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METAS DE DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS

6. Biblioteca – Surge uma tabela com indicação de sítios para consulta e leitura de textos alusivos a (sub) domínios de funcionamento da língua, Linguagem / Linguística /

2.4. Perspectiva dos Estudiosos

Muitas foram as vozes que, nas últimas décadas, se ouviram alertando para a importância e a fulcralidade do conhecimento gramatical ser trabalhado demorada, regular e sistematizadamente nas aulas de Língua Portuguesa, como factor imprescindível para o sucesso educativo dos alunos.

Em 1983, Maria Alzira Seixo designa como catástrofe o estado do ensino do Português, distribuindo culpas pelo Ministério da Educação, pelos governos, pelas universidades, pelos professores, estes portadores de incompetência de base devido ao laxismo ou à falta de preparação científica adequada. Lamentavelmente, a situação parece não ter sofrido uma evolução positiva: se houver uma análise contrastiva entre opiniões afastadas no tempo e as hodiernas, percebe-se que retratam uma realidade similar: em 1992, Inês Duarte referia que “Recentemente, a reflexão sobre a estrutura e o funcionamento da língua tem sido subalternizada nas aulas de Português. Porventura por influência das abordagens comunicativas dominantes no ensino das línguas estrangeiras, tem-se atribuído a tal reflexão um papel secundário ou meramente instrumental – o da correcção de erros de uso.”, (DUARTE, 1992: 165).

Em 2001, Sónia Rodrigues denunciava: “aquilo que mais amiúde se observa é a veiculação de saberes estanques e definitivos ou de análises produzidas antes e fora da aula que se ensinam depois aos alunos, numa atitude reverente e cerimoniosa face ao conhecimento (…) numa reprodução ininterrupta de um modelo de ensino- aprendizagem desajustado da realidade e dos objectivos programáticos.”, (RODRIGUES, 2001: 231). Em 2007, o retrato tecido por Isabel Margarida Duarte pouco difere: “no passado recente, deparamos com a excessiva valorização, no ensino da Língua Materna, do lado utilitário do uso linguístico, consequência da ênfase posta na competência comunicativa (…) A sobrevalorização da função comunicativa da linguagem faz-se com prejuízo da consideração das atividades cognitivas e lúdico- afectivas ligadas à língua.”, (DUARTE, 2007: 4). Esta investigadora vai mais longe no diagnóstico efectuado aos conhecimentos dos estudantes: “Os alunos concluem a sua escolaridade secundária sem consciência explícita das regularidades da língua, dos tipos de unidades que formam as palavras e as frases, dos paradigmas flexionais, dos processos de formação de novas palavras, dos padrões da articulação entre frases. O seu fundo lexical activo e passivo é mais restrito do que seria desejável. São notórias as suas

94 deficiências relativamente ao domínio das convenções ortográficas e das regras de pontuação.”, (DUARTE, 1992: 165).

Em 2010, Maria do Carmo Vieira reflecte sobre O Ensino do Português e denuncia: “Os alunos que dominavam conhecimentos gramaticais, sobretudo a nível da morfologia e da sintaxe, foram-nos esquecendo por falta de treino e de uma rotina de repetição, aspectos imprescindíveis no estudo e na interiorização das normas gramaticais.”, (VIEIRA, 2010: 35).

Rui Vieira de Castro e Maria de Lourdes Sousa consideram que a gramática tem uma importância fulcral na aprendizagem do Português porque “a consciência gramatical de uma língua é um momento necessário à própria prática dessa língua, a todos os níveis do seu uso”, (CASTRO; SOUSA, 1989a: 127).

Carlos Reis e José Victor Adragão, na obra Didáctica do Português, afirmam: “Para os alunos, a gramática é frequentemente objecto de terror, quando não é ignorada e preterida em favor da interpretação, da composição, até da explanação de temas extralinguísticos”, (REIS; ADRAGÃO, 1990: 63). Para os autores, ensinar gramática permite “dar ao aluno a possibilidade de utilização da sua língua em toda a sua extensão e possibilidades”, (REIS; ADRAGÃO, 1990: 82).

Estela Lamas acrescenta que “o ensino da gramática deve, pois, ser integrado em actividades globais, combinado com a expressão oral, a leitura e a produção escrita; nestas actividades, a gramática estará sempre implicada porque nelas o estudo e o manejar da língua são uma constante. O aluno sentirá, assim, que a gramática lhe é útil, lhe permite forjar a sua própria língua, manejá-la com correcção e apropriação de forma a fazer-se compreender, de forma a informar-se, de forma a inserir-se no mundo.”, (LAMAS, 1993b: 29).

Para Joaquim Fonseca, “ensinar a língua comporta uma acção educativa integral, porque o ensino da língua atinge (…) os níveis fundamentais da construção do eu e do comportamento do indivíduo”, (FONSECA, 1992: 235), opinião corroborada por Mário Vilela, para quem trabalhar a gramática “ensina o uso correcto da língua, ensina a pensar de modo lógico, forma o espírito, fornece um conjunto de conceitos para se compreender o fenómeno “linguagem”, problematiza a norma linguística, melhora a capacidade de expressão escrita, serve de muleta para compreender textos difíceis, aprofunda e aperfeiçoa a capacidade de comunicação”, (VILELA, 1993: 144).

95 Fernanda Irene Fonseca defende que a aula de Português “é antes de tudo aula de língua”, (FONSECA, 1994: 117), logo “não é “mais um” lugar em que se realiza a actividade linguística, é um espaço específico de consciencialização e treino intencional dessa actividade”, (FONSECA, 1994: 150-151).

Esta opinião surge corroborada por Graciete Vilela, Isabel Margarida Duarte e Olívia Figueiredo: “o que falta a estes jovens professores é uma base de conhecimentos gramaticais e, além disso, uma capacidade de reflexão para apreciar a distância que vai entre a especialização linguística e a sua utilização na sala de aula.”, (VILELA; DUARTE; FIGUEIREDO, 1995: 252-253).

Maria Armanda Costa considera que a confusão entre aquisição e aprendizagem da língua está na base de muitos equívocos: a língua é adquirida sem esforços em ambiente natural, em contextos significativos e funcionais, mas, na sala de aula, a aprendizagem “é um processo que envolve conhecimento consciente ganho através do ensino formal. O ensino requer explicação e análise”, (COSTA, 1996: 65).

Perante esta perspectiva, linguistas e estudiosos da língua pugnam pela premência da valorização e do trabalho efectivo da gramática nas aulas de Língua Portuguesa. Em 1997, Carlos Assunção argumenta em defesa do ensino da gramática e do seu contributo para o enriquecimento do ensino-aprendizagem da língua, porquanto “Todo o professor deve ter a gramática como ponto de referência já que ela fornece ao aluno, de uma forma consciente e consistente, as características da língua.”, (ASSUNÇÃO, 1997a: 36-37). Assim sendo, é premente apostar na investigação e, sobretudo, “investir, nas universidades, na formação de professores, que tenham conhecimento da gramática da língua que vão ensinar, o que não tem acontecido até ao presente”, (ASSUNÇÃO, 1997a: 39).

A obra de Inês Sim-Sim, Inês Duarte e Maria José Ferraz, A Língua Materna na Educação Básica. Competências Nucleares e Níveis de Desempenho, publicado pelo Ministério da Educação, em 1997, tece considerações sobre o ensino da língua materna e especifica as competências nucleares, os conteúdos e os níveis de desempenho a atingir no final de cada ciclo. A partir de três grandes capacidades que derivam da organização e funcionamento da mente humana: o reconhecimento, a produção e a elaboração, as autoras detectam cinco competências nucleares a desenvolver na aula de língua materna, definindo competência como “um saber-em-uso radicado numa capacidade, cujo domínio envolve treino e ensino formal”, (SIM-SIM; DUARTE;

96 FERRAZ, 1997: 12): compreensão do oral / leitura / expressão oral / expressão escrita / conhecimento explícito, “que alimenta especificamente cada uma das quatro outras competências”, (SIM-SIM; DUARTE; FERRAZ, 1997: 12).

Observando a definição de conhecimento explícito: “a progressiva consciencialização e sistematização do conhecimento implícito no uso da língua”, (SIM-SIM; DUARTE; FERRAZ, 1997: 30), compreende-se o papel primordial da língua materna no desenvolvimento pessoal, social e comunicacional, na expressão do pensamento e das aprendizagens escolares. Ademais, as vantagens da consciencialização do conhecimento implícito reflectem-se “na aprendizagem das línguas estrangeiras curriculares”, (SIM-SIM; DUARTE; FERRAZ, 1997: 31); por outro lado, se “for concebido como uma actividade de descoberta (…), exigindo dos alunos treino de observação, classificação de dados e formulação de generalizações quanto ao comportamento dos mesmos, ele constituíra uma excelente propedêutica à atitude de rigor na observação e compreensão do real exigida noutras disciplinas curriculares”, (SIM-SIM; DUARTE; FERRAZ, 1997: 32). Deste modo, as investigadoras propugnam que “é função da escola promover o desenvolvimento da consciência linguística dos alunos com o grau de sistematização necessário para que possam mobilizá-la com objectivos estritamente cognitivos e com objectivos instrumentais.”, (SIM-SIM; DUARTE; FERRAZ, 1997: 32).

Estes testemunhos científicos reforçam a necessidade dos professores de Língua Portuguesa possuírem, de uma forma profunda, rigorosa e sistemática, o conhecimento do funcionamento da língua. Todavia, Maria Vitalina de Matos adverte para a deficiente formação de algumas gerações de professores, as enormes lacunas no seu domínio especializado de conhecimento profissional, que inviabilizam uma boa formação das gerações vindouras, perpetuando o mesmo problema – “chegam ao termo da licenciatura alunos que revelam ainda problemas no uso da língua escrita e falada.”, (MATOS, 1996: 56). Só com uma boa preparação de base, o professor pode veicular aos alunos um saber linguístico e um saber-fazer que se traduz e se actualiza nas actividades de oralidade, escrita e leitura, numa abertura entre a reflexão e o funcionamento da língua / os restantes domínios e entre o sujeito e a fala – “O professor de língua portuguesa deve ser o primeiro a entender que a gramática ajuda a sistematizar e a aperfeiçoar o domínio da expressão linguística, e que só a poderá ensinar se a dominar.”, (ASSUNÇÃO, 1997a: 35). Inês Sim-Sim, Inês Duarte e Maria José Ferraz

97 corroboram da necessidade de formação inicial rigorosa - “Embora a autonomia científica das escolas de ensino superior favoreça a liberdade de organização e estruturação dos cursos que preparam professores, é necessário garantir que a todos os futuros docentes de língua materna seja oferecida e exigida uma substancial e actualizada formação sobre o conhecimento da língua e, simultaneamente, sobre os processos cognitivos e linguísticos que permitem ao ser humano apropriar-se, via aquisição e via ensino, das diversas componentes que materializam a mestria linguística exigida pelas circunstâncias da sociedade actual.”, (SIM-SIM, DUARTE; FERRAZ, 1997: 105).

Aida Santos, em 2001, reitera a importância da formação de base dos professores para poder executar eficazmente os programas de Língua Portuguesa - “Focar privilegiadamente o aluno ilude, aliás, a grande questão do ensino: a da formação de professores esclarecidos, capazes de minorar desigualdades34 (…) para que os alunos aprendam, importa que os professores ensinem; e, para isso, importa que saibam do que vão ensinar e o que devem ensinar, antes do como.”, (SANTOS, 2001: 30). Assim sendo, é imprescindível uma “formação de professores responsáveis, deliberadamente em busca da articulação e consistência dos saberes, preparados para uma visão segura e envolvente dos factos da língua e das relações e interdependências que nas estruturas linguísticas se manifestam e nos actos discursivos se realizam.”, (SANTOS, 2001: 44). É importante que “um tal critério de rigor e de exigência se institua logo no momento da formação dos professores e seja um crivo importante da sua avaliação e acreditação.”, (REIS, 2008: 238). As críticas surgem também à própria construção curricular oferecida pelas universidades, cujo projecto formativo resulta “de um princípio de justaposição de contributos de diferentes campos académicos, de currículos de “colecção” cujos princípios de selecção e de articulação do conhecimento “válido” raramente são explicitados. De facto, o que muitas vezes podemos encontrar são acrescentos de disciplinas da área da educação ou da iniciação à prática pedagógica aos cursos de Letras, sem que, com isso, se garanta a necessária consistência dos projectos.”, (CASTRO, 2008: 130). A formação inicial deve supor “uma forte

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Cfr.: “são os mais fragilizados socialmente que se tornam as maiores vítimas do sistema, o que não pode deixar de nos envergonhar pelo facto de sermos nós próprios a contribuir para acentuar as diferenças sociais entre os que mandam e os que obedecem, os que podem aceder à cultura e os que a ela não têm direito, quando a escola constitui o meio privilegiado de a ela aderir.”, (VIEIRA, 2010: 14-15).

98 articulação com os estabelecimentos de ensino básico e secundário, sob a forma de redes de escolas cooperantes.”, (CASTRO, 2008: 138).

Ademais, também é fulcral a actualização dos professores de língua materna num sistema de formação contínua rigorosa e pedagogicamente orientada para a prática do ensino-aprendizagem da língua - “pensar a formação pós-inicial como um processo continuado de actualização científica e pedagógica dos docentes é, em nossa opinião, um dever e uma urgência.”, (SIM-SIM, 1997: 105). Para assegurar resultados eficazes e permanentes, urge “passar por uma forte articulação com lugares de geração de conhecimento relevante para o trabalho pedagógico dos professores, como são os centros de investigação, através da participação dos próprios profissionais em projectos de investigação orientados para a compreensão de aspectos do ensino e da aprendizagem do Português.”, (CASTRO, 2008: 138).

Por outro lado, em 1998, Carlos Assunção chama a atenção para a urgência da constituição de uma terminologia gramatical que “possibilite a todos os docentes e aprendentes, quer de L.M. quer de L.E., a utilização de uma nomenclatura clara e objectiva”, (ASSUNÇÃO, 1998a: 37), de modo a evitar frequentes mudanças terminológicas35 que levam a re-aprendizagens, ao descrédito e a dificuldades adicionais de ensino-aprendizagem da língua materna36, tanto mais que constata que, relativamente à nomenclatura gramatical, “mais de 90% dos professores de Português do primeiro ciclo ao ensino secundário e até, por que não dizê-lo, ao Ensino Superior, não a conhecerem.”, (ASSUNÇÃO, 1998b: 27). Reitera ainda as inúmeras vantagens da gramática pois “Conhecer e analisar uma língua é conhecer e analisar o código que a enforma, as suas componentes e as múltiplas relações que se estabelecem entre si em cada um dos subsistemas.”, (ASSUNÇÃO, 1998b:28). No mesmo ano, Carlos Assunção e José Esteves Rei afirmam que “Todo aquele que deseje estudar uma língua em

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Veja-se, a esse respeito, os dados retirados de um estudo dos professores levado a cabo em 1995 por Rui Vieira de Castro: “O problema da terminologia gramatical foi tratado, primeiro, em função da pertinência (ou não), para os entrevistados, de uma terminologia única, depois, em função das razões que poderiam sustentar a proposta da sua adopção ou rejeição (…) mais de dois terços dos professores consideram bastante necessário ou absolutamente necessário um instrumento daquele tipo (…) O argumento principal que se convoca para justificar a necessidade de uma terminologia gramatical única é, entre os professores com funções de orientação pedagógica, a de por esse meio se evitarem confusões conceptuais por parte dos alunos (…) A argumentação aduzida pelos professores estagiários para sustentar a necessidade de uma terminologia única, (…) relaciona-se fundamentalmente com a necessidade de evitar a proliferação de sistemas de designação alternativos, porque gerador de inevitáveis confusões”, (CASTRO, 1995: 417-418-420).

36Cfr.: “encontra-se o desejo de uma definição estável do corpo de conhecimentos constitutivo do universo de referência.”, (CASTRO, 1995: 420).

99 profundidade terá que passar pela gramática (…), um dos pilares fundamentais que constitui a base fundamental para a aprendizagem da língua materna”, (ASSUNÇÃO; REI, 1998: 9). Estes investigadores reabilitam a gramática na aula de língua materna, ressalvando a sua importância e centralidade: “A gramática não ensina a falar, ensina a reflectir sobre a fala e, por conseguinte, pode ajudar a falar melhor. A gramática ensina a ler e só com a gramática se pode escrever com correcção. A gramática reflecte sobre os elementos que constituem a língua, a sua organização e o funcionamento desses elementos.”, (ASSUNÇÃO; REI, 1998:10), destacando a interligação entre educação linguística e literária: “A gramática contribui, assim, não só para o ensino/aprendizagem da língua, mas também para formar cidadãos e cidadãs comunicativamente competentes”, (ASSUNÇÃO; REI, 1998: 10). Da reflexão gramatical da língua materna saem novamente reforçadas as vantagens para outras áreas curriculares: “constitui um meio de aumentar a auto-confiança linguística dos alunos, que é a porta dos saberes para todas as outras disciplinas curriculares”, (ASSUNÇÃO; REI, 1998: 10). Ora, para tal, devem os alunos aprender “gramática em interacção com a língua, em trabalho individual ou em grupo, e reflectirão sobre um aspecto concreto da língua, sendo eles próprios a explicitarem a regra do uso. O material gramatical deverá ser apresentado como suporte da expressão oral e escrita.”, (ASSUNÇÃO; REI, 1998: 11). Para que isto suceda, devem as universidades alterar o seu modus operandi: “Temos professores, por outro lado, formados em universidades, que não se preocupam em formar professores de língua mas de linguística.”, (ASSUNÇÃO, 1998b: 26). O Ministério da Educação é responsabilizado por não elaborar uma nomenclatura gramatical ampla, englobante, com uma explicação sintetizada e uma bibliografia mínima.

Ana Maria Brito propõe que se conceba a gramática como “descrição do conhecimento linguístico dos sujeitos falantes a vários níveis (fonético, fonológico, morfológico, sintáctico, semântico, pragmático) ”, devendo encarar “a aprendizagem gramatical como uma actividade de raciocínio e descoberta”, (BRITO, 1999: 261), adequadamente articulada com a escrita e a leitura, opinião corroborada por Sónia Valente Rodrigues: “é do consenso geral que só um discurso aberto, reflexivo, questionador e problematizante poderá fazer evoluir os alunos no sentido de um uso hábil, competente, autónomo da língua”, (RODRIGUES, 2001: 228).

Luís Barbeiro, em dados recolhidos no ano lectivo de 1997/98, no âmbito de cursos de formação contínua, pôde confirmar que “a relação dos professores com o

100 ensino-aprendizagem da gramática continua a revelar-se problemática. Inquiridos formalmente, por meio de questionário, acerca dos domínios de ensino-aprendizagem do Português que gostavam mais de ensinar, os professores afastam-se claramente do domínio relativo ao Funcionamento da Língua”, (BARBEIRO, 1999: 96). Assim, o estudo do funcionamento da língua tornou-se um conteúdo cada vez menos presente nas aulas de língua materna, dando lugar ao treino repetido de outras competências - “o factor comunicativo e social, implícito na aprendizagem da língua, ganha evidentemente particular importância, sob o ponto de vista funcional. Pelo contrário, o ensino de base gramaticalizante torna-se inoperante, porque não responde às necessidades prioritárias da maioria do público discente.”, (SANTOS, 2002: 44). Preocupante é o facto destes dados se manterem actuais em 2006, no estudo concretizado por Inês Sim-Sim e Palmira Rodrigues: “Foi atribuída pelas docentes uma maior valorização ao ensino da escrita e da oralidade, em detrimento do ensino do conhecimento explícito da língua. Contudo, mesmo desvalorizando o ensino da gramática, as entrevistadas revelaram acreditar, tal como os alunos, na sua importância para o desenvolvimento da oralidade, da leitura e da escrita.”, (SIM-SIM; RODRIGUES, 2006: 132).

O aluno entra na escola sabendo falar e usar a sua língua materna intuitivamente, mas não de uma forma esclarecida e consciente. É justamente essa reflexão37 e essa percepção activa do uso da língua materna que a escola deve transmitir ao aluno para que ele fique capaz de se inserir plenamente no mundo que o circunda - “Só a actividade metalinguística, como procedimento de distanciamento, permitirá ao aluno tomar como objecto a própria língua e as suas manifestações e, ao mesmo tempo que a vai manipulando, vai reflectindo sobre ela, concluindo o que ela é, como actua, em relação a quê, em que condições.”, (FIGUEIREDO, 2009: 3).

Esta verdade é tanto mais importante quanto mais carenciado for o agregado familiar de origem do aluno: “Sem oportunidade de outro tipo de aprendizagem – porque a aprendizagem por impregnação ou por modelização depende de contextos sociais e de leituras a que não têm acesso – o seu desenvolvimento linguístico está sujeito ao que a escola for capaz de lhes dar.”, (SANTOS, 2001: 31). O texto literário serve também esse propósito: “é uma possibilidade ampla e produtiva para construir e

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Veja-se a opinião de Sónia Rodrigues: “A promoção de uma prática de reflexão, condição necessária para a aquisição e desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e competências (linguísticas e comunicativas) do aluno enquanto falante consciente, é essencial no ensino da língua materna aos alunos do Ensino Básico.”, (RODRIGUES, 2001: 228).

101 fomentar processos de identidade do aluno por meio da conexão das suas experiências e mobilização dos seus desejos. (…) facilitar aos alunos a construção de sentidos mediante actividades de observação das formas linguísticas.”, (FIGUEIREDO, 2009: 6). Em suma, ensinar gramática não se confina à transmissão de conhecimentos do professor ao aluno, numa definição e memorização automáticas - “Integrar a aprendizagem metalinguística em actividades globais de leitura, escrita, oral constitui a mudança de perspectiva com que se deve abordar a reflexão sobre a língua. O acento já não se pode pôr em quais e como são as formas linguísticas, mas para que servem e qual é a melhor opção em situações concretas de uso”, (FIGUEIREDO, 2009: 7).

Esta preocupação acerca da gramática e da sua presença/ausência nas aulas de Língua Portuguesa e da sua nomenclatura tem ainda movimentado estudiosos e agentes activos da educação a trabalharem cooperativamente acerca desta temática, nomeadamente, através da organização de encontros, congressos ou conferências. Assim, a Faculdade de Letras da Universidade do Porto realizou, a 12 e 13 de Setembro de 2005, o Encontro sobre Terminologia Linguística. Das Teorias às Práticas, por iniciativa das investigadoras Olívia Figueiredo e Isabel Duarte. Aí, reflectiu-se sobre a aprendizagem da gramática no contexto escolar – “trabalhar a gramática linguagem (…), sensibilizando a criança para a sua gramática implícita e dando-lhe a possibilidade de sentir a constituição da sua língua (…) Não deve pois ser preocupação do educador transmitir etiquetas que só poderão contribuir para criar ruído no uso que a criança faz da sua língua. (…) O recurso à metalinguagem só se justificará quando a criança sentir

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