão não só respeitar e obedecer aos seus pais, mas também prestar-lhes serviços compatíveis com sua situação, participando da mantença da família, preparando-se para os embates da vida57.

Feitas estas considerações, o próximo capítulo abordará, especificamente, as diversas formas de violência contra filhos, para posteriormente analisar-se a razoabilidade da perda do poder familiar em razão dessa violência.

55 VENOSA, 2009, p. 308. 56 GONÇALVES, 2005, p. 366-367. 57 DINIZ, 2006, p. 536.

(34)

3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Para se chegar à análise da razoabilidade da destituição do poder familiar em casos de violência praticada por pais contra filhos, neste capítulo serão vistos alguns aspectos gerais da violência, seu conceito, os tipos possíveis, suas consequências, e ainda algumas pontuações acerca da violência no âmbito da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente.

3.1 CONCEITO DE VIOLÊNCIA

A palavra violência deriva do latim vis, que significa força. A violência é o abuso da força, seja agindo sobre alguém, seja fazendo-o agir contra sua vontade para que essa violência se manifeste, empregando a força ou a intimidação. É coagir, obrigar. É usar de brutalidade para submeter alguém. É o mau-trato, em se tratando de violência psíquica e moral. É considerada uma fúria, quando se trata dos sentimentos1.

Assim, a violência pode ser conceituada como a ação ou efeito de violentar, de empregar a força física contra alguém ou algo, ou intimidar moralmente alguém.

No aspecto jurídico, define-se violência como o constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; é a coação.

Uma conceituação mais ampla de violência, a de Melo, acrescenta:

Violência, em seu significado mais frequente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade. […] É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano2.

1

VERONESE, Josiane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência doméstica: quando a vítima é criança ou adolescente – uma leitura disciplinar. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 101-102.

2

TELES; MELO apud GREZOSKI, Ana Cristina. Mito da tutela penal no combate à violência de

gênero ocorrida no âmbito doméstico e familiar. 2008. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2008.

(35)

De modo geral, verifica-se como utilização de força física, mas também pode a violência se expressar de forma psicológica, resumindo-se, aí, na forma de humilhação e constrangimento.

3.2 ASPECTOS GERAIS DA VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

Em nossa sociedade, a família, indiscutivelmente, é responsável pelas primeiras formas de socialização da criança e do adolescente, pois é no âmbito familiar que terão seus primeiros aprendizados, onde aprenderão a viver em grupo. É onde recebem amor, carinho e proteção. Nestes primeiros estágios da vida forma-se a identidade da criança. É quando começará a discernir o certo e o errado. É a base para terem um desenvolvimento sadio, tanto no aspecto físico como no psicológico.

É certo afirmar que, de um modo geral, todo ato ou omissão praticado por pais contra crianças ou adolescentes causa danos de ordem física, sexual ou psicológica à vítima, ferindo ou gerando uma transgressão do poder/dever de proteção dos pais, numa negação às crianças e adolescentes de terem condições de pleno desenvolvimento3.

Apesar disso, o que se vê normalmente é que as crianças e adolescentes acabam vivenciando seus primeiros casos de violência na própria família, na sua própria casa. A família, neste contexto, passa a ser representada por um espaço de negação de valores, negação de amor, carinho, atenção e proteção. Assim, convivendo com atos de violência no próprio lar, muitas crianças e adolescentes vivem em ambiente muitas vezes bem longe do ideal para sua criação, sendo vitimizadas pelos próprios pais, que deveriam ser os responsáveis por seu pleno desenvolvimento.

3

AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. A violência doméstica na

(36)

A transgressão do poder/dever de proteção significa que esse fenômeno é a exacerbação do poder dos pais em relação aos filhos na estrutura da família, enquanto instituição de socialização. Portanto, as diferentes formas de violência contra criança e adolescente configuram o abuso deste poder/dever de proteção familiar, que é essencial para o desenvolvimento deles4.

A violência familiar expressa-se pelo abuso do poder do adulto sobre a criança ou o adolescente, vale dizer, essas crianças deixam de ser vistas como pessoas em formação, e apesar de possuírem uma série de direitos, passam a ser vistas como meros objetos.

Segundo cartilha do Centro Crescer Sem Violência, “a criança ou adolescente é visto como objeto, com suas necessidades não percebidas, submetido aos desejos dos pais desde a mais tenra idade, e quando manifesta anseios de autonomia sofre agressões”5

.

Não é difícil compreender que esse uso incorreto de poder pelos pais, consequentemente acarretará violência física contra os filhos, na tentativa daqueles de impor limites a estes.

Quanto à coisificação da infância, trata-se da negação dos direitos que a criança e o adolescente possuem de ser tratados justamente como sujeitos de direito, sempre levando-se em conta as suas necessidades de condição de desenvolvimento. É, em última análise, a dominação, traduzida no poder dos pais sobre os filhos submissos6.

Os pais, muitas vezes, achando que estão ensinando os filhos, utilizam de forma errada seus conhecimentos de disciplina e educação, e, seja consciente ou inconscientemente, abusam de sua autoridade, vitimizando seus filhos. Assim, em razão de uma idéia errada sobre suas responsabilidades, ocorre em tais situações o exercício indevido do poder familiar7.

Nesse caso, o uso indevido do poder familiar pode derivar da falta de preparo e orientação dos pais para entender e educar seus filhos, pois poderiam e até mesmo deveriam orientar as crianças e os adolescentes de forma correta, im-

4

AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 37.

5

CRESCER SEM VIOLÊNCIA. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: Apostila do curso de capacitação para conselhos tutelares e de direitos de Santa Catarina. Florianópolis: [s.n.], 1999. p. 21.

6

AZEVEDO; GUERRA, op. cit., p. 38.

7

(37)

pondo os limites cabíveis, mas sem violência.

O poder familiar é identificado como uma relação de autoridade pelos pais, e esse poder é visto como forma de disciplina. Tal relação de autoridade pode ser vista como “[...] uma forma de aprisionar a vontade e o desejo da criança, de submetê-la, portanto, ao poder do adulto, a fim de coagi-la a satisfazer os interesses, as expectativas ou paixões deste”8

.

Nas relações com os filhos, de certa forma hierarquicamente, os pais buscam transformar e socializar as crianças para que sejam sua imagem e semelhança. É o fenômeno da repetição, encarregado da transmissão dos padrões de conduta adultos às novas gerações9.

A superioridade dos adultos no meio familiar é um conceito que vem se afirmando na história e na cultura, com base na dependência física e psicológica que os filhos têm quando menores, e também por terem de se adaptar à autoridade social dos adultos. Os filhos devem submeter-se aos pais porque estes são naturalmente superiores. Os pais, que assumem tal função por um fato natural, têm direitos prioritários sobre a criança. A dependência social da criança se torna dependência natural. A obediência se torna um dever para a criança, e suas revoltas e divergências são vistas pelo adulto como uma violação aos próprios direitos do adulto.

Pode-se afirmar que é inerente à cultura humana, de um modo geral, que no meio familiar a criança e o adolescente ocupem a posição de observadores e aprendizes, o que estabelece e fortalece o aspecto de superioridade e autoridade natural dos adultos. A partir da hierarquia estabelecida no meio familiar, cria-se uma estrutura em que crianças e adolescentes têm pouca participação em suas observações e questionamentos, o que acaba reafirmando um ambiente de violência.

Apesar de se tratar de uma das formas de violência mais frequentes na vida das crianças e dos adolescentes, a violência familiar ainda é caracterizada por ser menos visível na sociedade. Isso se dá em razão das agressões ocorrerem na

8

AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Vitimação e vitimização: questões conceituais. In: ______. (Org.). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. 2. ed. São Paulo: Iglu, 2000. p. 35.

9

SAFFIOTI, Heleieth. Introdução: A síndrome do pequeno poder. In: AZEVEDO; GUERRA, 2000, p. 17.

(38)

intimidade da família. Em outras palavras: por ser de difícil acesso, esse tipo de violência só é descoberto quando atinge níveis extremos.

Para Ferreira, essa difícil visibilidade ocorre porque “[...] as vítimas desse tipo de violência parecem ficar aprisionadas no desejo do adulto, uma vez que sob ameaça e medo, mantêm um „pacto de silêncio‟ com o agressor, num processo perverso instalado na intimidade de sua família”10

.

A este respeito, vale mencionar também a lição de Ribeiro e Martins: “A criança vítima da violência doméstica não é tratada como sujeito pleno, e tanto sua ação quanto sua reação são restringidas pelo medo e por ameaças. Só lhe resta permanecer calada frente ao poder disciplinador/repressor do adulto”11

. Como se deduz claramente, em relação à violência familiar as crianças e os adolescentes possuem limitada ou nula possibilidade de se proteger.

Outro fator que colabora para o silêncio da criança e do adolescente frente à violência sofrida são os sentimentos de amor e de medo, que os confundem. Em razão disso, é comum que acabem se culpando pela agressão sofrida, por se depararem com a explicação de que tudo que os pais fazem é apenas para o bem dos filhos, e que se receberam algum castigo é porque mereceram, porque desobedeceram as ordens dos pais.

Há, ainda, agravando o caso da violência familiar, a questão da cumplicidade entre os cônjuges, pois raramente um denuncia ou revela a alguém a agressão do outro. Entre as razões para esse silêncio estão o medo, as ameaças, a dependência financeira ou emocional, a falta de conhecimento sobre o fato e até mesmo a acomodação. Nas palavras de Guerra, ainda sobre essa cumplicidade,

[...] há o estabelecimento de um tipo de „aliança solidária‟ entre os cônjuges pela qual um dificilmente exerce este tipo de violência sem a cumplicidade silenciada do outro, sendo raro que o parceiro não agressor revele o problema a terceiros12.

10

FERREIRA apud SONEGO, Cristiane; MUNHOZ, Divanir Eulália Naréssi. Violência familiar contra crianças e adolescentes: conceitos, expressões e características. Revista Emancipação, Ponta Grossa, n. 1, v. 7, 2007. Disponível em:

<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/94/92>. Acesso em: 11 maio 2011.

11

RIBEIRO, Marisa Marques; MARTINS, Rosilda Baron. Violência doméstica contra a criança e o

adolescente: a realidade velada e desvelada no ambiente escolar. Curitiba: Juruá, 2008. p. 76. 12

(39)

De um modo geral, a omissão das pessoas em relação à violência familiar é baseada na preocupação de não invadir a privacidade da família, e também no medo de represálias.

Em última análise, o medo é a palavra-chave para explicar o fato de as pessoas não denunciarem os casos de agressão, tanto por parte dos filhos quanto por parte de terceiros que têm conhecimento.

Esse verdadeiro pacto de silêncio envolvendo a família e a sociedade acaba fazendo com que as crianças e os adolescentes passem

[...] a viver uma situação típica de estado de sítio, em que sua liberdade – enquanto autonomia pessoal – é inteiramente cerceada e da qual só se resgatará, via de regra, recuperando o poder da própria palavra, isto é, tornando pública a violência privada de que foi vítima13.

Como se percebe, para que essa violência seja combatida, há a necessidade de quebrar esse pacto de silêncio entre as pessoas envolvidas.

3.3 TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A violência pode se concretizar de várias formas. Para fins didáticos do presente estudo, abordar-se-á a violência por quatro enfoques diferentes: a física, a psicológica, a sexual e a decorrente de negligência, embora seja fácil compreender que na prática muitas vezes estes aspectos acabam sendo cumulativos, interagindo entre si.

3.3.1 Violência física doméstica

Nesse contexto, a violência física é caracterizada pelo uso da força ou ainda por outros atos praticados pelos pais ou responsáveis, com o objetivo de ferir

13

Referências

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