• Nenhum resultado encontrado

Mapa 22 – Mapa de conforto físico e ambiental da Avenida Engenheiro

2.4. ATRIBUTOS ESPACIAIS DE HOSPITALIDADE URBANA

2.4.2. Permeabilidade

O segundo atributo espacial de hospitalidade proposto é a permeabilidade, que se apresenta como um elemento responsável pelo fluxo de pessoas que permeia os mais variados tipos de estruturas urbanas e pela visibilidade.

Hillier (1996) acredita que se entendermos a maneira como organizamos o espaço em determinada configuração espacial,

poderemos compreender como funcionamos nele. Para o autor, o fator de correlação com a configuração espacial da cidade é o movimento, sendo que a estrutura da malha urbana, considerada puramente como configuração espacial, é, em si, o mais poderoso determinante do movimento, tanto de pedestres quanto de veículos.

O autor defende que a malha urbana influencia também os padrões de uso do solo, a densidade edilícia, a diversidade de usos e o relacionamento todo-parte na estrutura da cidade (Hillier, 1996, p. 152). Opinião compartilhada também por Jacobs (2000), que acreditava que o desenho das ruas e a estrutura da malha urbana influenciam a vida das pessoas. Para a autora (2002, p. 198), “a maioria das quadras deve ser curta; ou seja, as ruas e as oportunidades de virar esquinas devem ser frequentes”. Isso porque a morfologia da cidade acaba limitando as opções de trajeto da origem até o destino e reduzindo as possibilidades de encontros

que, por ventura, poderiam acontecer-nos diversos

estabelecimentos desse trajeto.

As quadras curtas possibilitam uma maior permeabilidade física, maiores possibilidades de trajetos e percursos, o que gera também maiores possibilidades de encontros com outras pessoas,

assim como maiores oportunidades de negócios. Acredita-se que quanto mais quadras, mais “esquinas” ou lugares estratégicos para a implantação de estabelecimentos comerciais (JACOBS, 2000).

As quadras longas “automaticamente separam as pessoas por trajetos que raras vezes se cruzam, de modo que usos diversos, geograficamente bem próximos de outros, são literalmente bloqueados” (Jacobs, 2000, p. 200). O pedestre, ao se deslocar de um ponto “A” para um ponto “B”, poderá fazer mais trajetos se as quadras forem menores, como é o caso da Figura 5.

Por natureza, as quadras longas neutralizam as vantagens potenciais que as cidades propiciam à incubação, à experimentação e a numerosos empreendimentos pequenos ou específicos, na medida em que esses precisam de cruzamentos muito maiores de pedestres para atrair pessoas ou atividades (Figura 4).

Figura 4 - Exemplo de quadras longas e suas limitações nos percursos. Fonte: Jacobs, 2000, p. 198.

Figura 5 - Exemplo de quadras curtas e as mais variadas possibilidades de percursos.

Fonte: Jacobs, 2000, p. 198.

Os tamanhos e os formatos das quadras variam muito. Brasília por exemplo é um exemplo de cidade com quadras longas. Projetada por Oscar Niemeyer, as “super-quadras” residenciais medem 280 x 280 metros. Já Cerdá projetou para a cidade Barcelona quadras curtas de 113 x 113 metros (Ver Figuras 6 e 7).

No primeiro exemplo, as quadras, apesar de grandes, possuem edifícios com um tipo de morfologia que permite que os pedestres permeiem por entre as quadras, já que o térreo é vazado, sob pilotis. Mas o uso monofuncional das quadras (apenas uso residencial) não gera diversidade. Já o segundo caso, de Barcelona, com quadras menores, é mais adequado para a escala do pedestre não só por conta do tamanho reduzido das quadras, mas pelo ponto de vista da diversidade, afinal, quadras curtas garantem uma opção maior de trajeto, como vimos logo acima.

Isso significa que a permeabilidade física pode ser percebida tanto pelas quadras quanto pelos edifícios.

Figura 6 - Exemplo de uma “super-quadra” de Brasília. Fonte: http://www.aboutbrasilia.com/maps/super-squares.html

Figura 7 – Quadras projetadas por Cerdá para a cidade de Barcelona. Fonte: http://gardensofmylife.blogspot.com.br/2012/02/plano-cerda-

barcelona.html

As galerias comerciais construídas na segunda metade do século XX são exemplos de permeabilidade física por entre edifícios. Com seus térreos permeáveis, do ponto de vista físico, as pessoas podem passar por entre seus corredores internos para acessarem as ruas do entorno. A Galeria do Rock, no centro de São Paulo, é um exemplo de espaço permeável no sentido físico. Sua implantação permite acesso pela Avenida São João e Rua Vinte e Quatro de Maio.

Figura 8 - Galeria do Rock no centro de São Paulo. Fonte: http://mundodasdicas.com.br/galeria-do-rock-online-loja

Outro exemplo de permeabilidade física por entre edifícios, com diversidade de usos, é o Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Como será visto no Capítulo 3, esse prédio modernista conta com passagens internas que garantem ao pedestre uma permeabilidade física.

Há também outro tipo de permeabilidade que ocorre no espaço urbano e que é de fundamental importância para a hospitalidade urbana. Trata-se da permeabilidade visual que é, na realidade, uma forma de circular ou permear com o “olhar”. Para Lynch (1997, p. 119), o alcance visual é uma qualidade que aumenta o âmbito e a presença da visão, tanto concreta quanto simbolicamente.

Jacobs (2000, p. 35-36) defende que as ruas devem facilitar as pessoas no sentido da interação, e as edificações devem promover a visibilidade e o contato. Para tanto, é preciso ver e ser visto, é preciso existir “olhos para a rua”, olhos daqueles que podemos chamar de proprietários naturais da rua. “Os edifícios de uma rua preparada para receber estranhos e garantir a segurança tanto deles quanto dos moradores devem estar voltados para a rua. Eles não podem estar com os fundos para a rua e deixá-la cega”.

Ao analisar a permeabilidade visual de um lugar percebe-se que a forma dos edifícios e de seus limites com o espaço público podem interferir também na sensação de bem-estar e acolhimento e até mesmo na sensação de insegurança do hóspede ou do morador.

Figura 9 - Exemplos de fachadas com permeabilidade visual. Fonte: Gehl, 2010, p. 74.

As aberturas nas fachadas (as janelas, os gradis, os muros baixos, os vidros) permitem um contato visual com o lado interno da edificação e podem contribuir para gerar uma sensação de co-

presença, isso é, “a presença de pessoas nos espaços públicos em movimento ou paradas que pressuponha a presença de outros indivíduos que não engajados em atividade compartilhada” (BRAGA, 2003, p. 23). Ou seja, não é preciso que se estabeleça o contato num primeiro momento, mas que haja ao menos o contato visual e a certeza de que há pessoas no estabelecimento ou na construção ao lado.

Dessa forma, a permeabilidade visual ajuda a promover a sensação de segurança. O “espaço defensável”, termo criado por Newman (1973, p. 8-9), é um modelo de ambiente urbano que inibe o crime por meio de características físicas e sociais. Trata-se de um termo utilizado para um conjunto de mecanismos que tem como objetivo maior tornar o ambiente urbano um lugar seguro, produtivo e bem conservado. E, dentre esses mecanismos, está a preocupação em garantir que a interface do espaço privado se relacione com o espaço público.

Dentre as intervenções sugeridas destacam-se: posicionar as janelas viradas para a calçada e usar cercas e muros com a menor limitação visual possível. É preciso garantir a visibilidade das fachadas de forma que elas se voltem para a rua, permitindo que haja um contato visual entre os moradores e os visitantes.

A seguir, exemplos de fachadas que posicionam as janelas ou (transparências) para as calçadas.

Figura 10 - Exemplo de fachada de lojas em Washington DC (EUA) com “transparência”.

Fonte: Acervo pessoal, 2008.

A configuração resultante da morfologia das edificações e dos espaços de uso público ou dos espaços privados pode ser uma arma poderosa no combate ao crime e vulnerabilidade a ações antissociais. A ideia é impor um limite entre os espaços urbanos sem comprometer as possibilidades de gerar relações sociais através do contato visual.

Figura 11 - Fachadas de Washington DC (EUA) com interface física de vidro. Fonte: Acervo pessoal, 2008.

Os exemplos da Figura 12 representam dois tipos de fachada: uma fachada cega (sem abertura com o espaço público) e outra fachada transparente (com vitrines na interface com o espaço público). A diferença é nítida. O exemplo da esquerda mostra que a interface público/privado inibe a circulação de pedestres no local, enquanto que as interfaces do exemplo da direita são verdadeiros locais de encontro que garantem a sensação de segurança (não só pela transparência nas fachadas como pela diversidade de atividades).

Figura 12 - Exemplo de fachada cega na foto da esquerda (muro) e exemplo de fachada transparente na foto da direita (vidro nas fachadas das lojas).

Fonte: Gehl, 2010, p. 127.

Além das paredes ou muros cegos, existem portas que funcionam como verdadeiros muros. Um caso típico, muito utilizado nas lojas de comércio de rua, é o das portas de aço de enrolar. Esse tipo de porta, quando aberta, garante uma relação direta com o espaço público. Ela funciona quase como uma extensão da calçada, basta subir um degrau e já se está na loja. Porém, quando fechadas, se tornam verdadeiros muros que segregam tanto visualmente quanto fisicamente a relação entre espaço público e espaço privado.

A seguir, dois exemplos de estabelecimentos comerciais que

utilizam as portas de aço de enrolar na Rua São Bento, no centro de São Paulo.

Figura 13 - Exemplo de estabelecimentos comerciais que utilizam as portas de aço de enrolar.

Fonte: Acervo pessoal, 2012.

A sigla americana para a Preservação de Crimes através do Design Urbano - CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design) - baseia-se na ideia de o projeto adequado e eficaz do ambiente construído pode levar a uma redução na incidência e na sensação de medo e insegurança, gerando uma melhor qualidade de vida. A ideia é prevenir, evitar que os crimes aconteçam e, para

isso, deve-se trabalhar com a própria comunidade e por meio de intervenções físicas no meio urbano.

Com base nas diretrizes do CPTED, vários documentos37

foram gerados publicando recomendações sobre planejamento urbano e fornecendo exemplos de intervenções em trechos urbanos. A estratégia principal dessas diretrizes consiste em modificar ou substituir certos atributos morfológicos que conferem ao local sensação de medo e insegurança. Dentre esses documentos, pode-se citar o guia: “Orientações gerais para a concepção de unidades mais seguras”, realizada pela prefeitura da cidade de Virgínia, nos EUA. As preocupações com a visibilidade, com a permeabilidade e com uma boa relação entre espaço público e espaço privado perpassa todos os elementos do guia, que tem como base quatro elementos de projeto: vigilância natural, acesso controlado naturalmente, senso de territorialidade e manutenção.

37 Entre os mais referidos estão: o Crime Prevention Through Environmental Design

– CPTED – presente nos EUA, Canadá, Austrália e Reino Unido, que visa prevenir práticas criminosas através da análise e intervenção sobre o ambiente construído; o Secured By Design – SBD – visa prevenir ações antissociais e reduzir gastos públicos com segurança por meio de uma parceria entre população envolvida e polícia a partir da ideia de que a própria comunidade defende a si mesmo; o Design Against Crime – DAC – visa, além da prevenção de ações antissociais por meio de intervenções no espaço construído, a precaução ao crime pela educação e prática profissional.