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Os manuais sobre o restauro de obras de arte surgem, principalmente, a partir do século XIX, em simultâneo com o aparecimento dos manuais do coleccionador1 e dos catálogos de peças, quando as casas de leiloeiros se difundem e se verifica a venda de grandes colecções.2

Constituem uma fonte de informação preciosa que nos permite avaliar a evolução do tema aqui tratado. A importância atribuída à aparência estética das peças no meio do coleccionismo resulta, em última instância, na adopção das práticas perfeccionistas. Nestas circunstâncias, a limpeza e o retoque de obras de arte, são os aspectos mais tratados pelos manuais. Destinados sobretudo ao coleccionador3 – que precisava de estar atento à qualidade das peças no momento

da aquisição e que necessitava de saber como preservar e conservar a sua própria colecção – estas obras versam, muitas vezes, simultaneamente, sobre pintura e a obra de arte em papel com destaque para a gravura. Nesta perspectiva, a remoção de manchas e nódoas nas obras de arte em papel corresponde à remoção do verniz nas pinturas, enquanto a selecção de papéis idênticos ao original para preenchimento de lacunas e a reconstrução da mancha gráfica nas obras em papel, corresponde à colocação de massas e ao retoque na pintura. Não obstante, assiste-se a uma diferenciação evidente entre o restauro de pintura e o restauro da obra de arte em papel: se no primeiro caso os procedimentos de limpeza e reconstrução foram vistos como essenciais à recuperação da forma original; no segundo, tal como foi referido no anterior capítulo, a limpeza justificou um debate aceso e o retoque excessivo foi criticado.4 Assim, no caso de obra em papel

assiste-se a procedimentos mais invasivos, considerados hoje um desrespeito à autenticidade das peças, apesar de se notar também a preocupação de recuperação da “harmonia do conjunto” (presente também na pintura), consubstanciada no tingimento geral da obra após o branqueamento excessivo.

1Ver, por exemplo, G. Cumberland, An Essay on the Utility of Collecting the Best Works of the Ancient Engravers of the Italian School: Accompanied by a Critical Catalogue… a Chronological Series of Rare and Valuable Prints, from the Earliest Practice of the Art in Italy to the Year…. (London: W. Nicol, 1827); J. Marberly, The Print Collector: An Introduction to the Knowledge Necessary for Forming a Collection of Ancient Prints… Remarks on the Ancient and Modern Practice of the Art and a Catalogue Raisonn of ooks (London: Landers & Otley, 1844); W. H. Willshire, An Introduction to the Study and Collection of the Ancient Prints (London: Ellis & White, 1874); J. H. Slater, Engravings and their Value: A Guide for the Print Collector (London, L. Upcott Gill, 1891).

2Tina Grette Poulsson, Retouching of Art on Paper (London: Archetype, 2008), 18. Ver ainda Mark Stevenson, “The Treatment of Prints: A History,” in Symposium 88 - Conservation of Historic and Artistic Works on Paper (Ottawa: Canadian Conservation Institute, 1994), 134.

3Bryan Clarke, “Searching for Evidence of 19th Century Print Restoration,” in Past Practice-Future Prospects, ed. Andrew Oddy and Sandra Smith, The British Museum Occasional Paper 145 (London: The British Museum Press, 2001), 18.

4Ver, por exemplo, Thomas Richard Beaufort, Pictures & How to Clean Them: To Which Are Added Notes on

Things Useful in Restoration Work (London: John Lane, 1926), 14, 20; Maurice James Gunn, Print Restoration and

Picture Cleaning: An Illustrated Practical Guide to the Restoration of all kinds of Prints.... (London: L. Upcott Gill, 1911), 128-29; Manuel de Macedo, Restauração de quadros e gravuras (Lisboa: David Corazzi, 1885), 6-11. Ver ainda Mark Stevenson, “Print Restoration in Northern Europe: Development, Traditions, and Literature from the Late Renaissance to the 1930’s,” in Conservation Research 1995, Studies in the History of Art 51 (Washington, DC: National Gallery of Art, 1995), 110-30.

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À época, a obra que melhor revela o ideal de restauro e a prática do amador sobre as obras de arte em papel é o tratado de Bonnardot (1808-1884).5 Sendo um coleccionador exímio,

em meados do século XIX, decide abordar, de forma exaustiva, o tema do restauro de obras de arte em papel, incluindo ainda na sua obra um suplemento sobre o livro raro. A sua publicação representa uma excepção, não só pela exclusividade dada ao tratamento de obras em papel, mas porque este autor, num processo de reflexão crítica, explica as reacções químicas envolvidas nos procedimentos, compara diferentes métodos, alerta para os vários riscos, e preocupa-se em justificar as opções recomendadas, de acordo com princípios deontológicos. Efectivamente, os textos coevos, não acrescentam nada de novo e são lacónicos neste último aspecto, o que transformou este manual, naturalmente, numa obra de referência.6

Os tratamentos de limpeza e branqueamento das manchas e nódoas no papel, vistos como a forma de melhorar a aparência das obras mas exigindo conhecimentos de química, são amplamente descritos e comentados por Bonnardot. Tendo frequentado aulas de química com cientistas reconhecidos,7 é prudente nas suas recomendações e descreve, pormenorizadamente,

todos os passos necessários para proceder às diferentes operações, dedicando cinco capítulos a esta temática: um ao branqueamento, três à remoção de manchas de diferente natureza e um último à descoloração de gravuras, pois considera a coloração posterior da gravura uma forma de mancha. Atento aos danos provocados pelo branqueamento excessivo,8 estabelece

comparações entre diferentes métodos e produtos, referindo-os exaustivamente, desde o aproveitamento da luz solar (uma pratica antiga amplamente utilizada nos têxteis),9 ao cloro gasoso, na linha dos ensinamentos de Chaptal (1756-1832)10 e aos banhos com diferentes

soluções: o cloreto de cálcio, o hipoclorito e cloreto de potássio (eau de Javel), o ácido clorídrico, o peróxido de hidrogénio, o amoníaco, etc. Para os casos extremos, refere a possibilidade de utilização de substâncias alcalinas diluídas em água que actuem por saponificação, como o hidróxido de potássio, de cálcio e de sódio e o amoníaco, mas sempre de

5Alfred Bonnardot, Essai sur l'art de restaurer les estampes et les livres; ou rait sur les meilleurs proc d s pour blanchir d tacher d colorier r parer et conser er les estampes li res et dessins…, 2e éd., refondue et augm. (Paris: Castel, 1858).

6Este manual é frequentemente referido e até, parcialmente, transcrito por diversos autores. Além de Macedo, já aqui mencionado, podemos ainda referir: Édouard Rouveyre, Connaissances necessaires à un Bibliophile:

Accompagnées de notes critiques et de documents bibliographiques (Paris: Édouard Rouveyre, 1899); Mitchell

Starrett Buck, Book Repair and Restoration... Including some ranslated Sections from Essai sur l’art de restaurer

les estampes et les livres, par A. Bonnardot, etc. (Philadelphia: N. L. Brown, 1918); e, Mario Morgana, Restauro dei

libri antichi (Milano: Ulrico Hoepli, 1932).

7O autor estudou com Louis Jacques Thénard e Joseph Louis Gay-Lussac. Ver Bonnardot, Essai sur l'art de restaurer les estampes et les livres, 2.

8Bonnardot, Essai sur l'art de restaurer les estampes et les livres, 1-2. 9Stevenson, “The Treatment of Prints,” 137.

10Jean-Antoine Chaptal, químico, tendo apresentado o método de branqueamento à Academia de Ciências de

Paris, em 1787, é autor de vários trabalhos sobre a matéria, nomeadamente, Élémens de chymie, 2e éd., 3 vols. (Paris:

Déterville, 1795). Ver também R. O'Reilly, Essai sur le blanchiment, avec la description de la nouvelle méthode de

blanchir par la vapeur, d'après le procédé du citoyen Chaptal, et son application aux arts (Paris: De l'impr. et au

bureau des Annales des arts et manufactures, 1801); Bonnardot, Essai sur l'art de restaurer les estampes et les livres, 274; Morgana, Restauro dei libri antichi, 5. Ver ainda, Wikipédia, A enciclopédia livre, s.v. “Chaptal, Jean-Antoine,” http://pt.wikipedia.org/wiki/Chaptal wikipedia.org/wiki/Jean-Antoine_Chaptal (acesso em 5 Nov. 2009).

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forma cautelosa. Especificamente para as manchas de gordura e óleo, além de antigas receitas, tais como o fosfato de cálcio proveniente de ossos moídos,11 as argilas e a cinza de madeira,

advoga o uso de solventes orgânicos, aquecidos em banho-maria, tais como o álcool, o éter e a essência de terebintina,12 de acordo com a metodologia proposta por John Imison (?-1788),13

referindo ainda a benzina como um outro produto, menos conhecido, mas eficaz em certas situações. Porém, chama a atenção para o facto de ser impossível retirar as manchas completamente, sem alterar o papel ou o negro da impressão.14

Como homem do seu tempo, admira os restauros invisíveis e a perfeição na intervenção, baseando-se na sua própria experiência e prática. Ao observar um restauro mimético realizado por um pintor de miniatura, conclui que esse trabalho é irrepreensível e exigiu “muito gosto, arte, talento e paciência.”15 Definindo a “reparação” como a parte cirúrgica da actividade de

restauro, recomenda práticas como a utilização de pasta de papel para as pequenas lacunas, apesar da lentidão do processo, ou de um papel o mais idêntico possível ao da gravura para as lacunas de maiores dimensões, concebendo a hipótese de utilização do papel da própria gravura se o tamanho das margens o permitir, ou fragmentos impressos de outras gravuras. Também é recomendada a raspagem das margens do acrescento de forma a ocultar, o melhor possível, a linha de junção entre o original e o restauro,16 assim como o tingimento do papel para

uniformização da tonalidade geral no caso de zonas excessivamente branqueadas. No caso de presença de manchas difíceis de eliminar em obras delicadas como os pastéis ou guaches recomenda a remoção mecânica da área manchada e a sua reintegração, desde que se possua “a habilidade necessária.”17Também aconselha o retoque e o repinte, sugerindo que se proceda à

reconstituição da mancha gráfica em falta por via do decalque, mas, realçando as vantagens do restaurador possuir “mão de artista” e ser capaz de garantir a imitação, consubstanciada na “junção perfeita” entre o novo e o original.18Seguindo para os livros antigos o mesmo padrão

estético aplicado às gravuras, sugere procedimentos idênticos. Incita à reconstituição do texto em falta, também pelo método de decalque, e aconselha que se proceda à regularização das margens do bloco do texto, bem como ao seu acrescento, através de reintegração com um papel o mais idêntico possível, sempre que, por descuido de um mau encadernador, tenham sido indevidamente aparados.19

11Uma indicação que vem desde a segunda metade do século XVI. Ver Stevenson, “The Treatment of Prints,” 136. 12Bonnardot, Essai sur l'art de restaurer les estampes et les livres, 21-34, 52-55.

13John Imison, Elements of Science and Art: Being a Familiar Introduction to Natural Philosophy and Chemistry; Together with their Application to a Variety of Elegant and Useful Arts, new ed. enlarged by T. Webster, vol. 2 (London, 1822), 132, http://www.archive.org/details/elementsofscienc02imisrich (acesso em 5 Nov. 2009).

14Bonnardot, Essai sur l'art de restaurer les estampes et les livres, 65, 68. 15Ibid., 141.

16Ibid., 132-33, 138-40, 167. 17Ibid., 198.

18Ibid., 135-36, 138, 143, 167-69.

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Bonnardot tece considerações de carácter ético que permanecem actuais, o que reforça a singularidade do seu tratado. Reprovando o secretismo de certos operacionais,20 recomenda que

se inicie os tratamentos pelos métodos mais inofensivos, aplicados paulatinamente. Na limpeza, recomenda a lavagem com água fria e pura e aconselha que os tratamentos mais arriscados, com produtos químicos ofensivos, sejam utilizados apenas localmente. Reforçando a necessidade de reflexão prévia, alerta para o facto de muitas das acções, habitualmente realizadas, serem desnecessárias ou impróprias. Assim, de entre essas destaca o reforço e consolidação total do verso da gravura sem prever a eventual necessidade de reversão posterior do processo, bem como a remoção de inscrições e da pátina, procedimento que põe em causa o percurso histórico da peça. Nesta medida, chama a atenção para a necessidade de avaliar, cuidadosamente, a natureza das manchas e nódoas, distinguindo entre nódoas por negligência pura e outro tipo de matéria adicionada que pode constituir um vestígio relevante do ponto de vista histórico.21

Como veremos a seguir, os restantes autores que na altura tratam o tema (de Lucanus e Ris-Paquot a Gunn e Beaufort, passando por Macedo), não são tão exaustivos nas suas observações e explicações, mas, em geral, recomendam o mesmo tipo de métodos e produtos, seguindo princípios idênticos. Porém, fazem-no por comparação à pintura, evidenciando a diferença de abordagens nos dois casos.

São várias as razões que concorrem para a diferença de estatuto entre as obras de arte em papel e a pintura, desde a questão material, baseada na diferença entre materiais perecíveis e materiais nobres, sendo os primeiros mais comuns e mais fáceis de manipular; à questão da concepção, constituindo as primeiras, muitas vezes, simples estudos preparatórios para a concretização de obras mais elaboradas. No caso específico da gravura existem, ainda, outros factores a considerar: o número de reproduções existentes que lhes retira o estatuto de obra de arte única; o problema da autoria, pois a peça pode ser concebida por um pintor reconhecido mas, habitualmente, é gravada e impressa por um simples artífice, etc. Na realidade, pode-se considerar que a obra de arte em papel, em termos de estatuto, está a meio caminho entre o “monumento” e o “artefacto” ao poder ser concebida pelos grandes mestres mas ser executada pelo gravador ou, simplesmente, por poder constituir uma obra inacabada. Porém, não interessa aqui desenvolver esta problemática; interessa sim, sublinhar os sinais visíveis da apropriação e aplicação das filosofias de restauro adoptadas na arquitectura à pintura, algo que não se passa com os documentos gráficos e que coloca, desde logo, o restaurador de cada um destes diferentes materiais em patamares desiguais.

20Ibid., 38n1, 64-65.

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Efectivamente, a distinção criada entre pintura e gravura baseou-se na convicção de que para restaurar as obras dos grandes mestres era necessário estudar e interiorizar a forma como esses pintores concebiam a obra de arte. Só assim se pode compreender a ênfase colocada pelos autores dos manuais nos dotes artísticos do restaurador, ao mesmo tempo que esperam que ele abdique dos seus dotes criativos. Esta visão que é partilhada por diversos autores que escrevem sobre o restauro de pintura, tal como vimos nos anteriores capítulos,22 coincide, em termos de

teoria de restauro, com as ideias preconizadas por Viollet-le-Duc, cujo impacto não se limitou pois ao património imóvel. Como consequência desta ideia, o restauro de pintura exige dotes artísticos particulares, conhecimentos aprofundados e rigor, enquanto o restauro de obras de arte em papel é considerado, genericamente, mais fácil de realizar, não exigindo uma formação específica e podendo ser realizada pelo simples amador-coleccionador.

Lucanus, autor do início do século XIX,23 que publica um dos manuais mais difundidos

sobre o restauro de obras de arte, no caso da intervenção em pintura, recomenda “mão certeira” e restrição às zonas realmente danificadas, evitando-se cobrir toda a área para disfarçar o retoque. Já no caso do papel, tal como Bonnardot, quanto ao disfarce das manchas e remoção das nódoas, sem dúvida um dos assuntos mais desenvolvidos pelos manuais, o autor recomenda a utilização de produtos químicos, apesar de alertar para o perigo e risco que representam, nomeadamente num material frágil como o papel. Quando a utilização de produtos químicos se mostre ineficaz na remoção de manchas renitentes, recomenda a acção mecânica, por raspagem, seguida do retoque, devendo-se para o efeito humedecer a área envolvente de modo a conseguir um bom disfarce e uma reintegração exemplar. Lucanus, recomenda ainda que os restauros sejam realizados com papel semelhante ao original na tonalidade, espessura e textura, devendo as reintegrações possuir margens irregulares para que não se forme, entre o original e o acrescento, um traço visível. As falhas devem ser preenchidas e tingidas com pigmentos, guaches ou crayons e as linhas da imagem em falta refeitas, tudo concorrendo para a intervenção invisível e perfeita.24

Nas duas obras que publica sobre o tema com mais de uma década de permeio, Ris- Paquot reafirma em ambas a mesma ideia. Na Arte do restaurador, relativamente à pintura, ele diz-nos que com os seus conselhos pretende munir o amador dos instrumentos necessários para que este possa velar pela conservação dos seus quadros e controlar, com segurança, os restauros realizados por outros, evitando assim que as obras de arte dos séculos passados sofram quando

22Ver Simon Horsin-Déon, De la conservation et de la restauration des tableaux (Paris: Chez Hector Bossange, 1851), 115.

23A sua primeira obra sobre o tema é de 1918.

24Fr. G. H. Lucanus, Die Praxis des Restaurators: Vollständige Anleitung zur Erhaltung, Reinigung und Wiederherstellung von Gemälden, Aquarellen, Kupferstichen, etc., [5. Aufl./ ... neu bearbeitet von Hans Böhm] ([Leipzig]: [Zentralantiquariat der DDR], c1982), 54-55, 77-79, 81-87. Publicado originalmente: Halberstadt: Schönherr, 1929. Ver ainda Poulsson, Retouching of Art on Paper, 27-28.

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entregues a “mão inábil.” Já relativamente ao tratamento de gravuras, afirma que, com os seus ensinamentos, o amador poderá, ele próprio, restabelecer e reconstruir peças perdidas dos grandes mestres.25 No Guia prático, Ris-Paquot esclarece este aspecto, afirmando,

objectivamente, que o seu manual, naquilo que versa a execução do restauro de pintura, não se destina a amadores, pois o trabalho “aparentemente simples do ofício de restauro é extremamente delicado e exige uma grande prática.”26 No caso da gravura, o seu intuito é,

novamente, dar a conhecer os processos através dos quais uma “preciosa gravura” pode ser recuperada, pois “o amador priva-se por vezes de obras raras” por não saber como “remediar o mal.”27Dividindo ainda a actividade de restauro de pintura em duas partes, uma ligada ao ofício

e a outra à arte, a segunda só pode ser realizada pelo bom restaurador que tem que possuir o génio do artista. O restaurador é assim chamado a identificar-se com o mestre e a partilhar “o sentimento que fez nascer a obra,”28 num exercício de abnegação total, necessário à

“reconstituição da obra no seu estado primitivo.”29 Atento aos perigos, para a pintura, de muitos

dos produtos químicos em uso, nomeadamente os ácidos corrosivos e as soluções alcalinas, o autor também não deixa de recomendar a sua utilização no caso da gravura. Segundo ele, a remoção de reforços e antigos restauros podia ser feita com água fria, enquanto a limpeza deveria ser feita com água a ferver acrescida, em certos casos, da exposição solar, ou da aplicação de substâncias como o cloreto de cálcio. Admite, no entanto, que os tratamentos propostos causem sempre algum dano à obra, aconselhando, por isso, a correcção da tonalidade geral do papel com um banho de tingimento e a sua reparação final. As reintegrações podiam ser realizadas com pasta de papel tingida, quando ocorressem pequenas falhas. No caso de lacunas maiores, sugere o uso de um papel o mais semelhante possível ao da gravura e o desbaste de ambas as margens, do papel de restauro e da gravura, para que a junção das duas partes seja completamente invisível. As lacunas assim preenchidas deviam depois ser retocadas e seria precisamente durante esta operação que o artesão daria lugar ao “artista,” pois do seu talento dependia a perfeição do retoque. Para quem não soubesse desenhar é sugerida a técnica do decalque sobre outra gravura e a possibilidade de recurso a gravuras incompletas para o trabalho de reintegração.30 No caso de manchas em aguarelas e guaches, que não podem ser

25Oscar Edmond Ris-Paquot, L’art de restaurer les tableaux anciens et modernes ainsi que les gra ures contenant la manière de les entretenir en parfait état de conservation…. (Amiens: Chez l’auteur, 1873), vii-viii, 58-59. 26Oscar Edmond Ris-Paquot, Guide pratique du restaurateur-amateur de tableaux, gravures, dessins, pastels, miniatures... reliures et livres, suivi de la manière de les entretenir en parfait état de conservation, planches hors-

texte, figures et monogrammes (Paris: Henri Laurens, 1890), 20.

27Ibid., 123. 28Ibid., 42. 29Ibid., 20-22, 136.

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sujeitos a lavagens, aconselha a remoção física e a reintegração com outro papel de qualidade, seguida do retoque.31

De igual modo, Macedo pretende habilitar o coleccionador e o amador “(…) a exercer vigilância inteligente sobre as operações empregadas pelo restaurador,” desaconselhando o “simples amador” a pôr em prática os processos indicados no seu manual para o tratamento de pinturas. Já relativamente à obra de arte em papel, “os expedientes empregados na limpeza e restauração das gravuras, são, pela sua maior facilidade relativa, mais acessíveis aos amadores.”32 Este autor, mencionado no anterior capítulo como responsável pelo único manual

conhecido sobre o tema, em língua portuguesa, fala-nos ainda dos danos que, por exemplo, o uso de sabão, mesmo em pequena quantidade, pode causar à pintura danificando totalmente as cores,33 mas no caso de obras em papel, indica-nos vários processos, entre os quais, a

mencionada água a ferver e as substâncias ácidas e alcalinas para a remoção de manchas. Também recomenda a correcção e uniformização do tom geral do papel, para disfarce das manchas mais resistentes ou para atenuar a “crueza do branco do papel,”34 após o

branqueamento das peças, nomeadamente com cloreto de cálcio. Relativamente ao retoque, não