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2 O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL: AS QUESTÕES DO FEDERALISMO E

2.1 PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E A ARTICULAÇÃO DO

O surgimento da discussão do planejamento educacional no Brasil começou na década de 1950, como decorrência da afirmada relação entre educação e desenvolvimento econômico e tomou impulso na década de 1960. Horta e Fávero (2014, p.502) destacam a Conferência de Punta del Este, em agosto de 1961 e a Conferência sobre Educação e Desenvolvimento Econômico na América Latina, realizada em Santiago do Chile, em março de 1962, como marcos importantes nessa discussão. Segundo os autores, em termos legais, a necessidade e a importância do planejamento na área da educação, no caso brasileiro, foram postos após a promulgação das primeiras Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4024/61). No entanto, só após a LDB – Lei n. 9394/96 passou-se a exigir dos estados a elaboração de planos de manutenção e expansão do ensino primário (atual Ensino Fundamental) e médio, para o recebimento dos recursos financeiros (HORTA, FÁVERO, 2014, p.502).

Araújo (2005, p.74), em sua tese de doutorado, discute a construção histórica e conceitual da relação entre Estado e Educação. Segundo essa autora, existe “certo consenso em torno da responsabilidade estatal na tarefa de educar”, no entanto, as formas pelas quais as esferas administrativas assumiram essa tarefa é uma das causas que dificultaria a constituição de um sistema nacional de educação. Essa distribuição de tarefas, incumbências é uma das características do pacto federativo brasileiro que iremos tratar neste tópico.

O Estado brasileiro possui um determinado regime e uma determinada forma de organização. A Constituição Federal brasileira de 1988 no art. 1º afirma que o nosso regime republicano tem a forma federativa “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal [...]. ” A palavra federação provém do latim e significa contrato, aliança, união, ato de unir-se por aliança e também se fiar, confiar-se, acreditar.

Assim, a federação política envolve entes federados unidos, formando uma entidade soberana chamada de Estado Nacional (CURY, 2010).

Abrucio (2010) conceitua federalismo como sendo uma forma de organização territorial do Estado e, como tal, tem enorme impacto na organização dos governos e na maneira como eles respondem às demandas dos cidadãos. Cury (2010, p. 151), por sua vez, ao se reportar especificamente à educação, completa dizendo que consequentemente ao federalismo, cabe apontar a existência de um sistema federal de educação que, distinto do nacional, mas sob as normas nacionais, abrange as instituições e as redes que estão sob a jurisdição direta da União. No entanto, o autor atenta para o não esquecimento do federalismo como forma de organização do Estado brasileiro, pois isso poderia prejudicar substancialmente a caracterização das análises das políticas educacionais.

Desse modo, a discussão sobre o federalismo no Brasil, na área da educação, está associada à discussão sobre centralização e descentralização do poder nas políticas, fruto da organização federada no estado brasileiro. Logo, faz-se necessário um breve resgate histórico sobre formação e desenvolvimento do federalismo brasileiro.

Datado na República Velha, o Federalismo originou-se de fato pelo descontentamento das províncias com o centralismo imperial, em termos políticos e financeiros, em prol da descentralização. Durante o período de colonização portuguesa não se conseguiu criar uma centralização político-administrativa que unisse e ordenasse todas as províncias do território brasileiro, a grande dimensão territorial era um fator de dificuldade. Assim:

Com a independência e mais especificamente com o Segundo Reinado, a solução imperial e unitária foi a vencedora, permitindo a formação de um Poder Central forte e evitando que o Brasil seguisse o caminho fragmentador da América hispânica. O legado do império foi, neste sentido, a manutenção da unidade territorial, a busca da constituição de um sentimento de nacionalidade e, acima de tudo, a criação de um duradouro consenso entre as elites a respeito da necessidade de uma efetiva autoridade central. (ABRUCIO, 1998, p. 31, grifo nosso).

Ou seja, o Brasil nasceu como um Estado unitário, mas que segundo Abrucio (2010, p.53), mesmo nessa estrutura, a definição dos papéis intergovernamentais foi importante para as políticas públicas e a educação é um bom exemplo disso:

O Império brasileiro optou desde a Lei Geral de 1827, pela seguinte divisão de funções: caberia às províncias responsabilidade pela educação primária, enquanto o poder central concentrou seus esforços no ensino superior. É bem verdade que a mesma legislação tinha um enfoque nacional e havia previsto a gratuidade da educação primária. Só que esta ficaria nas mãos dos governos

subnacionais, que tinham menos recursos tributários, menos autonomia político-administrativa (devido a forte centralização vigente) e, em especial eram administrados por oligarquias escravocratas pouco controladas publicamente e sem nenhum interesse em expandir a instrução para a maioria da população. (ABRUCIO, 2010, p.53)

Contudo aos poucos o Império ia chegando ao fim e o conflito entre centralização e descentralização do poder viria à tona na forma de reivindicações federativas (ABRUCIO, 1998). Então veio a Constituição de 1891, que definiu a nova ordem republicana, adotando a estrutura federativa. Segundo Cara (2012, p. 255) como modelo institucional e organizacional do Estado Nacional, o federalismo emergiu nos Estados Unidos da América (EUA) pela necessidade de substituir a débil Confederação das 13 ex-colônias britânicas.

Mesmo sabendo que os estados exportadores (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Pará e Amazonas) seriam os mais beneficiados na questão da autonomia financeira que o federalismo possibilitava, a questão da autonomia política foi a que impulsionou as províncias a se unirem, pois nesse aspecto poderia haver uma melhor equidade dos benefícios. “A autonomia política significava acabar com o controle que o poder Central tinha sobre as eleições locais e, sobretudo, garantir a eletividade dos antigos presidentes de província, transformados em governadores de estado” (ABRUCIO, 1998, p. 33). Esta independência adquirida, foi a base do federalismo brasileiro, a qual devemos entender que o controle político que o governador exercia sobre o poder local acontecia porque o poder federal ainda era muito frágil e a base legal da República Velha dava pouca autonomia política e financeira aos municípios, o que ocasionava em dependência política e econômica do poder local para com o governador (ABRUCIO, 1998).

O federalismo da Primeira República foi o reino das oligarquias, do patrimonialismo, do coronelismo e da ausência do povo no cenário político. Não conseguiu estabelecer uma relação de interdependência entre a União e os estados, pois havia um desequilíbrio federativo que contrapunha de um lado Minas Gerais e São Paulo contra uma União frágil frente a eles, e de outro, as outras unidades estaduais que mal podiam sobreviver sozinhas. Essas unidades recorriam ao auxílio do Tesouro federal, mas que na prática significava recorrer ao bloco do “café com leite” (ABRUCIO, 1998).

A reforma constitucional de 1926 aumentou o poder de intervenção da União nos estados, tornando mais equilibradas as relações intergovernamentais. Abrucio (1998, p.41) salienta que “a Revolução de 30, mesmo sendo um marco na centralização do Estado

brasileiro, não ficou imune às interferências regionais (dos grandes estados como São Paulo) que se adaptaram aos novos rumos tomados pela política”.

No período em que os militares estavam no poder, foi estabelecido um regime autoritário que centralizava o poder político e as decisões econômicas e administrativas. Atos Institucionais foram instituídos, entre eles AI-3 que tornava indireta a eleição para governador de estado. O Poder Central então possuía força nas suas decisões e restringia a autonomia federativa para fortalecer a União, dessa forma mantinha a unicidade de comando no Governo Federal, que Abrucio (1998, p.63) vai denominar o “modelo de relações intergovernamentais do regime militar de unionista-autoritário”. Segundo o autor, esse modelo possuía três pilares: o financeiro, o administrativo e o político.

Do lado financeiro, o modelo visava centralizar ao máximo as receitas tributárias nas mãos do Executivo Federal, dando-lhe controle quase que completo das transferências de recursos para os estados e municípios. O aspecto administrativo, por sua vez, objetivava uniformizar a atuação administrativa nos três níveis de governo, guiados pelo planejamento central. E, por fim, do ponto de vista político, o Governo Federal procurou controlar integralmente as eleições às governadorias, evitando que a oposição conquistasse as máquinas estaduais. (ABRUCIO, 1998, p. 63-64)

A evolução do federalismo passa por este modelo unionista, que funcionou até 1974, para o estadualista regime democrático. A partir disso, é restabelecido o poder dos estados, já no período de redemocratização do país. E, com a Constituição de 1988, foi estabelecido o contorno legal do federalismo estadualista. Segundo Cury (2010, p.158) faz-se, assim, uma escolha por um regime normativo e político, plural e descentralizado onde se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões.

Desse modo, entende-se a cooperação como esforço mútuo entre os entes federados e a participação supõe a abertura de novas arenas públicas de deliberação e mesmo de decisão (CURY, 2010). O autor explica que a Constituição de 1988 optou por um federalismo cooperativo sob a denominação de regime articulado de colaboração recíproca, descentralizado com funções privativas, comuns e concorrentes entre os entes federados, recusando tanto um federalismo centrífugo como centrípeto.

No que se refere à educação, o art. 211 da Constituição afirma que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”. Para Cury (2010), esse regime de colaboração recíproca supõe normas e

finalidades gerais, numa concepção articulada entre os sistemas que, segundo o autor, decorre também a exigência de um Plano Nacional de Educação (art. 214 da Constituição Federal).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96) também reforça a necessidade de um regime de colaboração, no entanto traz algumas atribuições aos entes federados, como no § 1º que diz que “caberá à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais”. Dessa forma, a LDB estabelece a função redistributiva à União, que para Cury (2011) representa se subordinar à função supletiva, ou seja, à uma assistência indefinida que dificulta a organização da política educacional.

2.2 O REGIME DE COLABORAÇÃO NO SISTEMA FEDERADO BRASILEIRO PÓS