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Abordamos, no capítulo anterior, os critérios condicionadores do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, percebendo-se que um dos critérios é a centralidade na família, por meio das ações sócio-educativas e de geração de trabalho e renda.

Questionamos aqui, até que ponto a proposta de um processo de emancipação contida no Manual de Orientação do PETI (MPAS, 2002), possa ser operacionalizada para a sustentabilidade das famílias envolvidas no programa.

O cotidiano dessas famílias que se mantinham no lixo, despossuídos dos meios de sobrevivência, sendo essa a única forma de sobreviver para si e para os seus filhos, viam no lixo o seu trabalho, como afirma FALEIROS:

As famílias pobres e exploradas buscam sobreviver na desigualdade, através do trabalho. O trabalho da criança e do adolescente constitui um dos recursos que as famílias pobres utilizam para aumentar sua renda, e como mecanismo social para enfrentar emergência e situações de agravamento da subsistência. Isto acontece, por exemplo em casos de invalidez, acidente, separação, desemprego e doença. Estas situações devem ser entendidas não como resultantes de dramas ou histórias isoladas e individuais das famílias pobres, mas como parte da história social da exploração. (FALEIROS, 1987, p. 7).

Este é o panorama perverso no modo de produção capitalista, que cria uma grande massa de excluídos, que passa a sobreviver numa condição sem cidadania, sendo-lhes negados os direitos básicos de sobrevivência. Pois, à proporção que aumenta a indigência da população, as famílias pobres se vêem sem condições de manter em si e seus filhos, utilizando assim a força de trabalho dos mesmos, buscando o aumento da renda familiar.

Na verdade, o que se percebe é que essas famílias encontram-se em um mundo limitado, onde a liberdade, inerente ao ser humano, é castrada, interrompida, pela miséria, pela exclusão ou pela inclusão precarizada, sem acesso às suas necessidades básicas e que, para sobreviver, para continuar existindo, se submetem a utilizar os seus filhos como uma agregação à renda familiar, para não morrerem de fome.

No enfrentamento dessas famílias beneficiadas pelo PETI, na ruptura da saída do lixão, como um dos critérios para assegurar seus filhos no Programa, é demonstrado, nas suas falas, o resultado que o PETI trouxe para as mesmas:

Entrevistado M6:

Ele trouxe muita coisa de bom para mim, porque eu vivia dentro do lixão com os meus filhos (começa a chorar ).

Trouxe muito de bom pra mim, educação pros meus filhos, só ter tirado os meus filhos daquele lixão...

Entrevistado M8:

Trouxe boas coisas pra mim e meus filhos, porque antes a gente vivia de lixão, passava a maior dificuldade, mas não é tanto, pelo menos hoje passo a noite em casa, antes vivia no lixo de dia a noite aí veio o PETI, veio a ajuda e ajuda de lá. Eu vivo de uma carroça de dia.

A mãe de um adolescente, entrevistado M9 que se encontra no PETI há mais de três anos acrescenta:

No lixão quando eles trabalhavam os ... chegavam tudo sujo chupando aquelas laranjas lá de cima. Era vida aperreada, né? Hoje em dia também trabalhava meu filho mais velho, tem vinte e sete anos, o pai foi embora e a gente fiquemos lá né? Pra arranja um emprego, trabalho melhor pra eles. Aí eu fui sair do lixo e eles ficaram ai quando teve essa, esse, como é que chama? Esse programa aí? Ai eu vim colocar meus filhos através do lixão, fui eu, também arranjei faxina e ai sai de lá do lixão, ai meus filhos ficaram aqui, eu acho muito bom, é o canto que eles ficam a vontade, eu não to preocupada em casa, né? Eu sei que eles não estão arriscando a vida lá em cima se cortando, cortava os pés, chegava em casa chorando com os pés, com os pés cortado. Lá vou limpar agoniada e achei muito melhor ter saído lá de cima.

O que se observa nas entrevistas com as famílias dos usuários do PETI, é que este programa emerge para essas famílias como uma “tábua de salvação” para os seus problemas, tanto na ordem econômica como na formação e na orientação dos seus filhos. A realidade é que, segundo as famílias, o Programa, “bem” ou “mal” vem mantendo, pela aquisição da Bolsa Cidadão, que as mesmas recebem mensalmente, para assegurar as crianças e os adolescentes no programa. Como expressa o entrevistado M10, mãe de dois filhos no PETI.

Pra mim tá boa (Bolsa) porque aí eu não tenho ganho, meu marido também é desempregado então a gente passa dificuldade porque a gente é humilde e a gente não tem ganho nenhum mas aí quando recebo o dinheirinho do PETI eu pago uma conta aqui, outra ali, minhas contas é dez reais, vinte reais, é quinze e aí o que eu fico dá pra comprar um bujão, uma roupinha pra um, pra outro.

A idéia do governo brasileiro de implantar um programa como o PETI, que atuasse diretamente nas condições econômicas e sociais das famílias vulnerabilizadas,

como estratégia de resgate das crianças e dos adolescentes (pela eliminação do trabalho infantil) à inserção na rede escolar, remonta a discussões ocorridas já na metade da década de 80, no interior dos movimentos sociais, envolvidos na luta pela defesa das crianças e adolescentes, posteriormente com assento no Conselho de Direito de Defesa da Criança e do Adolescente.

Dado essa experiência pesquisada no Núcleo de Cidade Nova, junto às crianças e os adolescentes que se encontravam nas situações de trabalho, vem configurar que a construção do ser social passaria obrigatoriamente, por alterações nas condições econômicas e sociais das famílias.

Pressente-se, assim, que as populações pobres ou miseráveis (aquelas que se encontram abaixo do índice de pobreza, que recebem em torno de 1 dolar/dia) encontram-se em ínfimas condições de vida.

Ao fazermos esta colocação e aprofundando nossa análise observamos que não se pode pensar Programas descolados de Políticas Públicas não compensatórias, que pense o homem integral – na sua formação profissional, no trabalho, na saúde, na moradia e lazer. Enfim, Políticas afirmativas.

Nessa direção, como aborda, Padilha (2005 p. 26):

O PETI reproduz, incorpora e apresenta traços dos Programas tradicionais de combate à pobreza no Brasil, tais como: a focalização, a seletividade e o caráter temporário. Incorpora, também, o caráter compensatório, não estruturador, em oposição à construção de políticas universais e permanentes, cujo critério de elegibilidade é a retirada das crianças e adolescentes do trabalho precoce.

Nesta perspectiva é necessário que as Políticas Públicas se articulem à econômica, enfatizando a questão agrária, a social e a de educação, em suas dimensões específicas, para que assim possa ser pensado o homem, no campo ou na cidade, no seu processo de conquista ao acesso dos bens e direitos que lhes são suprimidos e/ ou negados.

Partindo dessa compreensão, se reconhece a necessidade de intervenção direta nas condições de pobreza familiar, considerando-se a urgência de programas de geração de trabalho e renda para essas famílias. Que sejam garantidos a educação para as crianças. Que se possa gerar empregos, e não mais renda alternativa para a

família. Que se possa repensar Políticas que conduzam às transformações sócio- econômicas.

Como Política compensatória o que se observa (com base nas entrevistas junto às famílias dos usuários), é que o PETI é uma fonte de renda imprescindível para a sustentabilidade econômica de suas famílias. Entretanto, tem-se que refletir; até quando essa situação, em termos gerais, pode ser sustentada; pensemos nos termos da questão, em suas múltiplas implicações. Após a saída do adolescente do PETI, o que fazer? Observemos o que expressam as mães, o entrevistado M4:

É porque é um dinheiro da gente, é um dinheirinho garantido né? A gente pelos anos que a gente recebe pelo PETI já era pra ter tido um aumento, a gente nunca teve. Os filhos da gente se forma, sai do PETI e agente não tem aumento”.

e o entrevistado M11

Ta melhor no sentido assim, quando sai essa bolsa pra eles né? Aí eles ficam tudo alegre compram uma roupa, ajuda financeira pra família assim quando saí compra uma cama, um colchão, é que eles não tinha né? Hoje eles tem.

Quanto à questão pautada no critério de permanência da família no programa, na participação em programas e projetos de qualificação profissional e de geração de trabalho e renda oferecidos, as mães colocam-se assim:

Entrevistado M12:

Esse caso que eu to dizendo aí eu vou pro curso um mês, dois mês de curso aí não to garantido nada, né? Eu vou mais eu vou me aperriá em casa mais do que eu me aperreio, ia passar mais dificuldade do que já passo porque na rua eu arranjo ou pouco ou muito em cima da carroça e o curso ia me atrapalhar.

Entrevistado M13:

Não , como? Curso? É? Não, não fui não porque na época que tava havendo curso eu tava na seletiva, tava na coleta seletiva na rua, aí muito difícil porque eu passava o dia todo ficava na rua só chegava à tarde, aí depois eu comecei mas não dava pra eu terminar porque eu ficava com ela (filha pequena).

O entrevistado M14 acrescenta que:

Não, eu me inscrevi no curso de camareira mas parece que não tinha professor.

No caso de programas de geração e ocupação de renda existentes no PETI, a sua implantação em âmbito municipal, fica muito a desejar, no sentido de fornecer elementos que levem a uma reflexão e permitam a formação de uma consciência crítica por parte dos usuários do programa, em relação aos seus problemas e à limitação no atendimento às suas necessidades básicas. Percebe-se a deficiência de programas voltados para a formação profissional dessas famílias.

Essa conjuntura nos faz refletir sobre a estruturação do sistema de Proteção Social, no Brasil; o Estado foi o articulador dos processos de reorganização da dinâmica e de desenvolvimento social promovidos a partir dos anos 1930, como aborda Fleury (1993):

A ausência de uma burguesia capaz de hegemonizar o processo de transição política e de suportar economicamente a industrialização substitutiva levou o Estado a assumir uma posição central na composição do pacto de poder capaz de viabilizar um novo modelo de desenvolvimento nacional. (FLEURY, 1993, p. 181)

Na perspectiva dessa autora, o Estado tomou para si a tarefa de prover, além das condições econômicas necessárias à reorganização da dinâmica produtiva, a outra face desse movimento, ou seja, a rearticulação das estruturas sociais compatíveis com o processo de acumulação, a partir de então, presidido pela industrialização. Com esse propósito, no dizer de Guilherme Wanderley dos Santos o Estado implementou políticas de incorporação e atendimento às demandas do trabalho, de maneira que o potencial redistributivo de sua relação conflituosa com o capital, não comprometesse o processo de acumulação (SANTOS, 1979).

A insuficiência das políticas sociais e do alcance redistributivo, especialmente no âmbito da educação, e da assistência social, e a estruturação do sistema previdenciário, na perspectiva da cidadania regulada e ratificador da distribuição primária de renda, travaram o desenvolvimento social pelos determinantes impostos

pela política salarial e pelo grau de formalização do mercado de trabalho. Assim, a despeito da expansão do Sistema de Proteção Social, entre anos os de 1960 e 1980, os mais pobres tiveram sua participação na renda nacional diminuída de 3,9% para 2,8%, enquanto os mais ricos passaram de uma participação de 39,6% para 50,9%. (POCHMANN, 2003)

Em termos de conquistas trabalhistas, no tocante às relações de trabalho, a equidade no tratamento legal para trabalhadores urbanos, inclusive avulsos e rurais; e a criação do seguro-desemprego foram ocorrências de maior importância.

A Constituição de 1988 unificou, sob a rubrica Seguridade Social, o conjunto de políticas públicas destinadas a ‘assegurar’ os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A Assistência Social, prestada “a quem dela necessitar, independentemente de contribuição”, tem, por objetivos constitucionalmente definidos; a proteção à família, maternidade, infância, adolescência e à velhice; ao amparo às crianças e aos adolescentes carentes; à promoção de integração no mercado de trabalho, à habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e à garantia de um salário mínimo, de benefício mensal, para a pessoa portadora de deficiência e idoso que comprovem não possuir meios de manter a sua própria subsistência. (BRASIL, 1988).

Nesse contexto, as famílias dos usuários do PETI, do Núcleo Social de Cidade Nova encontram-se nesse patamar de atenção, com a proteção social garantidos na Constituição e Lei Orgânica de Assistência Social.

No tocante a programas de capacitação de adultos para o trabalho e à geração de renda prevista no PETI, verifica-se que a política de combate à pobreza deveria ter sido vinculada ao então Plano Nacional de Educação Profissional – PLANFOR, coordenado pelo Governo Federal, que foi encerrado em 2003, e atualmente existe como Plano Nacional de Qualificação – PNQ. Avaliamos, em nossa pesquisa, a inexistência de uma política definida ao atendimento, pela incorporação dessas famílias em ocupações e a geração de renda.

Nesta direção, apreendemos, da entrevista com a assistente social do Programa que:

Acreditamos que algumas ações precisam ser implementadas para o bem estar das famílias. Consideramos que existiram mudanças muito significativas em relação à questão do trabalho infanto juvenil, pois os responsáveis, mostraram-se comprometidos com os critérios do Programa. Foram bastante assíduos ao encontros e reuniões. No entanto, faltam cursos de qualificação profissional destinado a uma especialização de uma clientela com quase nenhuma qualificação, que busca a inserção no mercado de trabalho, e isso, na maioria das vezes, acontece de maneira informal, com baixos salários e péssimas condições de trabalho.

Acrescenta ainda, a assistente social, que:

Alguns cursos de qualificação profissional já vem sendo oferecidos pelo PETI às famílias e os resultados vem sendo bons. Faltam ações que implementem a atuação no mercado da mão-de-obra, que foi qualificada através de incentivos, como por exemplo, o micro crédito e o trabalho em sistema de cooperativas.

Os depoimentos acima revelam a falta de uma Política mais efetiva que leve em conta o planejamento de cursos de acordo com as demandas e a viabilidade econômica do mercado de trabalho, que garanta o acesso dessas famílias à uma ocupação que garanta uma renda digna. Torna-se difícil para um pai ou uma mãe de família que vive de uma atividade diária na informalidade, poder acessar um curso, quando não tem a garantia de sua sobrevivência.

A situação vivenciada pelas famílias dos adolescentes que se encontram no PETI, vê-se agravada pela baixa escolaridade, não alcançando o grau de instrução exigido pelos cursos de capacitação.

Um outro aspecto que exige reflexão e que se observa, é que cursos são ofertados sem condições de viabilizar ou possibilitar perspectivas de trabalho, ou que proporcione alguma melhoria de renda.

No item a seguir, por aproximações ao objeto de estudo, trazemos à tona aspectos convergentes que perpassam a realidade com questionamentos que necessariamente não têm respostas, mas que podem levar a novos questionamentos diante da dura realidade vivenciada pelas populações que sobrevivem no limiar da exclusão, ou seja em um processo de inclusão social precarizada.