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6 A PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS PROCESSOS DE ELABORAÇÃO DOS PLANOS

6.1   Plano Diretor 1968 174

Na década de 60, as cidades foram incentivadas a elaborar seus planos diretores seguindo política do Serfhau e Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo65. Em Bauru, a Prefeitura e o Centro de Pesquisa e Estudos Urbanísticos - CPEU66, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, firmaram convênio, em 28 de dezembro de 1966, para a "realização do Plano Diretor de Bauru visando o equacionamento dos problemas fundamentais da atual forma de ocupação do solo e a indicação das possíveis soluções" (BAURU, 1968, p. I.1).

Por solicitação do CPEU, o Prefeito Nuno de Assis, por meio da Lei Municipal nº 1.289 de 13 de janeiro de 1967, instituiu a Comissão do Plano Diretor do Município de Bauru e o Conselho Consultivo, cujas atribuições definidas no artigo 5º.67 demonstram a preocupação com o envolvimento da comunidade local no processo de elaboração do plano, sob orientação do CPEU.

A Comissão Técnica e o Conselho Consultivo foram nomeados por Portaria do Prefeito em 28 de fevereiro de 1967. Esse quadro era composto por 48 representantes de diversos órgãos públicos municipais, estaduais e federais; associações de classe, clubes de serviço, vereadores, SENAI, SESI e SENAC, coordenados por um engenheiro. Não há registro da participação popular em nenhuma etapa de elaboração do plano diretor.

Quando a Comissão Técnica e o Conselho Consultivo tomaram posse, em junho de 1967, os trabalhos do Plano Diretor já se encontravam em desenvolvimento pela equipe do CPEU. As propostas elaboradas foram apresentadas em reunião realizada em 18 de janeiro de 1968, para uma platéia que se resumiu a técnicos68. Na reunião, foi feita "uma

65 A Lei Orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo, Lei Estadual nº 9.842 de 19 de setembro de 1967, em seu artigo 79, parágrafo único, estabelecia que "nenhum auxílio financeiro ou empréstimo será concedido pelo Estado ao município que não possuir Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado aprovado após 3 (três) anos da vigência desta lei" (SÃO PAULO, 1967).

66 CPEU: órgão ligado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, encarregado da elaboração de planos diretores para diversos municípios.

67 Lei n° 1.289/1967, Art.5º - Compete à Comissão:

I- Através de seu Corpo Técnico: a) Participar dos trabalhos de elaboração do Plano; b) Emitir parecer sobre todo o projeto de lei ou medida administrativa de caráter urbanístico ou relacionado com os serviços de utilidade pública do Município; c) Divulgar conhecimentos sobre planejamento e os trabalhos do Plano Diretor.

II- Através do seu Conselho Consultivo: a) Recolher as reivindicações da comunidade para a elaboração do Plano; b) Divulgar os trabalhos do Plano Diretor.

68 "O Plano Preliminar Diretor da cidade de Bauru será apresentado hoje, às 20:00 horas, no Automóvel Clube a todos os engenheiros e

arquitetos bauruenses (grifo nosso), segundo determinação da Associação dos Engenheiros e do Departamento de Obras e Viação da

Prefeitura Municipal. Os principais itens do Plano deverão ser postos em discussão, no sentido de aperfeiçoá-lo de acordo com os conhecimentos técnicos locais, uma vez que foi elaborado pelo Centro de Estudos Urbanísticos da Faculdade de Urbanismo da USP, sob a coordenação do prof. dr. Lauro Bastos Birckols". [...] "O Plano Preliminar é fruto dos trabalhos realizados nos últimos 8 meses por equipe de 3 arquitetos, 2 economistas e quase duas dezenas de universitários da FAU futuros arquitetos" (DB, 18 jan. 1968).

explicação sucinta dos trabalhos desenvolvidos para pesquisa e projeção do crescimento da cidade de forma ordenada, com uma análise completa da cidade desde os seus primórdios até os dias atuais e uma projeção de seu crescimento até 1985 dentro das bases da moderna engenharia urbana" (JC, 20 jan.1968)69.

Não há registro de outras reuniões realizadas pela Comissão Técnica e pelo Conselho Consultivo para debate ou troca de informações com a equipe do CPEU.

Em 3 de julho de 1968, a Lei nº 1.365 aprovou o Plano Geral de Organização Urbana de Bauru que, conforme artigo 2º, faria parte do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Bauru, com diretrizes genéricas e um zoneamento de uso do solo urbano, que nunca foi implementado.

O volume final do Plano Diretor de Bauru, com o diagnóstico e as demais propostas, só foi entregue oficialmente ao Prefeito Nuno de Assis em 14 de dezembro de 1968, em cerimônia pública, com a presença dos técnicos do CPEU, Comissão do Plano, autoridades locais e o prefeito eleito, Engenheiro Alcides Franciscato, que manifestou "o seu propósito de cumprir em seu governo, as normas estabelecidas no documento" (JC, 15 dez. 1968).

Já nos primeiros dias de governo, o novo prefeito anunciou a implantação do Escritório de Assessoria Técnica e Planejamento, sob coordenação do Arquiteto Jurandyr Bueno filho, ex-integrante da equipe do CPEU, e apresentou o plano de obras, com intervenções urbanísticas no sentido de melhorar a acessibilidade aos bairros isolados pelos córregos e pelas linhas férreas.

Mesmo contrariando diretrizes do Plano, que estabelecia "o aproveitamento dos fundos de vale dos ribeirões para áreas verdes e recreação" (BAURU, 1968, p. V. 2), foram consideradas prioritárias as obras de canalização e construção de avenida ao longo do ribeirão Bauru: "a canalização do rio Bauru é uma velha necessidade e uma antiga aspiração do povo bauruense. Após os estudos realizados pela equipe de assessores, o prefeito resolveu tomar a iniciativa e promover o saneamento completo do riacho" (JC, 02 mar. 1969)70.

69 O Engº José Cardoso Neto, Diretor de Obras e Viação da Prefeitura Municipal nesse período, em entrevista concedida à autora, disse que, na apresentação realizada no Automóvel Clube, estiveram presentes por volta de 50 a 60 pessoas, basicamente os integrantes da Comissão Técnica e do Conselho Consultivo. "Não houve debate ou discussão, mesmo porque, grande parte do material apresentado continha diagnóstico da realidade existente, que fornecia subsídios à futura elaboração de um Plano Diretor" (CARDOSO NETO, 2008).

70 As divergências entre diretrizes e propostas do Plano Diretor e as intervenções realizadas foram reveladas pelo próprio Arquiteto Jurandyr Bueno Filho, que afirmou que "o verdadeiro Plano Diretor foi desenvolvido a partir dos problemas e necessidades reais com os quais se defrontou ao assumir a direção do Escritório Técnico de Planejamento da Prefeitura e não baseado nas premissas típicas de urbanização das cidades européias, conforme constava no documento original", com o argumento de que "naquela época o urbanismo estava engatinhando no Brasil e a nossa postura era inspirada na linguagem urbanística inglesa. Só se falava em cidades-jardim, cidades novas com indústrias mantidas à distância e planos de descongestionamentos de tráfego. Era uma coisa importada e utópica". Assim, declarou que logo que assumiu o Escritório Técnico, arquivou o Plano Diretor como uma "curiosidade histórica" (AGROQUISA, 1988, p. 61, p.75, p.76).

Segundo Villaça (1999a), esse período é marcado pelos 'superplanos', elaborados com uma forte visão tecnocrática, fundamentada na neutralidade científica, sem referência com a realidade urbana tratada e sem instrumentos efetivos que viabilizassem as políticas de planejamento.

No Plano Diretor de Bauru elaborado pelo CPEU, questões importantes foram diagnosticadas, demonstrando conhecimento da realidade local. Porém, as diretrizes estabelecidas não tiveram rebatimento nos planos e nos projetos apresentados, desvinculados das possibilidades financeiras do município. O conhecimento também parece não ter sido disseminado entre os técnicos locais, pois as ações implementadas posteriormente não adotavam as medidas recomendadas. A participação da comunidade apareceu nos discursos para dar respaldo às decisões técnicas e justificar decisões políticas, mas não ocorreu efetivamente na prática do planejamento urbano.