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E não seria justamente o corpo do dançarino uma espécie de corpo dilatado num espaço ao mesmo tempo interior e exterior?

Christine Greiner

Concomitantemente ao aprofundamento da intimidade do teatro com a corporeidade de atores criadores envolvidos em um trabalho sobre si (abordado aqui através do trabalho de Grotowski, porém desenvolvido também, de outras maneiras, por inúmeros criadores desse período); a dança vivencia um processo semelhante: a partir de desconstruções de técnicas clássicas e padrões corporais e criativos fixados, a dança passa a direcionar um interesse crescente às subjetividades do bailarino criador. Enquanto o teatro se distancia da centralidade do texto como guia das criações e partituras corporais, a dança questiona os padrões formais e estéticos da preparação de um bailarino reprodutor de técnicas, coreografias e modelos pré- estabelecidos, e passa a interessar-se por sua potencialidade expressiva.

Se antes o corpo movia-se verticalizado, alinhado e harmônico, em busca de um movimento ideal, estruturado por uma organização espacial geométrica estabelecida a priori como um jogo de regras fixas, na dança moderna o espaço passa a ser concebido a partir do corpo do bailarino, cujos movimentos ditam as direções e as fronteiras. [....] As primeiras gerações da dança moderna enfatizavam especialmente o papel expressivo do movimento. (PRIMO, 2006, p.105-106)

Ao narrar as transformações da história da dança, Parra (2009) afirma que no século XVII inaugura-se na Europa um sistema artístico codificado, tecnicamente elaborado através da dança clássica, surgida no reinado de Luis XIV na França. Há uma padronização dos corpos, preferencialmente magros e esguios, e as possibilidades criativas se inserem em um sistema de códigos delimitado. Para Robatto (1994, p. 48, apud Parra 2009) foi neste período que se iniciou uma separação das artes cênicas originalmente integradas: Teatro, Dança e Música e a consequente especialização de cada uma.

Assim, a dança clássica acaba por herdar um brilhantismo gestual, parecendo não importar-se tanto com a expressão individual de cada bailarino, tornando-se a partir daí uma dança preocupada com o belo, com a aparência e com o externo, e todos estes princípios por vezes desprovidos de consciência sobre o seu devido

significado. (...) No período referido acima, e até mesmo anos adiante, podemos pontuar a pouca importância dada ao que os bailarinos sentiam ou pensavam a respeito das criações que interpretavam. Podemos observar que no período que a dança passa hoje, procura-se o oposto dos bailarinos, que eles acima de tudo pensem, reflitam e tragam para as criações e para os movimentos as suas próprias indagações. (PARRA, 2009, p. 10-12)

No século XVIII, Jean-Georges Noverre, em suas Cartas sobre a dança15, inicia o interesse dessa linguagem pela subjetividade e potencial expressivo do bailarino. No século XX, a dança moderna desenvolve um questionamento sobre a rigidez das técnicas do balé clássico e, em seguida, a dança contemporânea questiona a padronização dos corpos e linguagens iniciando uma fusão de métodos e processos para a preparação do bailarino, abrindo espaço a corpos variados e outras possibilidades de dançar, incluindo a ausência da música e os micromovimentos.

Colaborando para esse ponto de vista, Greiner (apud Garrocho, 2007) observa que uma das rupturas produzidas pela dança contemporânea seria a de que as técnicas não resultam no espetáculo, como ocorria, por exemplo, no Balé Clássico e na Dança Moderna. Na dança contemporânea o espetáculo, ao invés de trazer técnicas que são adquiridas e repetidas, nos mostra um corpo que é atravessado por uma questão, num meio produzido por uma pesquisa. Segundo Travi (2011), nesse momento os coreógrafos passaram a explorar a história e o imaginário pessoal dos bailarinos, transformando esse material em arte, mais especificamente, em movimento. O coreógrafo, dessa maneira, deixa de ser o profissional que ensina coreografias, para tornar-se um artista que edita essa confluência de linguagens: “Daí a proposta de se pensar o coreógrafo contemporâneo como sendo um DJ, isto é, um misturador autoral de materiais preexistentes.” (KATZ, 1998, p.11).

Isadora Duncan, uma das precursoras da dança moderna nascente no final do século XIX e início do século XX, nega o formalismo do balé clássico no intuito de desenvolver uma dança onde a expressividade e originalidade do próprio corpo, inspirado em elementos da natureza, produzisse sua movimentação, não mais derivada de técnicas pré-estabelecidas.

A dança expressionista alemã, de acordo com Lima (2008a), trabalhou com “estados de movimento” como instrumentos para a liberdade emocional, utilizados no lugar dos códigos de movimentos pré-determinados. A autora afirma que essa linguagem tornou possível a coexistência de duas tendências diferentes: “o tenso desejo em direção a uma forma – resultado de uma meticulosa construção das cenas – e a tentativa de trazer à tona os afetos

15MONTEIRO, Marianna. Noverre: Cartas Sobre a Dança. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: FAPESP, 2006.

subjetivos.” (LIMA, 2008a, p.50). Alguns coreógrafos se apropriavam de técnicas do balé clássico, como Marta Graham e Kurt Joss, outros encontravam novas vias para a pesquisa e composição, como Mary Wigman, Rudolf Von Laban e Yvonne Rainer.

Advindo desse movimento, o trabalho de Pina Bausch é retomado por Hercoles (2005) como um grande encontro entre técnica e expressividade, e a diretora tem sido uma importante referência para as pesquisas e práticas em dança que se interessam por um trabalho sobre si e pelo acesso às subjetividades do criador intérprete.

Permitam-me, nessa altura, dizer algo sobre as pessoas magníficas com quem trabalho. Pois não contrato precipuamente dançarinos, estou interessada em pessoas. E, nas peças, essas pessoas são antes de tudo elas mesmas, não precisam representar. No trabalho, tento fazer com que encontrem elas próprias o que procuro. Só então o efeito é convincente, porque autêntico. Só assim posso estar segura de que eles também podem cultivar e levar ao palco aquilo que acham. Cada detalhe é relevante, cada mudança, porque cada alteração produz um efeito diverso. Tudo o que achamos nos ensaios é analisado de perto, para ver se resiste às condições mais adversas. Não tolero nada no qual não posso acreditar, que não convença. Das muitas perguntas, restam no fim só bem poucas coisas que compõem então uma peça. Tudo é virado pelo avesso e repensado a fundo. Cada detalhe sofre um sem- número de metamorfoses, até que por fim encontre seu lugar correto. [...] O que mostramos é algo pessoal, mas não privado. Mostra-se algo daquilo que todas as pessoas são. Para encontrá-lo, são necessárias uma grande paciência e pessoas grandiosas, sempre prontas a reiniciar a procura.16

Tanztheater Wuppertal Pina Bausch.17

Colocando a seus bailarinos questões variadas, Pina solicitava respostas que acessavam seu corpo-memória e afetos, por meio de movimentos, palavras, cantos, ou o que lhes

16 Discurso proferido por ocasião do recebimento do título de doutora "honoris causa" da Universidade de Bolonha (Itália).Tradução de José Marcos Macedo.

In: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2708200008.htm

proviesse. Gil (2005, p.173) narra a descrição da experiência de alguns bailarinos da Cia de Pina Bausch:

Afirmam viver no seu interior experiências decisivas de “verdade”, de “identidade”, “experiências autênticas, profundas, pessoais”. Quando estão em cena, é sua “verdade mais íntima” que se exprime. [...] É como se o “método Bausch” fizesse vir à superfície camadas soterradas de emoções e de sentimentos [...]

Tanztheater Wuppertal Pina Bausch.18

O Tanztheater de Pina Bausch, ao mesmo tempo em que aproxima a dança e o teatro, dá origem a uma discussão acerca das compreensões entre seus territórios e suas relações. Hercules (2005) critica a dualidade proposta pelo termo “dança-teatro ou teatro-dança”, afirmando que o mesmo carrega um tipo de entendimento que perpetua a separação entre corpo e pensamento, e a fronteira entre a dança e o teatro: “O entendimento de que seu trabalho não é dança, sem dúvida, esbarra numa concepção que reduz a dança à simples coleção de passos arrumados coreograficamente.” (Hercoles, 2005, p.104).

Para Gil (2005, p. 172), porém, seu trabalho promove uma ruptura de fronteiras: [...] a arte de Pina Bausch faz correr um fio que serpenteia entre todos os gêneros de espetáculos (ou

performances). [...] Porque a linha serpentina move-se e esse movimento de orla constitui propriamente a dança de Pina Bausch [...].

Esses movimentos vivenciados na dança e no teatro parecem promover uma reaproximação entre as linguagens através de um início de ruptura da dualidade entre corpo e mente, razão e emoção, forma e expressividade, e de um imaginário que associava a dança ao corpo, em uma estética da perfeição, e ao teatro o lugar do texto e da expressividade. Sobre essa dualidade, Eugenio Barba afirma que:

A tendência de fazer uma distinção entre dança e teatro, característica de nossa cultura, revela uma ferida profunda, um vazio sem tradição, que continuamente expõe o ator rumo a uma negação do corpo e o dançarino para a virtuosidade. Para o artista oriental esta distinção parece absurda, como teria sido absurda para artistas europeus em outros períodos históricos, para um bufão ou um comediante do século XVI, por exemplo. (BARBA, 1995, p. 12).

Ao analisar o percurso da dança e do teatro no século XX, Lehman (2007, p.339) sustenta que, de fato, tem havido essa aproximação entre as linguagens:

A dança é radicalmente caracterizada por aquilo que se aplica ao teatro pós- dramático em geral: ela não formula sentido, mas articula energia; não representa uma ilustração, mas uma ação. Tudo nela é gesto. Já se descreveu a transição da dança clássica para a moderna e em seguida para a pós-moderna como um deslocamento que – para usar as categorias da linguística- partiu do campo semântico para o sintático e então para o pragmático, isto é, o compartilhamento emocional de impulsos com os espectadores nas situações de comunicação do teatro. Esse deslocamento vale de modo geral para a manifestação do corpo no teatro pós- dramático.

Como foi dito na introdução dessa pesquisa, para Grotowski, há diferenças entre as noções de “gesto”, “movimento” e ação física. Esse diretor afirma que o gesto é algo que parte das extremidades do corpo, é feito de modo artificial e não tem relação com os impulsos, já a ação física é algo que parte do centro, dos impulsos e envolve o corpo/mente/espírito em sua organicidade. Nesse capítulo, porém, nosso interesse é compreender possíveis aproximações que justifiquem, ou não, nosso intuito de trazer elementos da pesquisa de Grotowski para o diálogo e a colaboração com processos criativos da dança contemporânea. Muitos criadores da dança têm se interessado por um trabalho sobre si, e seu campo expandido tem aderido a práticas da educação somática, das artes marciais e de danças e lutas de nossa cultura. A relação entre a dança e o teatro de Grotowski, porém, tem sido ainda escassa. Acreditamos aqui que, a partir dos interesses em comum, que

procuramos pesquisar, bailarinos também possam se valer de descobertas realizadas com tanto cuidado e profundidade por esse diretor.

Quando se trata da arte do ator-dançarino, no âmbito da cultura ocidental Falkembac (2005) afirma que, a produção corporal se encontra no limiar de uma fronteira criada culturalmente. Em sua obra O Nascimento da Tragédia no espírito da música, o filósofo Friederich Nietzsche nos fala sobre arte trágica dos gregos, onde dança, música e teatro coexistiam, e os instintos eram relevantes dentro das construções e desconstruções do pensamento-corpo. Os diretores da Cia Teatro Akropolis, Clemente Tafuri e David Beronio, retomam essa compreensão ao dizer da possibilidade de ruptura de fronteiras entre as linguagens artísticas:

[...] a tendência a classificar por gênero, estilo e competência específica, tendência que (e é sempre Nietzsche a recordá-lo) compromete não só a possibilidade de confontar-se abertamente e sem esquematismos, mas limita a liberdade e a potência da intuição. (TAFURI; BERONIO, 2003, p. 15)

Dessa maneira, apesar de realizarmos essa “distinção” inicial entre as linguagens, ela é feita no intuito de dialogar suas potencialidades, encontrar pontos de contato em tais processos criativos que possam auxiliar as possibilidades do criador intérprete envolvido em um trabalho sobre si. Sendo assim, percebemos que no campo da dança o trabalho com os impulsos encontra também importantes repercussões.O impulso foi trabalhado por Klauss Vianna, Rudolf Von Laban, Mary Wigman e é fonte de pesquisa do Movimento Autêntico.

Assim como Grotowski, o bailarino Klauss Vianna (2005, p.105) acredita no impulso como fator gerador do movimento:

O corpo humano permite uma variedade infinita de movimentos, que brotam de impulsos interiores e exteriorizam-se pelo gesto, compondo uma relação íntima com o ritmo, o espaço, o desenho das emoções, dos sentimentos e das intenções. (VIANNA; CARVALHO, 2005, p. 105).

Apesar desse ponto de encontro, há, também, importantes divergências entre as propostas de Klauss Vianna e de Jerzy Grotowski. Trago aqui brevemente alguns exemplos, porém, não é o interesse dessa pesquisa adentrar essa discussão, que traz em si amplas possibilidades. Vianna (2005, p.73) acredita em um “autodomínio”, em uma “conscientização corporal” anterior ao “ensino de uma técnica específica” (idem, p.124), e na construção de personagens a partir do estudo de suas imagens corporais. Todos esses elementos foram discutidos por Grotowski, e muitos deles abandonados ou relativizados a partir da via

negativa de sua pesquisa, como trouxemos no capítulo anterior e iremos desenvolver no capítulo 4. Como foi dito anteriormente, procuramos aqui, porém, os pontos de contato, que demonstram a maneira como a pesquisa de Grotowski pode contribuir aos bailarinos, tendo em vista que a dança tem também se interessado pela organicidade e por um trabalho sobre si. As modificações que Grotowski foi realizando em seus processos se deram através de amplas práticas e discussões, dessa maneira, parece-nos que o estudo de suas reflexões e transições pode contribuir para repensar encontros e desencontros entre interesses e caminhos escolhidos para os processos de criação. Procuro ampliar essa reflexão no capítulo que se segue.

Rudolf Von Laban também se interessa pela questão do impulso, definido por ele como “esforço”.

Von Laban diz que o movimento é dançado quando “a ação exterior é subordinada ao sentimento interior” [...] faz entrar em jogo uma noção central na sua teoria do movimento: o esforço. Define-o como “impulso interior na origem de todo o movimento” [...] (GIL, 2005, p.14-15, grifos nossos)

Tal entendimento, trazido acima por José Gil, nos apresenta uma concepção que parece diferenciar a “ação exterior” do “sentimento interior”. Essa compreensão pode levar o criador a uma menor confiança no próprio corpo, que sente, reage e se recria através dos próprios impulsos, sendo eles mesmos constituintes da forma; e traz o risco de uma condução racional do movimento, como forma de se transmitir um sentimento ou ideia “internos”.

Para a bailarina e especialista no Sistema Laban de Análise do Movimento, Luciana Bicalho, o esforço se relaciona às intensidades, qualidades, ritmos e maneiras como o corpo se move:

Esforço é dinâmica, é a energia que colore com tonalidades distintas as ações. [...] A experimentação da categoria esforço torna o profissional das artes cênicas mais livre e atento, podendo experimentar maneiras diversas de se expressar. No momento em que uma energia interna é projetada no espaço, intenção e ação fundem-se. [...] 19

Em sua obra Domínio do Movimento, Laban (1978, p.126) propõe o estudo do esforço como fator gerador do movimento, e analisa as qualidades geradas por ele através da relação com o que denomina de “fatores de movimento”: peso, tempo, espaço e fluência. Nessa obra, os “elementos do esforço” se associam aos fatores de movimento da seguinte maneira: Peso-esforços: firme e suave; Tempo –súbito e sustentado; Espaço - direto e flexível; Fluência - controlada e livre. Já na obra de Luciana Bicalho encontramos os elementos

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Trechos retirados da apostila (não publicada) Sistema Laban- Conexões Corpo/Espaço/Esforço e aplicação

pedagógica produzida para o curso de Dança: Composição e Improvisação na pós graduação, modalidade Aperfeiçoamento Profissional em Dança: criação, improvisação e ensino, realizada pela autora na PUC Minas.

“peso, tempo, espaço e fluxo” compreendidos como os “quatro fatores básicos do esforço”, e analisados da seguinte maneira: peso – forte, leve, pesado; tempo- (ação) rápida, lenta; espaço – (atenção) indireta, direta; fluxo – livre, contido.

Laban compreende o esforço como algo que pode acontecer de modo inconsciente e involuntário, a partir de ações naturais, e que pode também ser gerado e guiado, a partir do estudo e domínio do movimento, para criações em mímicas, representações e coreografias.

A fim de discernirmos a mecânica motora intrínseca ao movimento vivo, no qual opera o controle intencional do acontecimento físico, é útil denominarmos a função interior que dá origem a tal movimento. A palavra empregada aqui com esse sentido é esforço. Todos os movimentos humanos estão indissoluvelmente ligados a um esforço o qual, na realidade, é seu ponto de origem e aspecto interior. O esforço e a ação dele resultante podem ambos ser inconscientes e involuntários, mas estão sempre presentes em qualquer movimento corporal; se fosse de outro modo, não poderiam ser percebidos pelos outros nem se tornar eficazes no meio ambiente da pessoa em movimento. O esforço é visível nos movimentos de um trabalhador, de um bailarino e é audível no canto e discursos. (LABAN, 1978, p.p.51-52)

Ao longo do próximo capítulo traremos as percepções de Grotowski acerca dos impulsos, e perceberemos que o mesmo o compreende como algo que é gerado pelas reais necessidades da ação, em contato com o ambiente, o outro, o corpo memória, produzindo uma ação física onde coexistem aspectos conscientes e inconscientes.

Partindo de um diálogo entre tais propostas, nos valemos aqui do estudo dos fatores de movimento e elementos do esforço, trazidos por Laban, como possível facilitador para a percepção e potencialização dos impulsos que movem uma partitura de ações físicas. Essa percepção poderia auxiliar a reativar os impulsos, ao longo das repetições das partituras, através da memória e do estudo de sua intenção, qualidade e origem. No capítulo em anexo dessa dissertação20 essa possibilidade é experimentada com os atores do Laboratório Intercultural de atuação e os resultados parecem vir ao encontro dessa premissa.

A bailarina Mary Wigman também desenvolveu processos criativos baseados nos estudos dos impulsos que, segundo Guimarães (2014, p.5-6, grifos nossos), se davam através de três fases distintas, descritas da seguinte forma:

1ªFase Busca do impulso. Ímpeto à expressão sem preocupação com o conteúdo e a forma. Expressão do próprio desejo. Sensações de apatia, caos, desinibição, espasmo e de entusiasmo experimentadas pelo corpo, que se transforma num ente vivo, amado e valioso. (experiência inconsciente da unidade)

2ªFase Aumento do sentido de orientação. Maior clareza na movimentação no que se refere à expressão, ao conteúdo, à forma e à função como resultado do processo de

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compreensão. Antagonismo entre o modelo e a individualidade de cada um. Início da sedimentação do talento. A característica deste processo de desenvolvimento é a unidade, que oscila entre a expressão e o desejo de expressão e a forma e o desejo da forma. O corpo deixa de ser apenas um corpo, mas ainda não é um instrumento, tornando-se palco da luta entre o interior e externo. (experiência de desdobramento)

3ªFase Clareza quase completa. Expressão e a Intenção passam a estar presentes na Forma, revelando o espírito. A dança torna-se uma linguagem, à medida que se adquirem um domínio maior do corpo e uma maior clareza na movimentação. O corpo começa a obedecer, tornando-se um meio de alcançar um objetivo. A cognição do dançarino transforma a aptidão em ofício. (consciência da unidade).

Percebe-se nesse trecho, inicialmente uma confiança nos processos orgânicos de um corpo que sente e pensa e, logo em seguida, um conflito entre o interior e o exterior, e a crença na necessidade de um “domínio” e obediência desse corpo-instinto inicial, transformado em corpo-instrumento, como forma de construção da estrutura. Dentro do trabalho de Grotowski a relação entre estrutura e espontaneidade foi também um aspecto de muitas reflexões, na procura da ruptura desse binarismo entre ambas. As vias para tais processos serão discutidas no capítulo 4. Nesse capítulo abordo brevemente o interesse da dança nessa pesquisa com o objetivo de sinalizar procuras em comum e possibilidades de contribuições recíprocas entre processos criativos de ambas as linguagens.

Outro processo criativo em dança interessado no trabalho sobre si, e especificamente na questão dos impulsos, é o Movimento Autêntico. Esse trabalho foi desenvolvido por Mary Whitehouse, aluna de Mary Wigman, e Janet Adler, e parece romper com as dualidades entre elementos internos e externos, conscientes e inconscientes:

“O corpo é o aspecto físico da personalidade e o movimento é a personalidade que se faz visível. As distorções, tensões e restrições são distorções, tensões e restrições dentro da