2.3. VIA VERDE: UMA ESTRATÉGIA PARA O ACESSO ABERTO
2.3.2. POLÍTICAS DE ACESSO ABERTO DE AGÊNCIAS DE FOMENTO À PESQUISA
Neste estudo serão consideradas as políticas de informação, normas, portarias e orientações sobre a divulgação dos resultados das pesquisas financiadas por instituições de fomento no contexto do acesso aberto. As políticas são importantes mecanismos para apoiar os autores nas negociações com as editoras para a divulgação das publicações em acesso aberto e, segundo Abadal et al (2009), são elementos chave para o desenvolvimento e cumprimento das estratégias de aceso aberto adotadas por uma instituição. Para os autores, as políticas que têm por objetivo impulsionar o acesso aberto no âmbito da comunicação científica, devem orientar, facilitar e promover iniciativas nesse contexto.
O argumento que motiva as agências de fomento a criarem suas políticas de acesso aberto é a ideia de que a publicação dos resultados, cuja a pesquisa foi financiada com recursos públicos, deve ter seu acesso garantido de forma ampla e sem custos para toda a população. Além disso, as agências estariam agindo no sentido de aumentar o reconhecimento de suas pesquisas por meio da ampliação do acesso das publicações (FREIRE, 2011).
Na prática, as políticas devem orientar e/ou facilitar que o pesquisador arquive seus trabalhos em RI ou repositórios temáticos e estimular que os resultados das suas pesquisas sejam publicados em periódicos de acesso aberto. Para tanto, Suber (2009b) destaca alguns pontos que a política deve apresentar para cumprir com sua finalidade. Os pontos são:
o caráter da política, ou seja, se ela recomendará ou obrigará a divulgação em acesso aberto;;
as formas para que sua determinação ou orientação seja cumprida. Segundo as estratégias do acesso aberto, isto significa uma indicação para a via verde ou via dourada;;
as formas de sanções, caso a política seja descumprida.
Caso a política determine seu cumprimento por meio da via verde, ela deve explicitar ainda:
o repositório onde deverá ser feito o depósito, em que tempo e o quê deverá ser depositado;;
as permissões que deverão ser concedidas para as publicações fruto de uma pesquisa promovida ou financiada pela instituição;;
posicionamento sobre o embargo que porventura for estabelecido pelos editores científicos, ou seja um limite máximo para o período de embargo.
obrigatório e que foque nas estratégias da via verde. Para justificar seu posicionamento quanto à obrigatoriedade, o autor cita a experiência do NIH, que iniciou com uma política de recomendação em 2005, e somente quando ela se tornou obrigatória, em 2007, recebeu adesão dos pesquisadores. De acordo com Pontika (2011), a política a qual Suber se refere foi fruto de um estudo encomendado pelo NIH, em 2004, para que fosse elaborado um plano em que os recursos fossem aplicados de forma mais eficaz. Assim, a política recomendava o depósito em até seis meses no PMC (grande repositório temático na área das Ciências da Saúde, já citado anteriormente). Em 2005, avaliaram que a adesão havia sido muito pequena, apenas 3,8% dos pesquisadores tinham feito o depósito, conforme a política estabelecia. Então, dadas as circunstâncias, foi proposta pelo SPARC e pela Alliance for Taxpayers Access (ATA) a alteração do caráter da política para obrigatória, sob pena de cancelamento do financiamento atual ou de pesquisas futuras. Além disso, foi aumentado o período para a possibilidade de embargo de seis para doze meses. A política, nestes moldes, foi aprovada em 2007 pelo Senado dos Estados Unidos como lei nacional com revisão anual e, em 2009, tornou-se uma lei permanente.
Segundo a autora, a política do NIH ajudou a tornar o PMC o mais popular repositório temático da Ciência da Saúde. Além do NIH, outras agências no Canadá e no Reino Unido39 passaram a adotar políticas de acesso aberto e indicar o PMC como o repositório onde o depósito deve ser feito. Atualmente, o repositório armazena mais de 2,6 milhões de artigos revisados por pares.
O outro aspecto destacado por Suber (2009b), na sua recomendação para as políticas, diz respeito à adoção das estratégias da via verde. Sua adoção implica no fortalecimento do desenvolvimento de RIs ou repositórios temáticos e a determinação do armazenamento. O autor justifica que a política deve focar nesta estratégia porque com ela a instituição não precisa limitar o universo no qual os pesquisadores publicarão seus trabalhos. Dessa forma, os autores poderão publicar onde quiserem, com a condição de depositarem posteriormente uma cópia da publicação em um repositório. Segundo o autor, a determinação da publicação em periódicos de acesso aberto seria limitante para o pesquisador porque ainda seriam poucos os periódicos nestas condições, que, de acordo com seus dados, seriam apenas 15% do universo de periódicos.
Apesar do argumento de Suber sobre a liberdade dos autores ser mais aplicável com a utilização da estratégia da via verde, os seus dados sobre a quantidade de
39 As agências identificadas em março de 2013 são: Canadian Institutes of Health Research (CIHR), Canadian Foundation for Healthcare Improvement (CFHI), Department of Health (DH) do Reino Unido e National Institute for Health Research (NIHR) também do Reino Unido.
periódicos de acesso aberto podem ser questionados. De acordo com o estudo de Cerda Silva e Lara (2011), por exemplo, foi diagnosticado que 99% dos periódicos científicos da América Latina possibilitam o acesso aberto. O estudo considerou como universo os periódicos presentes nos diretórios SciELO, Latindex e RedALyC e, para a investigação, utilizou uma amostra de 17% deste universo, que correspondeu a 292 periódicos. No entanto, apesar dos dados apontarem para um cenário favorável para o acesso aberto por meio dos periódicos científicos, há que se considerar que muitos são os autores da América Latina que publicam ou têm a intenção de publicar em periódicos internacionais e que isto muda o cenário da região, se aproximado do contexto apresentado por Suber.
Além das diferenças regionais, segundo Feire (2011), as próprias políticas das agências estariam influenciando a criação de novos modelos de negócio dos periódicos, de forma a permitir algum nível de acesso aberto. Além disto, na percepção do autor, elas têm influenciado de maneira significativa o comportamento dos pesquisadores em relação ao acesso aberto, garantindo o depósito dos trabalhos em RIs.
As mudanças podem ser observadas a partir das experiências de algumas políticas de importantes instituições produtoras e financiadores de pesquisa. Segundo Gargouri et al (2010), a primeira instituição de pesquisa a determinar uma política obrigatória de armazenamento das publicações em acesso aberto, em 2002, foi a School of Electronics & Computer Science da Universidade de Southampton, seguida pela Universidade de Harvard, Universidade de Stanford e pelo MIT. De acordo com os autores, estas experiências teriam demonstrado sucesso das políticas de acesso aberto e, em 2008, o conselho European Universities Association, que reunia mais de 800 universidades em 46 países, determinou a criação de RIs e o depósito imediato das publicações.
A determinação fez com que crescesse consideravelmente a quantidade de RIs e depósitos na Europa, principalmente no Reino Unido. Recentemente a região tem discutido novamente suas estratégias, devido à mudança da política de acesso aberto do Research Council United Kingdom (RCUK). Esta nova política tem gerado polêmica, pois proíbe os pesquisadores de publicar em um periódico que não seja de acesso aberto ou que não tenha um período de embargo para o arquivamento em acesso aberto inferior a doze meses. No entanto, segundo Harnad (2012), a política prevê recursos para o pagamento de licenças para que os artigos publicados sejam de acesso aberto. O autor vê com maus olhos estas mudanças, porque a nova política estaria incentivando o modelo “híbrido” dos periódicos, que só permitem o acesso aberto mediante pagamento do autor. Para Harnad, isto representará um desvio de recursos de pesquisas para o pagamento de taxas de publicação para o acesso aberto, em vez de reforçar a via verde,
que seria uma estratégia “gratuita”. A discussão ainda não foi finalizada e tem gerado diversos posicionamentos entre os teóricos da área.
No Brasil, Freire (2011) destaca três documentos com caráter de política de informação para a promoção do acesso aberto. O primeiro deles é o PL 1120/2007, apresentado anteriormente;; o segundo é a política institucional de informação da Fundação Universidade do Rio Grande (FURG), que recomenda o depósito das publicações científicas de seus membros no repositório da universidade;; e a terceira é a orientação do CNPq40 para a publicação em acesso aberto dos resultados das pesquisas que financiam. Além destas, também destacamos no cenário nacional a Portaria n. 1341 da Capes, que institui a divulgação de teses e dissertações dos pesquisadores brasileiros e mantidas pelo programa de pós-graduação, em arquivos digitais, disponíveis na Internet.
Na literatura científica analisada até o momento não foi identificada nenhuma política de agência de fomento na América Latina que torne a divulgação em acesso aberto como uma condição obrigatória para o financiamento de pesquisas, como já ocorre em outras regiões do mundo. Portanto, na tentativa de verificar a existência ou não destas políticas e de outras com caráter de recomendação, este estudo se propõe a investigar todas as principais agências de fomento da região. Além de identificar as políticas, o estudo analisou como elas contribuem para o desenvolvimento dos RIs na região. Os resultados da investigação foram discutidos no capítulo sete desta dissertação.
40 A orientação foi manifestada pelo Conselho Deliberativo do CNPq em sua 133ª reunião. 41 Portaria de 15 de fevereiro de 2006.