• Nenhum resultado encontrado

TRABALHANDO COM OS IMPULSOS

4.4 Os impulsos e o treinamento / processos criativos

4.4.4 Precauções / “Armadilhas” a serem observadas

Todos os sistemas conscientes, no campo da representação, perguntam o seguinte: “Como se pode fazer isso?” É como deve ser. Um método é sua conscientização deste “como”. Acredito que devemos nos fazer esta pergunta uma vez na vida; mas, tão logo entramos nos detalhes, ela não deve mais ser feita, pois – no momento mesmo de formulá-la – começamos a criar estereótipos e clichês. Então devemos fazer a pergunta: “O que é que não devo fazer?” (Jerzy Grotowski)

Nos capítulos anteriores encontramos algumas perguntas e “palavras praticadas” encontradas por Grotowski e seus pesquisadores na procura pelos impulsos e pela precisão orgânica. Procuramos aqui então, trazer breves reflexões sobre algumas “precauções” que podem ser observadas ao longo de um processo que tenha como objetivo a linha orgânica. Muitas delas já foram descritas ao longo das discussões anteriores, porém, procuramos aqui pontuar algumas delas de maneira mais precisa. No processo de acesso aos impulsos alguns dos obstáculos encontrados eram:

฀ “O desejo de evitar o Ato, de fugir do que deveria ser feito agora, hoje.” (GROTOWSKI, 2007, p. 179).

Dessa maneira, Grotowski afirma: “A estrutura pode ser construída, o processo nunca. O Ato não pode nunca ser fechado, acabado.” (idem, p. 180), dizendo da importância de o ator permanecer vivo, poroso e afetável, tanto nos momentos de processo, quanto em cena.

฀ A separação entre técnica e expressão, corpo e processos psíquicos, interno e externo (autopenetração/ ilusão de isolamento).

A presença da técnica não é o mesmo que a presença do Ato. A técnica pode ser (em graus diversos) um sintoma de um Ato sub-rogado. Se executarmos o Ato, a técnica existe por si mesma. A técnica fria, consciente, serve para evitar o Ato, para nos esconder, par nos cobrir. A técnica emerge da realização, portanto a falta de técnica é um sintoma de falta de honestidade. Existem só experiências, não o seu aperfeiçoamento. A realização é hic et nunc (aqui e agora). Se existe a realização, ela nos conduz ao testemunho. Porque foi real, plena, sem hesitação...

[...] Temos alguns elementos muito precisos. Por meio do contato e da presença tangível do corpo-memória a cena se desenvolve coerentemente. (idem, p. 179)

฀ O controle e predomínio da racionalidade

“[...] a motivação já implica uma certa premeditação, um ditame, um projeto, não necessário aqui e até mesmo danoso.” (idem, p.174)

฀ O “relaxamento excessivo” e o fechamento em si mesmo

Havia uma certa concentração, mas era introvertida. Esta concentração destrói toda a expressão; trata-se de um sono interno, um equilíbrio inexpressivo; um repouso absoluto que elimina todas as ações. [...] Isto significa que todos os processos de vida são interrompidos, e encontra-se a plenitude e a realização numa morte consciente, numa autonomia fechada em nossa própria essência. (GROTOWSKI, 1992, p.208)

฀ “Bombear” emoções

Há ainda um perigo a ser evitado: urros, gritos, truques consigo mesmo, através de palavras repetidas automaticamente ou movimentos que imitem os impulsos vivos, que são na realidade só movimentos (e não impulsos), movimentos programados, causados pelo exterior, controlados pelo cérebro, não o cérebro que quer eliminar uma espécie de caos, mas o cérebro que nos corta em dois: no pensamento que dirige e no corpo que segue como uma marionete. (GROTOWSKI,2007, p.160)

Poderíamos entender “bombear” emoções como representa-las ou tentar controlar seu surgimento e seu processo.

[...] pensei que o público experimentaria a mesma, posso chamá-la assim, intensidade, que eu senti durante a execução, que eles também experimentariam essa “emoção épica”. Não entendia que frequentemente convencia a mim mesmo de que havia “sentido algo”, quando na realidade tudo o que havia sentido era a excitação dos nervos devida ao fato de que estava “atuando” diante de alguém. Em outras palavras, havia confundido a agitação dos nervos com emoções verdadeiras; havia evitado o verdadeiro trabalho prático e havia tentado “bombear” um estado emocional. Na sua conferência de Lieja (1986), Grotowski disse: Normalmente, quando um ator pensa nas intenções, pensa que se trata de “bombear” um estado emocional dentro de si. Não é isso. O estado emocional é muito importante, porém não depende da vontade. Não quero estar triste: estou triste. Quero amar a essa pessoa: odeio essa pessoa, porque as emoções não dependem da vontade. De maneira que quem tenta condicionar as ações através dos estados emocionais cria confusão. (RICHARDS, 2005, p.66) 55

55[...] pensé que el público experimentaria la misma, por llamarla así, intensidade que yo sentí durante la ejecución, que ello también experimentarían esa "emoción épica". No entendia que a menudo me convencia a mí mismo de que había "sentido algo", cuando en realidade todo lo que había sentido era la excitación de los nervios debida al hecho de que estaba "actuando" delante de alguien. Em otras palavras, había confundido la agitación de los nervios por emociones verdadeiras; habia evitado el verdadeiro trabajo práctico y habia intentado "bombear" un estado emocional. En su conferencia de Lieja (1986), Grotowski dijo: Normalmente, cuando un actor piensa en las intenciones, piensa que se trata de "bombear" un estado emocional de dentro de sí. No es eso. El estado emocional es muy importante, pero no depende de la voluntad. No quiero estar triste: estoy triste. Quiero amar a esa persona: ódio a era persona, porque las emociones no dependen de la voluntad. De manera que quien intenta condicionar las acciones a través de los estados emocionales crea confusión. (RICHARDS, p.66)

A partir de tais reflexões surgem então novos questionamentos: Como poderíamos diferenciar os impulsos dos vícios e automatismos? Como poderíamos de fato abrir possibilidades para sua passagem, desapegar das subjetividades antigas e dar passagem a novas subjetividades a partir dos contatos e da passagem dos impulsos?

Acreditamos aqui que o espaço intervalar, “entre” o que foi e o que pode vir a ser pode ser, o limiar, suas possibilidades de dissolução de identidades e fronteiras, uma tentativa de “esvaziamento”, porém com características do passado e esboços do que ainda é latente, pode se dar como contribuição na abertura para esse processo.