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Política Nacional de Gestão de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS)

CAPÍTULO 3 O ACESSO AO MEDICAMENTO COMO COMPONENTE DO

3.6. Política Nacional de Gestão de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS)

A constituição de padrões e práticas de incorporação e utilização de tecnologias depende de um processo denominado gestão de tecnologias em saúde. Esse processo é definido como conjunto de atividades gestoras relacionadas com os processos de avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização e retirada de tecnologias do sistema de saúde. Como referências são consideradas as necessidades de saúde, o orçamento público, as responsabilidades dos três níveis de gestão e da participação social, além dos princípios do SUS equidade, universalidade e integralidade, que fundamentam a atenção à saúde no Brasil A gestão de tecnologias em saúde é intersetorial, envolve atores da área da saúde (tais como hospitais, secretarias de saúde, vigilância sanitária), além de órgãos envolvidos com ciência, tecnologia e produção industrial, do poder judiciário e legislativo e do Ministério Público (BRASIL, 2009d).

A Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, publicada em 2009, é o instrumento norteador para profissionais envolvidos na gestão dos processos de avaliação, incorporação, difusão, gerenciamento da utilização e retirada de tecnologias no SUS, apesar de não abranger as fases de Pesquisa e Desenvolvimento, ainda subsidia a identificação de prioridades no ciclo de vida das tecnologias em saúde. Fruto de discussões no âmbito da Comissão de Elaboração da Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde, da Comissão Intersetorial de Ciência e Tecnologia (CICT), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), também contou com contribuições do Conass e Conasems e provenientes da Consulta Pública pela Portaria n° 2.480/GM de 13 de outubro de 2006 (BRASIL, 2009d, 2010e).

O objetivo geral da Política é o de maximizar os benefícios de saúde a serem obtidos com os recursos disponíveis, assegurando o acesso da população a tecnologias efetivas e

seguras, em condições de equidade. Para tanto, são estabelecidas as seguintes diretrizes: utilização de evidências científicas para subsidiar a gestão por meio da avaliação de tecnologias em saúde; aprimoramento do processo de incorporação de tecnologias; racionalização da utilização de tecnologias; apoio ao fortalecimento do ensino e pesquisa em gestão de tecnologias em saúde; sistematização e disseminação de informações; fortalecimento das estruturas governamentais; e articulação político-institucional e intersetorial. A implementação de tais diretrizes são obrigatórias para o Ministério da Saúde e recomendatórias para ANVISA, Agência Nacional de Saúde Suplementar, municípios, estados e Distrito Federal (BRASIL, 2010e).

A gestão da ATS é uma ferramenta contraditória, pois pode servir em benefício do cidadão quando usada para comparar medicamentos inovadores àqueles já incluídos no mercado brasileiro e permitir um preço superior apenas nos casos que apresentam um ganho terapêutico real (redução de infartos ou outras doenças cardíacas, por exemplo). Entretanto, medicamentos que apresentam um custo alto frente aos benefícios correm o risco de não serem incorporados no SUS, o que em última análise pode implicar na redução do acesso. Por outro lado, a estratégia de análises de custo-benefício pode ser usada como norteadora para planejamento e investimento público na produção em laboratórios oficiais, tal como realizado com o efavirenz, usado no tratamento da AIDS.

Assim a gestão da ATS é uma forma de estabelecer regras para a integralidade terapêutica, uma vez que sua especificação constitucional26 é vaga. Sobre esse assunto, o Projeto de Lei do Senado no 219 de 2007 propõe a alteração do Art. 6o da LOS para:

Art. 6º-A. A integralidade da assistência terapêutica, inclusive farmacêutica, de que trata a alínea d do inciso I do art. 6º consiste em:

I – oferta de procedimentos terapêuticos ambulatoriais e hospitalares constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do SUS, realizados no território nacional em serviço próprio, conveniado ou contratado;

II – dispensação de medicamento prescrito em serviço próprio, conveniado ou contratado, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas instituídas pelo gestor federal do SUS em protocolo clínico para o agravo à saúde a ser tratado.

§ 1º Na falta do protocolo a que se refere o inciso II do caput, a dispensação limitar- se-á aos produtos constantes de relações de medicamentos essenciais e de medicamentos de dispensação excepcional elaboradas pelo gestor federal do SUS. § 2º São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

I – o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de procedimento clínico ou cirúrgico experimental;

II – o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de procedimento clínico ou cirúrgico para fins estéticos ou embelezadores, bem como de órteses e próteses para os mesmos fins;

26 “entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e

III – a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, nacional ou importado, sem registro no órgão público brasileiro competente.

§ 3º Para os efeitos desta lei, procedimento clínico ou cirúrgico para fins estéticos ou embelezadores é aquele realizado com o objetivo de corrigir alterações de partes do corpo decorrentes do processo normal de envelhecimento ou de alterar variações anatômicas que não causem disfunções orgânicas, físicas ou psíquicas. (BRASIL, 2007b).

No tocante à assistência terapêutica integral, a proposta restringe o acesso aos medicamentos a serem elencados pelo Ministério da Saúde (com base na gestão de ATS, uma vez que os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas seguem esse raciocínio) e à prescrição emitida por profissional vinculado à unidade de atendimento pelo SUS.

Apesar de os protocolos clínicos estabelecerem diretrizes para o diagnóstico e tratamento de doenças, a centralização no MS pode trazer alguns problemas. Um deles é a priorização dos temas dos protocolos, de acordo com a realidade de um estado ou município a prioridade pode diferir. Mesmo havendo um movimento de ampliação dessas diretrizes, atualmente não há protocolos para todos os problemas de saúde, restringindo-se a algumas doenças com impacto alto no tratamento. Além disso, os protocolos devem ser atualizados com certa periodicidade, reflexo da necessidade da indústria farmacêutica ampliar o mercado, o que leva ao constante lançamento de “inovações” terapêuticas.

O projeto de lei 219 foi rejeitado e arquivado em junho de 2010, segundo pesquisa no sítio do Senado Federal (BRASIL, 2007b). Em seu lugar, foi apresentado o substitutivo PL no 338/2007, que estabelece o subsistema de dispensação de medicamentos e produtos para saúde.

A incorporação de medicamentos, segundo esse projeto de lei, é mais abrangente, não é apenas atrelada aos protocolos clínicos do Ministério da Saúde, mas estabelece a criação do Conselho Nacional de Incorporação de Medicamentos e Produtos para Saúde (CNIM) com representantes dos gestores (inclusive CONASS e CONASEMS), dos profissionais de saúde e usuários. Além disso, trata dos critérios gerais para incorporação e retirada de medicamentos da assistência do SUS. Em junho de 2010, o projeto foi aprovado pelo Senado e encaminhado para a Câmara de Deputados (BRASIL, 2007c).

A questão do acesso a medicamentos é um assunto discutido antes mesmo da institucionalização do SUS e envolve diferentes atores com interesses e posições distintas e frequentemente, contraditórias, o Estado, o cidadão, os profissionais de saúde, os acadêmicos e a indústria farmacêutica. A realidade do medicamento no sistema de saúde pode variar de acordo com cada ator: para o Estado é entendida como de questão estratégica para efetivação da política de saúde; para o cidadão, um direito universal e integral à saúde; para os

profissionais da saúde, um poder de conhecimento e concretização se sua atuação no momento da prescrição; e para a indústria farmacêutica, uma mercadoria.

A política de saúde é identificada como política social de escopo universal, portanto o acesso não está condicionado a critério de seletividade, tendo por base única a cidadania. Entretanto, o direito ao acesso ao medicamento pode ser tratado como direito do consumidor. Uma das consequências do presente processo de mundialização é a noção de cidadão, central no exercício da democracia, mas agora substituída pela figura do consumidor ou do usuário, em torno da qual se constrói a atual democracia de mercado (SANTOS, 2002).

Diante do exposto, pode se concluir que o acesso de medicamentos apresenta um sistema de conflitos, no qual a saúde é tratada como consumo, como direito coletivo realizado na individualidade e como dever do Estado. O medicamento como coisa/signo de saúde está inserido numa relação de produção-consumo de mercadoria e de novos valores de saúde, que são atribuídos ao medicamento para estimular o consumo, para ampliar o mercado. Consequentemente, o cidadão é confundido como consumidor, reflexo da concretização mercadológica do valor “cidadania” (CALDEIRA, 2006), enquanto a incorporação do medicamento no SUS pode ser entendida como uma garantia de mercado às indústrias, sem implicar necessariamente num aumento da qualidade em saúde e bem-estar.

CAPÍTULO 4 - PRODUÇÃO E ACESSO A MEDICAMENTOS NO BRASIL PÓS-