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A política agrária dos militares

Capítulo 2: A questão agrária na ditadura militar e o contexto para o surgimento do MST

2.2 O papel do Estado e a questão agrária

2.2.2 A política agrária dos militares

A política agrária dos militares para o campo está explicitada em grande medida na forma como foi percebido o Estatuto da Terra, do qual lançou-se mão para provocar o esvaziamento da luta pela terra. Em todo o período, a forte repressão foi a resposta recorrente para os conflitos, através das perseguições a lideranças, assassinatos, torturas, ações que conseguiram desorganizar as lutas no campo na ditadura.

O diagnóstico inicial dos militares sobre a questão da terra indicava que se tratava de um problema de extrema periculosidade à “ordem”, daí a necessidade de um instrumento que serviria para impedir que os conflitos no campo ganhassem mediações políticas. Somente quando houvesse uma tensão mais forte em algum ponto específico, o Estatuto seria utilizado para legitimar uma desapropriação para fins sociais (MARTINS, 1986). Ao mesmo tempo em que

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Uma vez que protegia de desapropriação os imóveis considerados “empresa rural”. No Artigo 4º, inciso IV, define- se “Empresa rural” como: “empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico da região em que se situe e que explore área mínima agriculturável do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias.”

72 outras vítimas de conflitos seriam reassentadas em regiões pioneiras, mais especificadamente, na Amazônia.

Nesse período, os militares, com o auxílio de intelectuais vinculados ao regime, trabalharam fortemente no intento de extrair do debate político a questão agrária, transfigurando- a em uma questão agrícola, a partir de um viés economicista que considerava o problema do campo restrito: à oferta e à demanda de produtos agrícolas, aos seus efeitos sobre os preços, ao emprego e ao comércio exterior; tirando de cena as discussões sobre a estrutura agrária concentrada.

Na Tabela 146 é possível verificar o índice de concentração fundiária no país desde 1930 a

1970. Esses índices constituem medidas estatísticas dos graus de concentração e de distribuições de freqüência, cuja amplitude de variação vai de zero a um; quanto mais eles se aproximam deste número, tanto maior o grau e desigualdade da distribuição. Pode-se constatar que ao longo das décadas muito pouco se altera a estrutura fundiária no país, aprofundando-se a concentração em alguns estados:

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(1) Até 1940, inclui o antigo Território de Rio Branco, depois Roraima. (2)Até 1940, inclui o Território do Amapá.

(3) Nos Censos de 1950 e 1960, excluída a Serra dos Aimorés. (4) Nos Censos de 1940 e 1950, excluído o antigo Distrito Federal, depois Estado do Guanabara. (5) Até 1940, inclui o antigo Territórío do Guaporé, depois Rondônia. (6) Até 1950, inclui o atual Distrito Federal.

73 Tabela 1– Evolução dos Índices de Gini da Distribuição da Posse da Terra no Brasil

Estados 1920 1940 1950 1960 1970 Acre 0,940 0,820 0,904 0,932 0,619 Amazonas (1) 0,902 0,909 0,924 0,958 0,736 Pará (2) 0,875 0,905 0,889 0,831 0,882 Maranhão 0,740 0,914 0,934 0,920 0,926 Piauí 0,819 0,789 0,805 0,832 0,892 Ceará 0,717 0,748 0,752 0,752 0,791

Rio Grande do Norte 0,720 0,776 0,812 0,803 0,853

Paraíba 0,743 0,779 0,811 0,817 0,823 Pernambuco 0,623 0,782 0,837 0,844 0,838 Alagoas 0,716 0,858 0,848 0,836 0,836 Sergipe 0,736 0,823 0,816 0,830 0,854 Bahia 0,797 0,793 0,802 0,786 0,801 Minas Gerais (3) 0,724 0,753 0,764 0,763 0,751 Espírito Santo (3) 0,581 0,529 0,541 0,550 0,604 Rio de Janeiro (4) 0,730 0,744 0,779 0,768 0,790 São Paulo 0,764 0,773 0,773 0,795 0,779 Paraná 0,810 0,749 0,734 0,700 0,702 Santa Catarina 0,768 0,693 0,674 0,667 0,647

Rio Grande do Sul 0,802 0,767 0,761 0,755 0,756

Mato Grosso (5) 0,769 0,819 0,834 0,902 0,929

Goiás (6) 0,784 0,787 0,768 0,767 0,738

74 Fonte: SZMERECSÀNYI (1986)

Reprimindo as organizações que lutavam pela reforma agrária e mantendo as condições que possibilitavam a máxima exploração do trabalho no campo, as ações políticas do governo voltaram-se para o aprofundamento das relações técnicas da agricultura com a indústria e de ambos com o setor externo, por meio de sua política agrícola e comercial.47

Foram fornecidas linhas de crédito agrícola subvencionadas pelo Estado às grandes propriedades e estimulou-se a adoção de pacotes tecnológicos da “Revolução Verde”, à época sinônimos de modernidade. Quanto à política de financiamento da agricultura pelo Estado brasileiro, Delgado (1985, p. 79-80) afirma:

Esta política revela uma trajetória expansionista desde o início de sua formulação efetiva – a partir de 1967 – até 1976. Este subperíodo é marcado por um crescimento inusitado das aplicações reais de crédito, bastando, para ilustrar tal afirmação, indicar que, entre 1969 e 1976, o índice de valor real do crédito rural concedido passou de 100 a 444 (...). Tal elevação corresponde ao crescimento geométrico no período 1969-76, de 23,8% a.a, que é várias vezes superior ao crescimento real do produto agrícola, situado em torno de 5% a.a, (...) O volume de crédito concedido por finalidade e as taxas reais negativas, além de outras condições favoráveis de financiamento (prazos e carências elásticas), constituem- se no principal mecanismo de articulação pelo Estado dos interesses agroindustriais. Por meio dessa política expansionista, cresceu rapidamente a demanda por insumos modernos, criando-se, assim, o espaço de mercado para a consolidação do chamado Complexo Agroindustrial.

Estas transformações na agricultura ficaram conhecidas como “modernização conservadora” devido ao fato de simultaneamente incorporarem os produtos desenvolvidos pelos cientistas das grandes multinacionais e manterem intocada a estrutura agrária, favorecendo declaradamente o latifúndio. Essas mesmas políticas trouxeram consigo a valorização das terras; segundo Delgado (2005), houve um incremento de 35,3% no preço da terra no Brasil entre 1965

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Segundo Octávio Ianni (1979, p. 52) a partir do governo de Juscelino Kubitschek: “(...) a agricultura foi cada vez mais extensiva e intensivamente articulada e subordinada à indústria instalada no País. Sob várias formas ela produziu excedentes – em gêneros alimentícios, matérias-primas ou divisas – apropriados pela indústria. Ao mesmo tempo, o campo foi tornando um mercado cada vez mais significativo para o escoamento de uma parte da produção da indústria. Esse processo – que já se achava em curso há décadas – ganhou novo impulso durante os anos do governo Kubitschek. Mas desde 1964 adquiriu ainda maior intensidade e generalidade essa subordinação da agricultura à indústria.”

75 e 1980. Obviamente, essa valorização elevou a gana dos grileiros pela apropriação de novas áreas em todo o país. 48

Outra frente de atuação dos governos militares no que tange à política agrária correspondeu à Amazônia. Nos primeiros anos da ditadura, esta área foi utilizada estrategicamente pois seus milhares de hectares de terras foram apontados como alternativa para assentar desalojados por conflitos por terra. Ao mesmo tempo, houve crescentemente uma política de incentivos fiscais que levou grandes grupos econômicos à região, os quais tomaram conta das terras mais ricas, principalmente através da grilagem. Embora pareça ambíguo o posicionamento dos militares, pois, de um lado favoreceram os empreendimentos capitalistas e de outro estimularam a migração para esta região, na realidade, o Estado nunca esteve preocupado em fazer de fato uma reforma agrária. Além disso, o estímulo à colonização destas áreas esteve relacionado com o intento de garantir a oferta de mão de obra abundante e barata para os empreendimentos que estavam se desenvolvendo na Amazônia. O resultado dessa aparente ambigüidade na política agrária dos militares foi o crescimento elevado dos conflitos por terra na Amazônia, despontando perante as demais regiões do país na década de 70.

Paralelamente, ocorria o que José de Souza Martins (1985) chamou de “militarização da questão agrária”, ou seja, ao lado dos projetos que estimulavam o envolvimento de grandes empresas em vultosos empreendimentos na Amazônia, o Estado criou mecanismos de controle das populações rurais, de modo a permanecer reprimindo os conflitos.

Conformou a política dos militares para a Amazônia, já em 1966, a criação da SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia), responsável por definir objetivos e meios para o desenvolvimento econômico da Amazônia, e do BASA (Banco da Amazônia), que mobilizava recursos fiscais e creditícios para os projetos aprovados pela SUDAM. Esses órgãos abriram caminho para que empresas nacionais e estrangeiras desenvolvessem gigantescos

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Neste sentido, Francisco de Oliveira (1985, p. 2-3) sintetiza: “O capitalismo brasileiro, em sua expansão desordenada dos últimos trinta anos, resolveu, a seu modo, e do lado das classes dominantes, o problema agrário grave dos anos cinqüenta. Capitalizou o campo, e a agropecuária transformou-se em mais um departamento da grande indústria. O mercado agrário para certos bens industriais é sumamente importante, e decisivo na formação de ramos como adubos, pesticidas, fertilizantes, defensivos agrícolas, máquinas e implementos agrícolas, tratores, caminhões. E é importante como forma de expansão financeira do capital industrial. Isto é, transformou-se num campo de aplicações rentáveis, de lucros. É ainda uma reserva de valor excepcional, haja visto o crescimento do preço das terras, nos últimos períodos que supera, de longe, qualquer outro ativo, real ou financeiro. (...)”

76 projetos de exploração das riquezas da Amazônia. Como foi o caso das empresas ligadas à produção madeireira, que, entre 1974 e 1984, cresceu mais de 40% na Amazônia Legal, tal elevação pode ser expressa no aumento da extensão de terras nessa área voltadas para esse fim, passando de 8.061.104m² para um total de 21.461.729m². Houve também muitos projetos ligados à mineração, os quais, segundo Oliveira (1987), faziam parte de uma das principais metas do grande capital, uma vez que a extração mineral garantiria o suprimento de bens estratégicos para os Estados Unidos e demais nações desenvolvidas. 49

Com base em incentivos fiscais e com o auxílio destes e outros órgãos governamentais50, foram criados também muitos projetos agropecuários, os quais podem ser entendidos como estratégia dos governos militares no sentido de patrocinarem o acesso à terra na região pelos grandes grupos econômicos. Além dos procedimentos “legais” para o acesso à terra, proporcionados pelo Estado, houve a conivência e apoio do mesmo aos diversos métodos de grilagem de terras51 (OLIVEIRA, 1987).

Ao lado dos latifundiários, grileiros, empresários, gerentes, técnicos que iam para Amazônia por estarem envolvidos nos projetos governamentais ou estimulados por eles, migrava para essa região um contingente enorme de trabalhadores, conformando uma colonização espontânea. Esses trabalhadores provinham de áreas espalhadas por todo o país, nas quais a

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Contando com o apoio da SUDAM e do BASA, foi realizado um famoso empreendimento voltado aos interesses

do capital estrangeiro: o Projeto Jarí, que incluía: um projeto florestal para a produção de celulose, um projeto agropecuário para produção de arroz e criação de gado, e de exploração mineral para a extração de caulim e bauxita. Este projeto foi encabeçado pelo multimilionário americano Daniel Keith Ludwig, que teve acesso sem custos a uma riquíssima área na Amazônia com 3.387.090 ha. de superfície, maior que a área de um estado como o Rio de Janeiro. Este projeto é bastante emblemático, pois, além de ser o maior daqueles tempos, permite vislumbrar como a política dos militares esteve voltada simultaneamente à reprodução da mesma estrutura fundiária secularmente existente e ao favorecimento dos interesses imperialistas no país; nesse caso questão agrária e dominação imperialista se revelam como faces da mesma moeda. Octávio Ianni (1979, p. 113-114) afirma sobre a empresa Jarí Florestal e Agropecuária Ltda: “Essa empresa é particularmente representativa do modo pelo qual o chamado “modelo econômico brasileiro”, adotado pela ditadura em 1964, articula a Amazônia com os interesses do imperialismo. Se a economia da Região Amazônica tem sido recriada e dinamizada, como um vasto enclave do imperialismo, a Jarí Florestal e Agropecuária Ltda. sozinha representa um enclave dentro do enclave. Expressa algumas das principais peculiaridades do modo pelo qual o Estado brasileiro foi levado a atuar no sentido de favorecer a formação e a expansão da grande empresa agropecuária, extrativismo, mineração e agroindústria na Amazônia. Ao mesmo tempo, mostra como se combina a empresa capitalista com o latifundismo. Isto é, mostra como se dá a transformação de terras devolutas, tribais e ocupadas em latifúndio e empresa.”

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Inseridos na política agrária dos governos militares também foram criados: o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) de julho de 1970, PIN (Plano Nacional de Integração) também de 1970, o PROTERRA Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste, de 1971. Para maiores informações sobre estes órgãos consultar: Ianni (1979)

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A geógrafa Regina Sader (1986) em sua tese sobre os conflitos na região do Bico do Papagaio descreve diversos meios pelos quais pode ser realizada a grilagem de terras.

77 expansão do capitalismo deteriorou suas condições de vida. É possível citar o caso dos camponeses expropriados, na região do Norte de Minas Gerais, diretamente pelo Estado ou na ponta do fuzil, com a conivência do mesmo, pelo avanço das plantações de eucalipto que serviriam para fornecer carvão de excelente qualidade para o quadrilátero ferrífero, como relatado no trabalho de Porto Gonçalves (2000)52. À medida que muitos camponeses foram expropriados em todo o território brasileiro engrossava o número de trabalhadores que não tinham senão sua força de trabalho para vender, ou seja, restava-lhes a busca por novas terras ou a proletarização, muitos deles se dirigiam ao trabalho na colheita de cana de açúcar no estado de São Paulo, em troca de baixíssima remuneração, como ocorreu com muitos dos trabalhadores provenientes do norte de Minas Gerais.53

Muitos dos trabalhadores expropriados se dirigiam para Amazônia, a fim de realizar o sonho da conquista da terra como alternativa à proletarização, eles provinham de diversas áreas do país, como o foram os casos, por exemplo: dos lavradores expulsos do Rio Grande do Sul e do Paraná pela disseminação da soja; dos lavradores do Espírito Santo e Minas Gerais expulsos pela erradicação do café e ampliação das pastagens; das populações expulsas do Nordeste pela seca ou pelo latifúndio; dos camponeses do Sul e do Sudeste diante da impossibilidade de continuar sua reprodução nas pequenas propriedades (MARTINS, 1985). Segundo Octávio Ianni (1979a), estava em curso uma reforma agrária espontânea, com o crescente afluxo de trabalhadores rurais para as terras indígenas e devolutas dessas áreas, que eram bastante abundantes, já que a taxa de ocupação na Amazônia a esse tempo era inferior a 25%. Nas palavras desse autor:

O que estava acontecendo, na prática, ao mesmo tempo que crescia extensivamente o capitalismo na região, era uma espécie de reforma agrária de fato, ou espontânea. Os trabalhadores rurais desempregados, subempregados ou superexplorados – camponeses e operários – estavam buscando terras virgens ou devolutas, para ali construir o seu lugar, a sua vida, a roça e a criação, a morada habitual e a cultura efetiva. Sitiantes, moradores, meeiros, parceiros, arrendatários, assalariados, corumbas, bóias-frias, paus-de-arara, peões – camponeses e operários do campo- estavam buscando soluções práticas, diretas, por seus próprios meios, para os seus problemas de trabalho e sobrevivência. Buscavam terra. (IANNI, 1979a, p. 15)

52 Para maiores informações sobre a expropriação dos camponeses promovidas pelo Estado nesta região em prol de

grandes empresas como a Acesita (comprada pelo Banco Safra, Previ, Sistel utilizando como moeda títulos públicos) consultar: Silva (1999).

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Sobre os trabalhadores migrantes provenientes do norte de Minas que se dirigiram ao trabalho na colheita de cana em São Paulo consultar o trabalho de Silva (1999).

78 Ao lado da colonização espontânea, o Incra desde sua fundação, em 1970, até o ano de 1974 desenvolveu uma política de colonização oficial destinada a ocupar espaços “vazios” por população de origem nordestina, a partir desta data o órgão passou a estimular a colonização particular, fundamentalmente aquelas lideradas por empresas capitalistas a fim de desenvolver projetos como de exploração mineral e agropecuários. Segundo Ianni (1979a) as duas formas de colonização estimuladas pelo Estado iam de encontro à colonização espontânea, a qual de fato estava promovendo uma reforma agrária no país. Na realidade, durante todo o governo militar foi essa política que predominou, para não realizar uma reforma agrária nos outros estados do país, como no Rio Grande do Sul e nos estados do Nordeste, estimulava-se a ida da população oriunda dessas localidades para a Amazônia, simultaneamente, concentravam-se esforços a fim de que o capital para lá se dirigisse, apropriando-se de terras e expulsando os posseiros que haviam migrado. Nos diversos documentos produzidos pelo governo militar bem como nas regulamentações legislativas está presente a intenção do governo de promover a reforma agrária pela colonização na Amazônia. Trata-se, no entanto, de uma construção ideológica a fim de convencer a opinião pública de que havia a preocupação com essa questão vital.54 Nas palavras do autor:

Em forma breve, pode-se dizer que a política de colonização dirigida, que o Estado brasileiro foi levado a adotar nos anos de 1964-78, foi uma contra- reforma agrária. Tanto ideológica como praticamente, essa política efetivou uma contra-reforma agrária que bloqueou, distorceu ou simplesmente suprimiu a reforma agrária espontânea, ou, de fato, que os trabalhadores rurais e suas famílias estavam realizando por seus meios. Sob vários aspectos, a colonização dirigida, oficial e particular, efetivou-se como tal contra-reforma. (IANNI, 1979a, p. 136)

A contra-reforma agrária foi responsável por gerar uma série de conflitos entre posseiros e grileiros, ligados muitas vezes a grandes empresas capitalistas, crescentemente beneficiadas pelo Estado. A partir de 1973, as políticas agrárias encampadas pelo governo do general Médici ao deixarem de defender uma Reforma Agrária “modernizadora” nas regiões pioneiras e assumirem um posicionamento claramente favorável à exploração dessas áreas por grandes empresas

54 As disposições sobre a colonização dirigida, oficial e particular como meio de realização da reforma agrária já

aparecem no Estatuto da Terra, em 1964. Posteriormente, em 1966, o Decreto nº. 59.428 regulamenta os artigos do Estatuto da Terra em termos da colonização (IANNI, 1979a).

79 capitalistas, acirraram os conflitos entre os projetos do governo e os interesses dos posseiros que se encontravam nessa região. É nesse contexto que o poder militar foi utilizado para controlar as lutas no campo, evitando que elas ganhassem uma dimensão política maior, a partir da criação do Ministério de Assuntos Fundiários dirigido por um general, também secretário do Conselho de Segurança Nacional. Além disso, foram criados projetos diretamente supervisionados pelos militares que estavam enraizados no campo nessa época, tais como: ACISO (Ação Cívico- Social) com presença em regiões de maior tensão social, onde poderiam surgir focos de guerrilha; Operação Rondon, instituição de intervenção no campo, e MOBRAL .

Desse modo, nos anos da ditadura o que se verificou foi uma política agrária cada vez mais voltada aos interesses do grande capital monopolista. Já contávamos nesses anos com um parque industrial significativo, mas a economia e a sociedade agrária pautavam-se nas mesmas bases que estruturavam o “sentido da colonização”: grande propriedade, máxima exploração do trabalho e atendimento de necessidades externas, as quais constituíam os pilares do capitalismo que aqui se desenvolvia. É certo que as necessidades atendidas se complexificavam, uma vez que, além de responder aos interesses externos, nossa economia agrária havia que fornecer riquezas e mão de obra barata para proporcionar a acumulação de capital nos centros urbanos do país.