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3 O SISTEMA BRASILEIRO DE COTAS ELEITORAIS DE GÊNERO:

3.1 Perfil das parlamentares brasileiras

Após as eleições ocorridas no ano de 2014, a configuração do congresso nacional apresentou um tímido aumento de mulheres em números absolutos. Foram eleitas cinco mulheres para o Senado Federal que corresponderam a 18,5% do total e 51 deputadas federais nesse último pleito, segundo estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE, online, 2016).

Nessa conjuntura, verifica-se que o perfil das mulheres que estão presentes no congresso, não é muito diferente dos homens que chegam ao parlamento brasileiro. Os homens que compõem o Congresso Nacional, e ocupam cargos de deputados federais ou senadores, vêm de uma trajetória política ou de movimentos populares, esse em menor número e majoritariamente são representantes das elites econômicas, dos grandes empresários dos setores agrícolas e agropecuários de famílias tradicionais do país, expressando os traços oligárquicos que sempre estiveram presentes na política brasileira (DATASENADO, online, 2014).

Todos os dados dessa discussão foram extraídos a partir da análise dos estudos realizados pela pesquisadora Beatriz Rodrigues Sanchez, no trabalho intitulado “Quem são e o que fazem as parlamentares brasileiras? Uma análise do perfil biográfico e da produção legislativa da bancada feminina”, no 1º Seminário Internacional de Ciência Política e na nota técnica “As Mulheres nas Eleições de 2014" promovida pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, além das estatísticas colhidas no endereço eletrônico do TSE.

Os dados sobre o perfil biográfico dos parlamentares que fazem parte de levantamento feito pelo Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo como parte do projeto “Brasil, 25 anos de democracia - Balanço Crítico: Políticas Públicas, Instituições, Sociedade Civil e Cultura Política” serve como base para análise dos dados.

As parlamentares brasileiras são oriundas em sua grande parte de famílias de políticos eleitos no Congresso Nacional, possuindo sobrenomes já conhecidos pela população brasileira. Em menor quantidade temos aquelas advindas de movimentos sociais ou do funcionalismo público (DATASENADO, online, 2014).

Neste contexto, com o objetivo de conhecer especificamente o perfil das parlamentares do último pleito, serão analisadas as principais características, como religião, partido político, região, pautas defendidas, comissões, grau de escolaridade e etc.

Com todos os entraves sociais e histórico-culturais referentes à inclusão das mulheres nos centros decisórios, algumas delas utilizam-se do prestígio de suas famílias em seu benefício, para alcançar uma posição dentro do parlamento brasileiro.

Algumas fazem parte de grandes famílias com tradição política, com parentes importantes, de grande reconhecimento nas regiões em que ocorrem os pleitos. No entanto, esse tipo de capital político não é um privilégio de todas as mulheres que decidem se candidatar, e além disso também é um artifício utilizado entre os candidatos do sexo masculino.

Esse tipo de recurso contribui não só para a conquista de uma cadeira no parlamento, como também faz com que mulheres e homens herdem vínculos, contatos políticos, recursos financeiros, canais de propaganda, base eleitoral e dívidas de cunho político por conta dessas redes de solidariedades. Ou seja, é um sistema baseado em “trocas de favores”, na qual é pautado pela lealdade e retribuição dos seus participantes.

Bastante presente nas eleições de 2014, essa rede familiar financiou a eleição de 21,5% das candidatas eleitas. São esposas, ex-esposas, filhas de homens que ocupam ou já ocuparam não apenas cargos eletivos, mas também cargos não eletivos como, por exemplo, os de Ministros de Estado, netas, sobrinhas, irmãs ou primas de outros políticos (DATASENADO, online, 2014).

Como algumas candidatas se dispõem a continuar um legado iniciado por um familiar, muitos eleitores criam expectativas não em razão de uma pauta própria, mas sim em função de um sobrenome.

É exigido das parlamentares constantes comprovações sobre a sua capacidade política, e o fato de elas pertencerem a um grupo familiar reconhecido politicamente faz com que esse entrave seja em menor proporção. O imaginário social aponta uma visão distorcida sobre o feminino nos cargos institucionais, o que banaliza a escolha dos eleitores por essas mulheres.

Em relação a faixa etária, percebemos que o cargo de deputada federal exige uma idade mínima que hoje é de 21 anos, e para o Senado essa idade limite aumenta para 35 anos, as mesmas estabelecidas para os homens.

Em 2014, dentre as eleitas, a faixa etária de maior concentração das deputadas federais esteve entre 30 e 59 anos, com 38 deputadas (74,5%), apenas duas (3,9%) são

consideradas jovens, ou seja, possuem até 29 anos. Para o Senado Federal verifica-se que também elas se concentram entre 30 e 59 anos, 60% (DATASENADO, online, 2014).

Segundo fontes do TSE, as principais ocupações citadas pelas candidatas foram professora, dona de casa, empresária e estudantes. Dados deste Tribunal revelam que das donas de casas que disputaram os cargos nessa eleição, apenas Dulce Miranda conseguiu se eleger para o cargo de deputada federal pelo PMDB de Tocantins (TSE, online, 2014). O que reforça a hipótese, de que o recrutamento de donas de casa é realizado apenas para o cumprimento da cota.

Em relação à categoria raça/cor, o site do TSE divulgou dados relativos à auto declaração das candidatas em: brancos, pardas, pretas, amarelas e indígenas. Entre as candidatas, a menor representação foi das categorias amarela, parda e indígena (TSE, online, 2014).

O perfil das parlamentares difere bastante daquele encontrado para a população brasileira em geral, que é predominantemente negra (parda e preta). O Censo realizado em 2010 revelou que dos 190,75 milhões de habitantes, 91 milhões se declararam brancas/os (47,7%). O número de pretas/os foi de 14,5 milhões (7,6%), enquanto o de pardas/os foi de 82,2 milhões (43,09%). Outros dois milhões de pessoas (1,04%) se classificaram como amarelas e 817,9 mil (0,57%) se consideram indígenas (DATASENADO, online, 2014).

Portanto, verifica-se que as deputadas federais seguem a tendência global da Câmara: pouco mais de 80% são brancas, quase 6% são pretas e as pardas compõem mais de 13,7%. Dentre as senadoras eleitas em 2014, 4 (80%) são brancas e 1 (20%) senadora se autodeclarou parda (DATASENADO, online, 2014).

Esses dados, transmitem a desigualdade que existe no Brasil quando se trata de gênero e raça. Somente uma reforma política efetiva poderia alterar o quadro de desigualdade presente nas nossas instituições representativas.

Em termos de nível educacional, tanto entre as deputadas quanto entre as senadoras eleitas em 2014, há uma concentração de parlamentares com nível superior completo, são mais de 80%, entre as deputadas e as senadoras (DATASENADO, online, 2014).

A partir desses dados, fica clara a importância do capital educacional das parlamentares no acesso às instituições de representação (PINHEIRO, 2007, p. 67). O alto nível de escolaridade é quase que um pré-requisito para a entrada no espaço político, independente do gênero.

Mesmo com um alto nível de escolaridade, as parlamentares, permanecem enfrentando obstáculos em sua atuação na esfera política, entraves estes semelhantes ao experimentado na esfera privada.

Mesmo quando alcançam uma posição de prestígio na política, as mulheres geralmente têm que incorporar padrões masculinos de comportamento para terem visibilidade, o que implica em um círculo vicioso, tornando-se mais complicado exercer o poder com padrões diferentes, conforme propõe parte da teoria política feminista.

Em relação à religião das parlamentares, temos que a grande maioria delas se declaram católicas. O fato de a maioria das deputadas serem católicas segue o padrão geral da população brasileira.

Há uma tendência de crescimento de parlamentares evangélicas, que também corresponde a uma tendência nacional revelada pelo censo de 2010, que resultou na porcentagem de 22% dos brasileiros que se declararam evangélicos (IBGE, online, 2010).

Quanto os partidos que recebem mais mulheres cada legislatura, é verificado que os partidos de esquerda (PC do B, PT e PSB) sob o aspecto político elegem mais mulheres proporcionalmente. Isso pode ser motivado pelo fato desses partidos incentivarem mais a participação feminina se comparados aos partidos de direita além da aproximação dos movimentos feministas com a ideologia desses partidos.

O Partidos dos Trabalhadores (PT) foi o primeiro partido a adotar a paridade entre mulheres e homens na direção partidária instituindo as cotas internas para as mulheres, servindo de estímulo para a direção de outros partidos (ROMAN, online, 2017).

A região Norte é a que proporcionalmente possui mais representantes mulheres na Câmara dos Deputados, na maioria das legislaturas, sendo quase o dobro da porcentagem de mulheres do Sudeste. Mesmo sendo uma região com uma economia inferior as outras, possui maior probabilidade de eleger mulheres (MIGUEL; QUEIROZ, 2006, p. 369).

Quanto aos temas apresentados em projetos de lei encontram-se concentrados nas seguintes áreas: direitos e cidadania, educação e esporte homenagens e política social.

As comissões parlamentares também seguem caminhos parecidos, com maior quantidade de mulheres nas comissões de Seguridade Social e Família e Educação. É nítida a divisão sexual das comissões pois as mulheres estão mais presentes naquelas que tratam de áreas socialmente destinadas ao “mundo feminino”, relacionadas ao espaço privado com a reprodução de estereótipos (SANCHEZ, 2015, p. 18).

Como são definidas pelos partidos políticos, se torna mais complexa a realocação dessas mulheres em outras comissões com maior prestígio, confinando assim, as parlamentares ao âmbito das questões com menos reconhecimento político.

Fica claro, o tratamento diferenciado entre os parlamentares, pois estas ações institucionalizam ainda mais o sexismo no legislativo com a construção de bases políticas desiguais dificultando ainda mais a atuação e integração de suas perspectivas no congresso por se tratarem de uma minoria.

As mulheres após travarem uma grande batalha, durante a eleição e depois se consagrando com um cargo eletivo, ainda têm que enfrentar as dificuldades de atuar dentro da esfera legislativa ao tentar se desassociar dos estereótipos que lhe foram impostos ou até mesmo de fugir dos padrões masculinos.

A justificativa para uma maior representação política da mulher não pode ser pautada na naturalização dos papeis de gênero reproduzidos pela sociedade, ou seja, a mulher não pode ser destinada a funções que tenham o intuito de lhe marginalizar ou que não tenham grande importância no âmbito político, sob pena da atuação feminina ser marcada para sempre como desigual e injusta.

As eleições de 2014 indicaram um cenário bastante alarmante e de certa forma decepcionante, tendo em vista os resultados obtidos em relação a inclusão das mulheres nos centros formais de poder. Os números não superaram o esperado, ou pior ficaram longe de atingir uma média considerável, demonstrando toda a insuficiência do sistema eleitoral brasileiro, principalmente do sistema de cotas de gênero.

Analisando o perfil das parlamentares brasileiras, percebe-se a sua semelhança com os parlamentares. Apesar do seu ingresso ser dificultoso na conjuntura política, ela é semelhante à dos homens, pois é definida socialmente da mesma forma, tendo um caráter discriminatório em alguns pontos, como por exemplo, na supremacia de uma raça/cor ou nível socioeconômico. Desta maneira, independentemente do gênero, tem-se à conclusão que a política não é inclusiva, mas principalmente, quando se discute a integração da mulher nos centros de poder.