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5.2 DESCRIÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

5.2.3 Pertencimento Institucional

Nessa terceira categoria observa-se como os participantes relatam um sentimento de compromisso profissional por estarem inseridos numa equipe que mantém ao longo do tempo uma relação exclusiva e diferenciada entre seus membros, que congrega pessoas que gostam do que fazem de forma não competitiva, o que minimiza muitos conflitos característicos de qualquer relação intersubjetiva, como por exemplo: ressentimento, desamparo, hostilidade, antipatia, desqualificação, intolerância.

Primeiro o trabalho em equipe, em cuidados paliativos, não tem disputa, poder de quem sabe mais, quem faz mais. Os que estão ali gostam de fazer o que fazem, o serviço é de todos então o trabalho é de todos, eu acho que isso é importante. F

Existiu durante todo o momento da minha inserção no Cepon (na ECP) uma grande preocupação na gestão dos profissionais. Profissionais que se preocupam com profissionais. T

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Estas falas acima mostram como no processo de interação humana, principalmente no ambiente de trabalho, não se deve ter apenas uma abordagem racional das relações intersubjetivas, supondo-se que a interação se dê de acordo com um esquema inteligível de ação, isto é, que as pessoas trabalhem como máquinas e que respondam sempre da mesma maneira diante daquilo que se espera delas. Deve-se considerar, de acordo com Andolfi (1984, p.17) que uma equipe organiza as maneiras como os membros interagem baseadas num conjunto de exigências funcionais, visíveis ou não, e que opera através de padrões repetidos estabelecendo como, quando e com quem se relacionar. Estes padrões (aqui relatados como a existência de uma relação exclusiva e diferenciados de uma equipe de trabalho) reforçam o funcionamento da equipe e de certa maneira regulam o comportamento dos seus membros. Isso possibilita aos integrantes da ECP alcançar uma maior autonomia, uma maior liberdade, no sentido dado por Foucault, que ao propor uma nova concepção de ética ressalta a importância da participação de cada membro na definição da norma, no seu cumprimento e na responsabilização pelos resultados.

Porque eu já tive experiência em ter pacientes da oncologia clínica internados aqui, por falta de vaga lá em baixo. E a abertura que se tem assim, não com todos, com alguns médicos do serviço de oncologia não é a mesma que a gente tem aqui. A gente aqui tem a liberdade de falar com o paciente, falar com o acompanhante certas coisas, quando o paciente está piorando. É uma outra, uma outra relação! S

Na realidade fazer parte de uma equipe reconhecida dentro de uma Instituição maior garante aos seus membros um lugar de acolhimento, de segurança e principalmente de reconhecimento pessoal. Isso porque de acordo com Bauman (2008, p. 181) “o terreno sobre o qual repousam nossas perspectivas de vida é reconhecidamente instável e movediço”... o que leva o as pessoas a buscarem segurança numa equipe que pode negociar por si mesma soluções para as discordâncias existenciais de cada um.

Aqui (ECP) foram as pessoas que mais me ampararam, foram as pessoas que me deram força e hoje eu sou um profissional que eu sou, pela experiência que eles me passaram. D

Eu acho que eu consegui, porque consegui respeito, não só respeito moral, profissional, ético e que confiavam em mim, muitas coisas que eu fiz lá foi em vista do grupo todo. M

Estas falas mostram que a ECP possibilita uma identidade forte de trabalho, onde a experiência de cada um, que se acumula ao longo do tempo, não perde seu valor, ao contrário gera admiração e respeito aos membros mais novos do grupo. Isso é mais um dos valores que a equipe transmite aos seus membros através das rotinas, que ao invés de decompor o trabalho, criam narrativas na vivência diária compondo elementos indispensáveis a vida profissional e pessoal de seus membros. O que faz a diferença na ECP,é tu estares inserido num grupo, numa equipe, num grupo de pessoas e tu querer fazer mais por aquilo ali, tu identificar quais são os pontos fortes e os fracos e o que a gente pode está fazendo pra melhorar, e sem sombra de duvida, isso me faz muito bem como pessoa, O trabalho em equipe me dá segurança, trabalhar nessa equipe me faz sentir uma pessoa útil, uma pessoa em busca para realizar os meus objetivos dentro de cuidados paliativos, a questão do cuidar, do estar próximo do outro B

O sociólogo americano Sennett (2001, p. 17) chama atenção para a situação inversa, quando o profissional moderno se depara com a perda da consciência de pertencimento institucional, que ao invés de dar um sentido ao seu trabalho provoca desorientação, criando nos ambientes profissionais dificuldades transicionais entre aquilo que se tem como conjunto de valores e aquilo que a sociedade impõe para a manutenção e continuidade do trabalho grupal. Assim, para lidar com a flexibilidade do mundo do trabalho e não se desorientar, o homem moderno busca nos grupos sociais, e aqui especificamente na ECP, um espaço para construir narrativas coerentes da sua vida, resgatando o elo entre o mundo do trabalho e os seus valores morais e éticos, como pode ser evidenciado na fala abaixo:

A qualidade de vida que a gente dá pro paciente aqui, eu acredito que é diferente, porque eu já vi em outros lugares, em outros hospitais não de cuidados paliativos, mas parece que eles não tratam o paciente como um ser humano, sabe, não se importam, não se colocam no lugar do paciente, e aqui em cima eu vejo que a gente faz muito isso, a gente se coloca no paciente pra poder trabalhar com ele. H

Existe também no trabalho desta equipe outras formas de senso de pertencimento que promove encontros, negociação, na tentativa de produzir respostas a necessidades de ordem não apenas técnica, mas também de ordem pessoal, uma vez que ao lidarem com pacientes fora de possibilidades terapêuticas os profissionais da ECP deparam-se com limitações da própria ciência e deles próprios.

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Dependendo do momento que eu tô, isso prá mim é muito difícil o processo de morte/morrer com eles (pacientes), e às vezes eu saio, quando eu não posso, me retiro, a gente faz isso, principalmente aqui do internato, não consegue, sai, e outro profissional ajuda, esse processo é muito difícil. Q Isso mostra que ao pertencer a uma equipe de trabalho o profissional tem também possibilidades não só de prestar um cuidado ao paciente, mas também cuidar-se de si e de seus colegas, porque ao pensar em si, ele pensa também no outro, no sentido foucaultiano. O profissional da ECP sabendo do que é capaz, sabendo distinguir quais as coisas que deve duvidar das que não deve, enfrenta a certeza da finitude, o medo da morte, a vulnerabilidade humana como parte da condição humana e assim repensa as atividades profissionais para além do labor na perspectiva de Arendt, e para além de uma mera atividade econômica.

Sempre penso assim, não dá prá ficar sempre os mesmos cuidando, então, sai aquele e entra aquele que a gente acha que tá um pouquinho melhor, nunca se está bem para cuidar, da morte do outro. Se consegue fazer isso, mas também porque a gente tem uma certa experiência, isso com os anos a gente foi aprendendo a nos cuidar, nos cuidarmos, assim, como equipe porque tem pessoas que não conseguem, porque não que ela não quer, ela ainda não tá preparada, nunca ninguém tá preparado, mas não tá ainda um pouco madura prá isso, com anos, que permite fazer isso. Q

Essa preocupação de não restringir a vida humana à vida profissional possibilitando o entrelaçamento entre uma ética do cuidado de si e uma ética da amizade é assinalada por Foucault por trazer uma nova perspectiva às relações intersubjetivas contemporâneas. Assim nas atividades diárias da ECP o cuidado de si permite ocupar um lugar conveniente para se transmitir um conhecimento ou manter relações de amizade.