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A partir do reconhecimento das modificações que ocorreram no currículo da licenciatura em Química da UFBA, no qual estes alunos estão sendo preparados para o exercício profissional, embasados pelos conteúdos científicos mais direcionados a uma nova concepção de docência. Uma das predominâncias de formação se fundamenta na concepção de indivíduos mais críticos, com posturas que demandem novas compreensões do fazer docente, especialmente por se tratar de um curso que prepara aprendentes para intermediarem os saberes científicos relacionados ás ações cotidianas, conforme esclarece uma atual professora do curso Bárbara Pinheiro (2011)

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a mudança curricular implantada no ano de 2007 no curso de licenciatura em Química da Universidade Federal da Bahia se configura, para nós, em muito mais que uma simples alteração curricular, mas sim em uma mudança de concepções educacionais. Por meio dela passou a ser possível formar professores de química críticos e com uma noção de totalidade, que reconhecem esta Ciência inserida num contexto social para além de suas especificidades (p.7).

Entretanto, para que se efetive uma nova proposta formativa, compactuada com uma real mudança de paradigma, onde os licenciandos possam pensar criticamente, é importante alicerçar os conhecimentos e saberes necessários e específicos da área de formação, com embasamentos teóricos que propiciem um pensamento crítico, não reprodutivista79, anti- alienante. E para isso torna-se impar a inserção de Teorias Pedagógicas críticas nos currículos destes licenciandos.

Estas teorias passam a ganhar corpo no Brasil, a partir da década de 70, através de educadores como Demerval Saviani, Paulo Freire, Jose Libâneo, Frigotto, dentre outros, que se destacaram por assumir os ideários de pensadores revolucionários como Karl Marx, Horkheimer e Adorno, Marcuse, Gramsci, que se apresentavam como opções de combate, no campo da educação, aos sistemas hegemônicos historicamente constituídos.

Conforme discorremos no capítulo 2 deste trabalho, as ideias pedagógicas com viés critico começaram a ser difundidas no ambiente acadêmico brasileiro, em virtude da crescente dissonância do meio escolar das reais necessidades que se apresentavam na sociedade, cada vez mais distante do ideário de bem estar social. Estas teorias se desenvolveram de forma crescente buscando desnudar a real necessidade da sociedade brasileira frente a delimitações de superação das classes sociais historicamente constituídas. Entretanto Ligia Martins (2010) salienta que é necessário “reconhecer que a perspectiva teórica de classes sociais de menor disseminação em questão é o marxismo” (p.25).

As perspectivas críticas ditas progressistas que açodaram os currículos de formação docente são resultantes de contraposições às politicas governamentais que são orientadas para os novos tipos de sociedade que se constituíram historicamente subordinadas a neoliberalismo. Contudo, muitas vezes as pedagogias que se inserem nos currículos, ainda que apresentem algum viés marxista, continuam reproduzindo os discursos próprios para o continuísmo da distorção das classes e consequente manutenção do capital burguês, conforme ressalta Meszáros (2008) “uma das funções principais da educação formal da nossa sociedade

79 No livro Escola e Democracia escrito em 1983 por Demerval Saviani, o autor discorre sobre os quadros

teóricos educacionais que dominaram os espaços escolares e podemos considerar que continuam em vigência nos dias atuais, classificando as propostas educacionais que atuaram no Brasil em teorias pedagógicas não- críticas e teorias pedagógicas crítico-reprodutivistas.

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é produzir tanta conformidade ou consenso quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados” (p.45).

Assim, a PHC enquanto teoria crítica de base marxista toma por elementar que a educação propicie uma formação voltada para a construção de novos sujeitos, conscientes da sua humanidade, defendendo que o trabalho escolar com os clássicos da ciência, da arte e da filosofia considere que eles refletem as contradições que marcam o desenvolvimento humano. “Portanto a seleção dos conteúdos escolares não é neutra, mesmo quando realizada a partir de concepções que pretendam impor à ação pedagógica uma suposta neutralidade política” (GAMA; DUARTE, 2017).

A categoria formação de docente crítico estar relacionada à apropriação da PHC, surgiu não aprioristicamente após análise das falas dos sujeitos, sendo recorrente no discurso dos pibidianos, quase sempre em uma tríade entre professor formador, disciplina da dimensão prática e PHC, conforme analise das transcrições a seguir. Segundo P1

P1: [...] eu comecei a estudar sobre PHC por conta própria, então tudo que eu estudei de PHC, não estava nas disciplinas ainda... Então, eu fiz algumas disciplinas da dimensão prática em 2013. Então, eu não tive a oportunidade de ser aluno do professor B.

A percepção do pibidiano quanto a não inserção da teoria PHC nas disciplinas presentes em sua trajetória acadêmica na licenciatura, não foi impeditivo para que o mesmo buscasse informações em novas fontes, a fim de superar a ausência dessa teoria pedagógica em alguma disciplina do curso. Geralmente nas licenciaturas, diferentes correntes pedagógicas são apresentadas nas disciplinas formativas desta graduação, especialmente aquelas conhecidas como pedagógicas, pois servem para orientar o aprendente para o exercício da profissionalização.

Entretanto, Duarte (2010) chama atenção sobre as correntes pedagógicas dominantes, para a lógica de reprodução de algumas destas teorias pedagógicas, pois considera que, mesmo aquelas ditas como críticas tendem a apresentar em comum o relativismo epistemológico e as concepções idealistas sobre as relações existentes entre educação e sociedade. Para este autor

Ainda que, em trabalhos de alguns defensores dessas pedagogias, existam momentos de crítica a certos aspectos da sociedade capitalista, como às políticas neoliberais em educação, tais críticas acabam sendo neutralizadas pela crença na possibilidade de resolução dos problemas sociais sem a superação radical da atual forma de organização da sociedade, a qual tem como centro dinâmico a de reprodução do capital (DUARTE, 2010, p.34).

Em busca de uma melhor formação, este estudante conseguiu compreender que apesar de não perceber a presença de discussão das teorias críticas nas disciplinas cursadas, alguns

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elementos discutidos no âmbito destas disciplinas, o remeteram ao entendimento das relações existentes entre estado, sociedade e família conforme expressa a seguir:

P1: [...] lembro que, na disciplina o professor e o ensino de química ter alguns textos que trabalhe e eu me lembro de ter apresentado: a origem do estado, da família da propriedade privada naquele período eu não conseguia compreender, o porquê do aluno de química estava estudando sobre aqueles aspectos, apesar de eu gostar de estudar sobre aquilo.

Este discurso exprime o entendimento que, discutir sobre alguns temas relacionados à sociedade capitalista no âmbito de formação de professores, consiste em compreender os princípios filosóficos, históricos e epistemológicos que estão intimamente ligados ao cerne de uma teoria crítica, especialmente a PHC, pois de acordo com Saviani (2011) ao pensar na criação de uma pedagogia baseada na concepção educacional gramsciana, deve-se considerar que o ambiente educacional80 é tanto influenciada pela esfera social quanto, juntamente com outros complexos sociais, que realiza influência sobre esta, podendo transformá-la.

Segundo Pinheiro (2016) a PHC não se faz presente enquanto teoria pedagógica no PPC do curso, nem como eixo norteador do PPC, entretanto, existe um corpus de professores do curso que coadunam com esta perspectiva crítica da educação e que fazem pesquisa nesse referencial teórico, portanto pode-se considerar que a PHC se apresenta de forma transversal no currículo o que possibilita aos estudantes terem contato com ela no curso em diferentes disciplinas. Assim, os estudantes P3 e P4 expressam:

P3: [...] comecei a pegar algumas matérias da licenciatura com professor B, o professor e o ensino da química que já falava, da PHC, que eu ouvia falar, mais não sabia direito o que é que era. [...] com as matérias o professor e o ensino da química, historia da química, historia e epistemologia, eu consegui ter uma visão diferente do que é ser professor, que é formar cidadãos, deles formarem mais criticamente. P4: [...] em o professor e o ensino de química, a gente vê algumas coisas dessa parte crítica, alguns textos de Saviani, mas não é ensinada a PHC, a metodologia da PHC. Teve Historia da Química, com B tive alguns vislumbres, em História e epistemologia vi alguma coisa com professor C.

Ambos os depoentes percebem a inserção de teorias críticas no corpus das disciplinas cursadas, no âmbito da dimensão pedagógica do curso de licenciatura, apesar destas não serem apresentadas explicitamente, ou seja, com estudos nomeando estas teorias. Ressalta a ideia que existe uma inter-relação maior com a teoria crítica PHC, quando estas disciplinas são apresentadas por professores que trabalhem na linha crítica, ou seja, executem pesquisas relacionadas à teoria pedagógica crítica.

80 Originalmente no texto que remete a tal entendimento de Saviani, encontramos a palavra escola, entretanto

entendemos que neste caso a escola nos remete ao espaço em que o conhecimento esta sendo transmitido a partir do processo de ensino-aprendizagem o que nos faz relacionar tal fato ao espaço universitário também.

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Apesar de ambos mostrarem entendimento de terem sido apresentados a algumas disciplinas que tangenciavam com o viés crítico, a aparente falta de identificação imediata de processos investigativos, realizados ao curso das disciplinas acadêmicas, que despertassem nestes estudantes a condição de externar com maior ênfase sobre discussões a respeito de teorias críticas, dá a entender que as disciplinas não comungam com a ideia de um direcionamento convergente sobre que tipo de professores quer formar para a sociedade que está posta.

Dito posto, entendemos por importante compreender que a sociedade que vivemos hoje se encontra sobre a ordem do capital. E a universidade não se apresenta como algo exógeno a própria dominação do capital e deste contexto social; portanto, torna-se imperativo cuidar dos processos formativos, para que mesmo seguindo reformas educacionais atreladas ao social e “tentam remediar os efeitos alienantes e desumanizantes do sistema de produção capitalista, acabam por não escapar da auto imposta camisa de força das determinações sociais causais do capital” (MÉSZAROS, 2007, p. 201). Acreditamos que a não explicitude do caminho que está sendo trilhado, pode levar ao aprendente em formação a sucumbir aos modismos educacionais que se proliferam sobre a égide de teorias pedagógicas pós- modernistas, que se designam como adequadas a novos modelos de educação para formar cidadãos.

Nas falas dos pibidianos P5 e P6 a formação do professor crítico está atrelado às disciplinas da dimensão prática, ao estágio e alguns professores conforme temos a seguir:

P5: [...] já fiz as disciplinas da dimensão prática e estas tiveram uma fundamental importância na minha formação como professor crítico, principalmente por que a pedagogia mais trabalhada é a PHC.

P6: [...] com os professores bons que eu tive, eles me ensinaram a ser um pouco mais crítica [...] eles me falavam: você tem que saber envolver os conteúdos que esta dando para os alunos com o cotidiano dos alunos, com o dia a dia dos alunos, com o contexto social que os alunos estão inseridos, então eu fui conseguindo construir essa parte crítica.

Destes relatos, duas ideias comungam e ratificam a categoria já explicitada anteriormente da associação da PHC ás disciplinas da dimensão prática do curso em questão. Tal fato externa-se como responsável pelo reconhecimento da construção de uma identidade profissional calcada na criticidade, e enquanto tríade constituída nesta categoria o papel de determinados professores formadores, em inserir os processos dialéticos teoria/prática orientados por questões cotidianas e contextos sociais, foram considerados fatores importantes para a construção do viés crítico na concepção do licenciando.

A partir das análises apresentadas, conseguimos compreender que, apesar de não haver explicitamente o estudo sobre a teoria PHC, enquanto teoria pedagógica que compõe o

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ementário das disciplinas curriculares do curso de licenciatura. Existe uma compreensão por parte dos sujeitos da pesquisa, que uma formação docente crítica está atrelada a presença desta teoria pedagógica de forma explicita nas disciplinas.

Como já foi discutido anteriormente a PHC aparece de forma transversal aos conteúdos programáticos, quase sempre como aporte teórico de alguns professores que já possuem conhecimento aprofundado sobre a mesma, em geral os professores deixam nos estudantes a instigação necessária para que os mesmos busquem interações mais aprofundadas com esta teoria, como parte complementar de sua formação.

Educadores como Santos (2005), Marsiglia e Batista (2012), Saviani e Duarte, (2012) e Anunciação (2012), advogam que a PHC consiste em uma relevante teoria pedagógica, de cunho revolucionaria, pois é capaz de promover além da apropriação dos conhecimentos teóricos científicos como fator possibilitador de promover uma transformação social a partir da formação de consciência crítica nos estudantes e professores.

Entendemos como importante, a presença de teorias críticas nos currículos de formação de professores, por considerar que o papel dos cursos de licenciatura consiste em preparar jovens para enfrentar os paradoxos sociais que se aglutinam em diferentes salas de aula, jovens que deverão estar aptos a conhecer e reconhecer a escola, não apenas como espaço de intermediação cultural, mas como objeto de não neutralidade frente às forças capitalistas, que, mormente procura se apalpar em diferentes instancias sociais, culturais e econômicas para manter-se conscientemente ou inconscientemente “deitada eternamente em berço esplêndido”, criando a necessidade nos educadores que nesta se avultem a evidenciar as contradições existentes neste espaço polimórfico. Conforme destaca Gaudêncio Frigotto (2011, p.5) que na sociedade capitalista estruturada em classes sociais antagônicas, “a escola e todas as instituições educativas buscam reproduzir esta estrutura mediante uma educação dual, diferenciada e desigual”, mutuamente centrada nos valores mercantis da competição, do individualismo e do consumismo.