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A pluralidade comunicativa

No documento vicentedepaulaferreira (páginas 57-61)

2 HERMENÊUTICA NIILISTA

2.2 PÓS-MODERNIDADE E O NIILISMO CONSUMADO

2.2.3 A pluralidade comunicativa

Gianni Vattimo possui uma visão bem particular de que a pós-modernidade é a época cuja característica principal está realacionada com os meios de comunicação. Falar de pós- moderno é falar, de alguma forma, que o moderno enquanto crença no valor de ser moderno foi ultrapassado. O culto pelo novo, como processo constante de emancipação, declinou-se. Walter Benjamin, em um breve escrito de 1938, sua tese sobre a filosofia da historia, propôs,

por exemplo, que o sentido unitário dos estudos da história não passam de uma construção das classes dominantes. De modo que grupos pobres, insignificantes, por não possuírem força de contarem suas construções, não entram para a história. Não havendo um fim único, uma evolução progressiva da historia humana, também não haverá motivos para eleger, como fizeram os iluministas, Hegel, Marx, uma cultura como sendo ideal, seja ela a dominante ou a emancipação da dominada. O que mais visualiza essa distorção de uma organização ideal da história humana são os meios de comunicação, como aponta o seguinte pensamento:

Isto que pretendo sustentar é a) que no nascimento de uma sociedade pós- moderna um lugar determinante é exercitado pelos mass medias; b) que esses caracterizam esta sociedade não como uma sociedade mais transparente, mais consciente de si, mais iluminada, mas como uma sociedade mais complexa, por isso mesmo caótica; e enfim c) que exatamente neste relativo caos residem as nossas esperanças de emancipação (VATTIMO, 2007a, p. 11).

O que acontece, apesar de tentativas de monopólio desses meios, cada vez mais almejados, é a explosão e multiplicação de Weltanschauungen (visões de mundo) a partir de radio, televisão, jornais, redes virtuais. Uma questão que se torna difícil de ser controlada por uma pretensa mentalidade unitária. De fato, essa intensificação de informações sobre a realidade, fragmenta o próprio conceito de real, tornando-o tão plural, cumprindo a profecia de Nietzsche de que o mundo verdadeiro, ao final, tornou-se fábula e visibilizando, ainda mais, a convicção heideggeriana de que o ser é acontecimento. A tese proposta é que a realidade como estrutura estável e aberta a uma adequação não se sustenta. Então, qual seria a possibilidade de emancipação? Ela estaria na promoção do dialeto, da explosão da pluralidade, do aparecimento daqueles modos de vida calados no cotidiano, gerando a desinstalação, como distorção, deslocamento do homem de suas convicções mais profundas, elevando a sua condição mais radical de morada não estável, mas transitória, do ser. Desta forma, fica assinalado que findado um sentido unitário de história, com os meios de comunicação, passam a ter força aquelas racionalidades locais, minorias até então caladas pelas ideias da existência de uma única humanidade verdadeira a ser almejada.

Horizonte propício para a presença da profecia nietzscheana sobre a nova humanidade nascida com o além-do-homem. Um ser humano capaz de viver na oscilação de sua condição ontológica expatriada. Homem capaz de conviver com uma nova concepção de ser, que não é necessariamente estável, fixo, permanente. Assim sendo, fica comprometido o ideal das ciências humanas em traçar, com transparência, um mapa acabado sobre a condição humana.

De fato, o que acontece é que o mundo verdadeiro se transformou em fábula, já que os fatos, inclusive as análises das ciências humanas, são permeadas pela interpretação. Ao invés da ilusão de atingir os fundamentos absolutos, a pluralidade das narrativas ganha lugar, especialmente, pela presença dos meios de comunicação de massa. O além-do-homem, seria, assim, um sujeito capaz de viver, sem neurose, a pluralidade, cuidando de uma inventividade relacional.

Uma das questões que surgem na pluralidade das expressões é a possibilidade de repensar o mito para além de mera oposição ao pensamento científico. Ele que ressurge em força metafórica, aproximando-se da arte e da religião, manifesta um saber que distorce a convicção de que a ciência seja a linguagem única. O mito revela uma racionalidade limitada que, por sua vez, é bem mais adequada a certos campos da experiência humana, sem desmerecer o saber positivo da ciência, segundo parecer de Vattimo. No entanto, desmitificar a desmistificação não significa voltar ao mito como saber ideal, mas entender também que o projeto racionalista porta consigo algo de mítico.

A presença do mito, da pluralidade das manifestações religiosas, compõem cenários que apontam para a cultura pós-moderna como tempo da secularização. O retorno do mito ou mesmo da religião somente acontece como experiência enfraquecida da verdade, na qual o sujeito pós-moderno não encontra aquela certeza que os metafísicos buscavam, o fundamentum absolutum et inconcussum. Podem, no entanto, conviver com os vestígios de uma tradição recebida como herança, como afirma a citação que segue:

A secularização do espírito europeu da idade moderna não é somente a descoberta e a desmistificação dos erros da religião, mas também a sobrevivência, de forma diversa e, em certo sentido, degradados, daqueles erros. Uma cultura secularizada não é uma cultura que é simplesmente deixar para trás os conteúdos religiosos da tradição, mas que continua a vivê- los como traços, modelos escondidos e distorcidos, mas profundamente presentes (VATTIMO, 2007a, p. 58).

A cultura dos meios de comunicação de massa faz oscilar a busca pela apropriação da verdade, mesmo aquela tentativa em abrir novas vias de emancipação. Isso porque se vive no mundo da liberdade das interpretações. Mas existiria ainda algum critério, algo de realidade? Para Vattimo, Heidegger que ainda insistia na autenticidade em Ser e tempo, abandonou tal categoria pela impossibilidade de encontro com o “próprio”, portanto, se a filosofia pretende ser a hermenêutica da pós-modernidade, terá que levar a termo a desrealização. O mundo torna-se um jogo interpretativo e a isso se chama de desrealização. Soma-se a isso o fato de

que a superação da metafísica querida por Nietzsche e Heidegger, somente será possível pela tecnologia comunicativa.

O próprio Vattimo, entretanto, parece voltar-se para um limite da desrealização, ou para os limites também de uma estetização geral da existência. Para falar de desrealização e de seus limites é necessário dizer de estética por dois motivos: porque a arte condensa as mudanças e essas culminam na estetização, pelo menos no parecer das premissas do pensamento vattimiano. Para não cair naquilo que Nietzsche chamou de niilismo reativo, como neurótica de recuperação da realidade, seria necessário perguntar o que nela não agrada e logo apareceria a resposta: exatamente o que dela imobiliza a experiência estética no seu sentido clássico e metafísico, que poderia ter sua representação no mercado.

Desse modo, o retorno ao metafísico, torna-se visível nas exigências do mercado. Ele, ao impor uma escolha daquilo que seria bom ou ruim, elege-se como critério dentro dos limites de uma verdade metafísica. Assim, "a desrealização possível pelas novas tecnologias da comunicação encontra um limite naquele agente realístico que é o mercado" (VATTIMO, 2007a, p. 114). Aquilo que não funciona no mundo da desrealização são os limites impostos pela economia, de cunho realístico, diante da estetização. Portanto, a vocação da filosofia é empenhar-se no processo que visa a plenitude da estetização, superando a neurótica postura saudosa de um possível realismo ou sendo vigilante às imposições do próprio mercado.

Suscitamente, o niilismo consumado encontra na sociedade pós-moderna, técnica e comunicativa, um terreno fértil para abrir ao homem a possibilidade de guardar o ser na sua mais genuidade eventualidade. Por outro lado, é inegável que instrumentos de domínio estão presentes principalmente na tentativa de uma mídia concentrada nas mãos de poucos que a utilizam para impor as mais variadas regras de mercado ou na ilusão de que a técnica significa a consumação do próprio ser. Tomar consciência disso não deve deixar a filosofia na inércia de pensar somente o ente, todavia deve provocá-la a ir mais adiante, entendendo a razão como lugar do cultivo aberto do próprio ser, de tal forma que seu empenho em continuar o processo de desrealização aponta para aquilo que ela possui de mais importante, em sua vocação, na atualidade.

Vattimo concede à pós-modernidade o estatuto de Era, por excelência, propícia para a realização do além-do-homem nietzscheano e da recuperação da escuta do ser como evento, conforme a filosofia de Heidegger. Principalmente naquilo que seu pós revela de pluralidade como expressam, de forma ímpar, os meios de comunicação. A diversidade, apesar do aparente caos, revela também a chance de o ser humano aprofundar sua genuína vocação de pastor do ser que conta com sua abertura existencial para manifestar-se e, nas sombras de sua

situação encarnada, permanecer como realidade sempre inominável ao mesmo tempo. As condições favoráveis para tal realização também não escondem as dificuldades e a contínua presença do realismo como acontece no domínio do mercado ou dos grandes monopólios dos meios de comunicação. Por isso, a tarefa da filosofia, no parecer de Vattimo, deve continuar como defensora de um sempre maior enfraquecimento das forças violentas sobreviventes também no solo da pós-modernidade. Assim, a palavra desrealização significa o combate de tudo aquilo que queira se impôr como única forma de realidade, com validade universal e absoluta.

No documento vicentedepaulaferreira (páginas 57-61)