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O CORPO LIMIAR E A PASSAGEM DE IMPULSOS

5.1 Ritos de passagem – o surgimento do corpo limiar

5.1.2 Perguntas e obstáculos à experiência do corpo limiar

Somos assim, sonhamos o vôo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o vôo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o vôo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram. (Fiódor Dostoiévski)

Como vimos, o corpo limiar está intrinscecamente relacionado à transitoriedade, à ruptura com imagens, ideias e identidades pré-concebidas, à permissividade à experiência presente a partir do dilaceramento de fronteiras, dentre elas as de interno/externo, antes e depois, e mesmo entre impulso e limiar. Tudo se mescla em um só corpo. O corpo limiar e o corpo vida transitam no criador que se torna permeável às experiências, uno a elas.

Os excessos do mundo contemporâneo, sua fragmentação e produtividade, seu ritmo acelerado, dificultam tanto a experiência do corpo limiar, sua suspensão e ambiguidade, quanto do corpo vida. A passagem dos impulsos, que ultrapassam as fronteiras de convenções sociais, necessitam processos criativos que compreendam o tempo/espaço necessários à sua experiência de liminaridade. Como vimos anteriormente, o limiar se relaciona a um abandono de subjetividades anteriores, do controle e da concepção identitária de si mesmo. Através dos estudos que se seguem, refletimos sobre sua possível relação com as ideias de “esquecimento” e “dispersão”:

No campo da Filosofia, foi Nietzsche quem nos provocou a pensar a memória também como esquecimento, como apagamento necessário. Para ele, o homem, em sua natureza, em seus instintos, tem o esquecimento como força corporal primária e vital. Assim, o esquecimento é que deveria ser exaltado.[...]

72 Trecho retirado da divulgação do Workshop Práticas e Formação com a Companhia Teatro Akrópolis realizado pelo Zikizira Physical Theatre, em Belo Horizonte, via Zikizira Espaço Ação. www.zikizira.com/actionspace.

Esquecimento como ´força corporal´ [...] É no esquecimento que liberamos a experiência do já vivido, deixando espaço para florescer o novo, de maneira que lembrar e esquecer são igualmente necessários à vida. (ARANTES, In: ALMEIDA, 2015)

Em seu livro Limiar, aura e rememoração – Ensaios sobre Walter Benjamin, Jeane

Marie Gagnebin (2014) nos fala sobre dois movimentos que, na tradição filosófica, acompanham as atividades do lembrar e esquecer: atenção e dispersão.

Num primeiro momento, entendo por atenção e dispersão um duplo movimento do sujeito em relação ao mundo. Movimento de concentração, de recolhimento, de tensão/atensão, de cuidado – e movimento de entrega, de distração, de diversão, de disseminação. (GAGNEBIN, 2014, p.103)

A autora afirma que durante muito tempo houve uma exclusividade do movimento de atenção, recolhimento.

“A metafísica clássica, de Platão a Hegel, passando por Agostinho e Descartes, privilegia a aproximação do pensamento aos termos próprios da atividade do lembrar: memória, recoleção, junção, em oposição à dispersão e ao esquecimento”. (idem, p.103)

Gagnebin (2014) entende que, a partir de Nietzsche, o segundo movimento, relacionado à dispersão, entrega, distração, diversão e disseminação, passa a ganhar uma crescente valorização.

O impulso lúdico e mimético não é, pois definido como uma falta de atenção, mas sim como um outro tipo, um outro desempenho da atenção. Em vez de “olhar para a frente” e de seguir um caminho imposto, os remadores poderiam demorar-se e prestar atenção “ quilo que foi posto de lado”. O que no processo de trabalho capitalista é denunciado como distração, falta danosa de atenção, falha na disciplina que deve ser censurada e castigada, revela-se agora muito mais como uma atenção dirigida para outras coisas, notadamente para as coisas deixadas de lado. Em termos benjaminianos, trata-se da atenção dirigida para o esquecido e o recalcado, que pode guardar dentro de si as sementes de outros caminhos e de outras histórias. (idem, p.110, grifos nossos)

No contexto em que vivemos, no qual observamos grande número de crianças medicadas para garantir sua atenção nas salas de aula, dispersando-as de suas próprias divagações e necessidades, de patologização de qualquer diferença que possa de algum modo, ser ameaça à funcionalidade capitalista; onde mesmo os campos artísticos têm sido dominados pela competitividade e produtividade, por leis de incentivo que raramente incentivam processos, tampouco linguagens e artistas ainda não “consolidados”, torna-se um ato político resgatar práticas que permitam a deriva, a ampliação dos espaços e tempos

possíveis para a percepção e experimentação, a experiência de dilatar tempos, fronteiras e possibilidades.

Essa “utopia” de uma sociedade cuja ordem não segue mais os imperativos da produção e da autoconservação poderia se tornar realidade. A função da arte [...] era e ainda é apontar para essa utopia. Mais do que isso: tornar concretas as possibilidades de entrega, de dissolução e de dispersão que não levam à morte, mas a uma ampliação dionisíaca da subjetividade. (idem, p.111)

Em uma prática realizada com Paola Rettore durante o curso “Esferas do entorno: Preparação para interferências urbanas”, em 2011, na Funarte/MG, percebi a presença desse espaço dedicado ao que chamamos aqui de corpo limiar. Após alguns aquecimentos corporais, rolamentos e exercícios de atenção e contato, Paola nos sugeriu que enchêssemos um corpo de plástico com água até a borda e caminhássemos pelo espaço externo, observando-o e entrando em contato com ele. Pude sentir que o copo transbordava através de microimpulsos em minhas mãos, em meu corpo, quando algo do espaço me afetava de uma maneira diferente, me acessava em algum lugar desconhecido. Foram esses os locais que escolhi para voltar e dançar, e os estímulos de onde partiram a criação de minha performance. Essa prática me fez ampliar meu corpo para o espaço, deixar que o desconhecido daquela relação agisse em mim e definisse por si os caminhos da criação. Não era mais meu desejo criativo, minha identidade artística, meus questionamentos conscientes, mas algo palpável, de uma consciência ampliada, que me fazia criar. Essa prática talvez seja melhor traduzida através dos versos abaixo, escritos na época dessa experimentação:

O portal habitava a beira do copo, não teu fundo, como era esperado, e apenas existia por estar, esse copo, à borda

A dança coexistia a deuses assustados

A densidade do sol nas pedras era o que me fechava O silêncio do escuro das imagens o que me abria Eu me pingava

às vésperas de potência às sensações mais intensas apenas os pingos necessários

E olhava-me, como que em prelúdio, prenúncio, preliminar como que prestes ao ataque de beber-me até o fundo descobrir se raízes habitavam aquelas águas

Chegar ao fundo do copo era o princípio de tudo, tornar a ele, torná-lo eu e eu por vezes devolvia a água ao fundo, em temor aos deuses mortos até o instante do entendimento, esquecimento

de que há presença no transitório arriscar instabilidades

espasmos

e regressar ao lugar de potência

à borda, constantemente a transbordar, esquecida

Na oficina realizada com Yoshito Ohno, durante o Simpósio Corpolítico - Corpo e Política nas artes da presença, realizado pela UFOP e com organização do Prof. Dr. Éden Peretta, no ano de 2013, pude perceber a importância das imagens poéticas dentro do trabalho técnico, e relacioná-la com a vivência do que aqui chamamos de corpo limiar. Yoshito trazia as imagens e objetos da flor, de um guardanapo e um corte de seda, como forma de despertar em nossos corpos outros estados, novas subjetividades e possibilidades, e os acessava. A flor seria nossa “professora”, pois crescia tanto para a terra (para a sombra), como para o céu (para a luz). Além disso, ela dançava com todas as suaspartes: frente, costas, lado, estavam todos integrados em sua dança. Deveríamos andar com ela, bem lentamente, realizando esse aprendizado.

Alguém uma vez disse que o Butoh é uma dança sobre as costas. No Japão quando se olha para a pessoa, olha-se também para as costas dela e assim se conhece sua personalidade. Quando é uma pessoa boa, as costas têm uma luminosidade. [...] Uma flor, é verdade, não tem frente ou atrás. A flor é também um corpo que nasce para o sol, cresce rumo a ele, mas se encaminha simultaneamente para a escuridão. Há luz na escuridão. Você pode sentir esse conflito de opostos.73

Após, experimentamos o guardanapo, na descoberta dos espaços “entre” do nosso corpo. Depois o corpo em contato com a parede, o que havia entre? Como poderíamos nos fundir a ela? Então deveríamos transformar aquele papel em uma flor, e com ele caminhar por um jardim, lança-lá. Depois iriamos até ela como se fossemos Maria se despedindo de Jesus, seu filho que estava na cruz e que ela entregava. Não seria uma representação, mas de fato uma despedida, que me trazia memórias de outras despedidas que vivenciei. Então Yoshito nos presentou com um corte de seda, falou de sua raridade e nos mostrou como podia ser forte – puxando-o dos dois lados com as mãos, sem conseguir espixar quase nada, e naturalmente trazendo também a força de seu corpo naquela tentativa – e frágil, puxando alguns fios que se espichavam longe, e seu corpo se mostrava frágil. Yoshito parecia se fundir aos objetos, seu corpo tornava-se eles. Trazia-nos também imagens, além dessas, algumas pinturas, sons, e fazia nosso corpo se tornar elas.

Trabalhou sobre a importância de se relacionar com o espaço, saber como ele é, o que ele quer. “E, então, o espaço irá convidar você para trabalhar com ele. Aí então você estará pronto para começar a sua dança”, dizia aos alunos-artistas. Um dos mistérios do Japão, segundo ele, é a relação com o tempo. Tudo sempre é dito através da metáfora, demonstrado com imagens poéticas. “É possível sentir o tempo.

73 Artigo de Luciana Romagnolli para o site Horizonte da Cena à época do referido curso: http://www.horizontedacena.com/vamos-dancar-a-beleza-da-flor-yoshito-ohno-em-ouro-preto-2/

Caminhem como se estivessem caminhando há 2.000 anos. Andando pela cidade, eu me senti com mais de 300 anos, como se pertencesse àquela época da fundação de Ouro Preto”, comparava. Enquanto manipula e oferece aos participantes da oficina elementos para trabalhar no espaço como flor de papel de origami e pedaços de seda, mostra uma tela de Dali, coloca uma sonata de Beethoven para tocar, e continua a dizer: “agora vocês têm olhos suaves. Os olhos são muito importantes. Uma das ideias do butoh é criar algo fora com algo que vem de dentro. As mãos de Kazuo Ohno na dança são como flores, são lindas, mas também têm espinhos”.74

Através dessas experimentações nosso corpo perdia sua identidade e descobria novas possibilidades, rompia o que era conhecido e deixava passar novos e necessários impulsos, vivenciávamos o que aqui chamamos de corpo limiar.

Quando então, se deveria dar a “passagem” do período limiar -rito de passagem- para a ação física? Do corpo limiar, para o impulso, o corpo vida? Primeiro era necessário entender que não haveria uma transição brusca, vivenciar o limiar era romper os limites que impunham saltos imprecisos. Assim, era necessário deixar que a passagem se desse em tempo natural, sem perder o sentido de vazio quando o corpo limiar dá passagem a um impulso, por não assumir um controle dele, mas estar junto a ele em consciência e ação orgânica, deixá-lo passar por todo o corpo à sua maneira, e finalizar a seu tempo. Dessa maneira, evitamos a seguinte possível fuga, relatada por Quilici (2005, p.200):

Nesse movimento de fuga, o vazio, quando experimentado, deve sempre logo desembocar numa nova manifestação. Não há sustentação serena no silêncio do vazio. O vazio é visto apenas como uma condição necessária para a passagem de uma forma a outra, e para a intensificação do devir. A passagem incessante de uma forma a outra é um modo de se estar sempre saltando para fora do vazio, e não experimentá-lo no seu recolhimento e na sua profundidade.

Percebemos, portanto, duas importantes precauções: que o processo não evitasse o tempo de dispersão, e que o vazio não fosse entendido apenas como o limiar, mas também se fizesse presente na passagem dos impulsos, em deixar que algo haja em si.

Talvez “estar presente” seja suportar uma certa dimensão de ausência, estando aberto para esse algo que se coloca em jogo como que para bordejar uma desaparição, revelando ali o residual, jamais passível de ser resgatado, tangível, sendo algo que, na experiência apenas se vislumbra em sua virtualidade (Branco, 1994, p. 34), posto que somos atravessados sem cessar por esse algo que se presentifica na medida em que dele nos separamos, como algo que só existe sob esse ponto de perda, de desvanecimento, de quase-figura...(LIMA, 2013, p.90)

Durante os trabalhos com Dorothy, eu percebia uma redução da ansiedade que me fazia passar rápido demais por cada estado e movimento, em pressa, automatismo e produtividade. Ao parar de acelerar essas transições e dar a elas seu tempo, surgiam e ganhavam espaço ações verdadeiras, impulsos. Para manter o Ma e a verdade durante as repetições das partituras é preciso “deixar vir” o instinto, o impulso, deixar que seguisse seu caminho, seu tempo de liminaridade, e então, dar passagem ao novo estado, impulso, instinto, necessidade.

A impermanência deve ser percebida no próprio corpo-mente, e deve conduzir à experiência do fundamento vazio do sujeito (anatta) e a um radical desprendimento de si. (QUILICI, 2015, p.201)

Dentro de trabalhos realizados no estágio com Carla Andrea, na disciplina dança teatro e no Laboratório intercultural de atuação, nos momentos já próximos à finalização dos processos, propus o diálogo entre duas práticas relacionadas aos elementos aqui pesquisados. No primeiro deles, o trabalho com os impulsos, baseados nas práticas de André Magela, e em seguida ,a caminhada do suriachi, através da qual partiam para o contato com seus objetos de criação, instalações ou figurinos. Durante o primeiro trabalho, os impulsos vinham trazendo os fluxos de imagens que lhes habitavam naquele momento: angústias, memórias, dores, prazeres, etc. Era como na meditação, onde inicialmente diversas imagens e sensações vêm à tona, e devemos dar passagem a elas sem nos apegar ou tentar solucionar algo nelas. No

suriachi essas imagens se acalmavam, silenciavam, e então, voltando para a criação, naturalmente retornava o que era de fato necessário. Era ali nossa preparação para a partitura, fazendo-se presentes e em contato no aqui e agora. Tanto no Laboratório como no estágio essa prática gerou interesse e abertura nos participantes, e era possível notar sinceridade em grande parte das ações que eram geradas.

Na verdade, eu penso da manhã à noite. Penso, penso até o esgotamento e, no final, chego ao vazio. Estou lhes dizendo [isso] para que pensem, pensem, até que, no final, cheguem ao não pensar, jogando tudo fora. É um não pensar que vem do ter pensado – e pensado muito [...] Tentar estar no não-pensar sem ter nada pensado é como querer comer o moshi (bolinho de arroz) de um desenho (KAZUO OHNO

apud LUISI e BOGEA,p.126 2002, apud CURI, p. 37, 2013)

Durante os movimentos, o corpo limiar era às vezes uma passagem rápida, que inicialmente parece imperceptível, porém sua ausência é claramente notável, traz rupturas bruscas entre estados, faz com que não se permita que a necessidade da ação se dê por completo, vá até o fim, se deixe desconstruir. E claramente os impulsos também estavam presentes, talvez até ainda mais, após o suriachi. Essa prática levava os criadores a ações do

corpo-alma-mente integrados e conectados com os outros e com o espaço, e então, surgiam movimentos mais profundos e necessários: impulsos e limiares.

A experiência da “exaustão” trabalhada por Grotowksi também parece ser trazida no intuito de superar essas fronteiras do eu já conhecido, do corpo submetido ao controle da mente, na busca pelos impulsos do corpo orgânico.

Às vezes vocês deveriam cansar o ator e até mesmo fazer com que ele faça exercícios que o cansem muito – no sentido físico – até que ele não interfira mais no processo orgânico. Ao mesmo tempo é perigoso: podem provocar complexos traumas etc. Esse trabalho requer uma grande experiência. Mas há alguns casos nos quais somente com o cansaço o ator pode liberar-se de certos tipos de resistência. (GROTOWSKI, 2005, p.141)

No trabalho da Cia Zikizira Teatro Físico esse foi um recurso bastante utilizado, como notamos nas entrevistas dos capítulos anteriores, e durante esse processo tal recurso pareceu bastante eficaz. De toda maneira, muitas pessoas, ao falar em Grotowski já se direcionam imediatamente à ideia de exaustão, e como vimos, esse é apenas um dos diversos caminhos possíveis, apontados por sua pesquisa, e que podem ser trilhados por cada criador à sua maneira.Descrevo abaixo mais uma passagem do workshop realizado com Graziele Sena75, como forma de ilustrar práticas e afetações dessa experiência.

O trabalho se iniciou a partir dos cantos. Graziele, sem explicar nada (o corpo explicava por si só) começou a cantar e a estar em contato conosco enquanto o fazia.Aos poucos começamos a interagir, responder aos cantos e entrar no contato.

Confesso que eu inicialmente tinha um pouco de resistência a esse trabalho, mas aos poucos fui percebendo que não era apenas sorrimos um para o outro, cantando músicas bonitas e acolhedoras, como em uma biodança ou em algo da cultura popular (que gosto muito e acho que já tem sua força por si só, na rua, nunca consegui lidar bem com grupos que a levavam para o palco, a não ser que de fato viéssem da tradição, da sinceridade, por isso minha resistência inicial). Graziele, porém, nos exigia atentos, presentes, conectados, e ao experimentarmos os cantos, ia tirando-nos os vícios de atuação, os hábitos de dança e fazendo-nos encontrar o desconhecido em nós mesmos e nossos impulsos, e nos disponibilizar a contatos mais verdadeiros.

Como também vivenciei na prática com Rosa Hercules76,descrita anteriormente, o mais importante no trabalho para essa desconstrução das superficialidades e acesso às reais

75 Ver descrição em página 46.

necessidades de nosso corpo não era tanto qual exercício fazíamos, mas como elas o conduziam e iam nos alertando à nossas fugas: não estar aqui e agora, reprodução de hábitos e vícios em lugar das reais necessidades, desejo de explicar, traduzir ao espectador, ao invés de deixar o corpo trazer, confiar e experienciar.

O momento dos cantos era prazeroso como também era os dos estudos das partituras que criávamos.O momento dos exercícios físicos, porém, era mais complicado e nem tão agradável. Parece-me que o objetivo era trabalhar contato, atenção, presença...e exaustão...“quando vc pensa que o corpo não pode mais ele ainda pode....para alcançar esse desconhecido temos de estar sempre atentos, alertas e abertos para capturar e para nos surpreender...”.

Cada um de nós criou três exercícios pessoais que fossem desafios para nós, que engajassem o corpo inteiro na ação, e nos quais fosse possível manter um fluxo na execução, sem pausas. Graziele se movia pelo espaço e deveríamos seguir seu tempo-ritmo, atentos, para que quando ela iniciasse seu exercício 1,2 ou 3, também realizássemos os nossos. Por vezes devíamos fazer o mesmo movimento que ela, seguindo-a também no níveis (alto, médio ou baixo) em que se movia. .Havia muita cobrança para que superássemos nossos limites.Em alguns momentos sentia muito canssaço, parecia estar além de minhas forças e não gostava do excesso de cobrança e gritos para que eu desse mais do que me sentia capaz e não fizesse pausas.

Compreendo a importância de manter o fluxo e de ir além dos limites físicos para deixar que o corpo ultrapasse o controle e descubra algo novo, porém acredito que faz parte do fluxo a importância de contração e relaxamento.Não acredito ser necessário caminhar pela dor.A descoberta do ato total pareceu romper esses paradigmas: da dor, da anulação do corpo,e se interessar pelo fluxo entre contração e relaxamento.

Recordo-me que na experiência com o Teatro Akropolis, e em vários outros processos em dança, ficávamos às vezes mais de 6 horas em atividade física constante, porém como estávamos em criação, orgânicos nas escolhas de ações, era prazeiroso, não doía. Mesmo em ensaios de partituras, por mais que às vezes sentíssemos tédio, desespero, pavor, pela busca de retomar o que foi vivido e seus detalhes, ainda assim não havia tanta dor.