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1.2 Arranjos Produtivos Locais

1.2.3 Políticas de desenvolvimento para APLs

O surgimento e a consolidação de MPEs competitivas é um dos fatores chaves para alcance de estabilidade socioeconômica e bem-estar dos países, principalmente devido sua capacidade de geração de postos de trabalho. Nesse sentido, as aglomerações produtivas consistem num estímulo importante nos estágios iniciais de crescimento de empresas por facilitar seu desenvolvimento em etapas de maior risco, facilitando a mobilização de recursos financeiros e humanos, enquanto a elevada interação representa ganhos competitivos para os participantes. No entanto, nem sempre os arranjos produtivos têm capacidade de tornarem-se competitivos e, principalmente, de gerarem capacidade inovativa, pois “o processo de desenvolvimento pode ser detido pela incapacidade de generalizar condições favoráveis por causa da ausência de capacidades técnicas e gestão” (BERTINI, 2000, p.106).

Nesse particular, a trajetória de desenvolvimento do arranjo é influenciada pelas políticas públicas, pelo marco institucional e pela infra-estrutura de apoio em âmbito nacional. Nos países desenvolvidos, tanto a mão-de-obra formalmente empregada, quanto o montante gasto em P&D são significativamente superiores ao dos PEDs. Além disso, os gastos das empresas nessas atividades têm crescido continuamente de forma relativamente superior aos investimentos governamentais. Assim, os gastos governamentais são direcionados para as áreas de pesquisa científica pura, efetuadas em universidades e outras instituições de pesquisa não lucrativas. O apoio a essas atividades ocorre também através de instituições para suporte,

difusão e interatividade do conhecimento tecnológico entre as empresas e as universidades, que são as chamadas pontes institucionais. Nesses países existem, ainda, outros elementos (externalidades) que estimulam os processos de busca a inovação, tais como os processos formais e informais de difusão da informação, que geram spillovers tecnológicos intra e intersetorial (publicações, mobilidade de mão-de-obra qualificada, etc.) (DOSI, 1988b).

Por outro lado, a situação atual da maioria das economias em desenvolvimento caracteriza-se por reduzidos recursos públicos e privados em P&D, ausência de políticas de longo prazo de ciência e tecnologia e fraca interação entre as empresas e institutos de pesquisa. A ocorrência de fracos spill-overs socioeconômicos impede a evolução de um processo de aprendizagem interativa, sendo que as inovações ocorrentes, em geral, fazem parte de um processo descontínuo e isolado. Estas dificuldades deixam explícitas as necessidades de políticas descentralizadas e voltadas para criação de espaços de aprendizagem. Nesse sentido, é preciso considerar as especificidades setoriais, institucionais e a organização espacial da produção, para identificar e estimular a superação dos gargalos existentes na cadeia produtiva, também, através da governança privada (CAMPOS, 2003).

Por sua vez, as ações públicas específicas para estímulo ao desenvolvimento tecnológico devem ser formuladas de forma a conciliar os retornos privados e sociais da inovação34. Nesses termos, é preciso criar um ambiente que seja favorável à geração de

tecnologia privada, no qual as firmas tenham expectativas de lucros, ao mesmo tempo em que estimule a difusão ou propagação tecnológica entre as mesmas. Conforme as recomendações da OCDE (1992a, 1992b), são necessários esforços governamentais para disseminação das informações relevantes aos processos inovativos; manter um ambiente concorrencial entre as empresas e garantir direitos de propriedade intelectual, considerando as diferenças setoriais.

No entanto, a difusão tecnológica, por si só, não é suficiente para ocorrência de

upgrade tecnológico nas firmas, pois é preciso que as mesmas possuam capacidade de

absorção da tecnologia disponível. Assim, a ação pública deve estimular o desenvolvimento das capacidades individuais das empresas, por exemplo, promovendo a criação de redes formais e informais de cooperação tecnológica entre empresas e proporcionando a participação dessas em amplos programas tecnológicos (OCDE, 1992a, 1992b).

Nos APLs, a capacitação empresarial pode ser alcançada, por um lado, através da capacitação e treinamento dos seus recursos humanos e, por outro lado, via promoção de

34 A importância das políticas públicas para estimular a prática de P&D é consenso entre diversas correntes de

pensamento e justifica-se em virtude do ambiente de incerteza, que limita os resultados dos mecanismos de estímulos à inovação.

interação e de atividades conjuntas entre os agentes para fins inovativos. No que tange aos recursos humanos, Lemos (2001) sugere a criação de cursos e seminários voltados para a difusão e formas de utilização de novas tecnologias (uso de novos equipamentos, uso de tecnologias de informação e aplicação de técnicas de gestão administrativa, financeira, de produção), bem como a implementação de programas de bolsas para estágio e intercâmbio entre empresas e instituições de ensino e pesquisa.

Os principais instrumentos sugeridos para intensificar as atividades conjuntas são: (i) promover a articulação entre agentes locais através da criação de portais e redes virtuais de informações; promover e reuniões e fóruns de discussões (feiras, comissões de normas técnicas) que estimulem a troca de informações e o comprometimento quanto aos objetivos comuns, assim como as ações conjuntas para compra de insumos e para marketing e comercialização; (ii) disseminar o uso da infra-estutura tecnológica local; (iii) incentivar e intensificar o desenvolvimento e aperfeiçoamento conjunto de produtos e processos via projetos cooperativos, consultorias técnicas e certificação por órgãos credenciados; (iv) estimular a valorização de especificidades do arranjo, mediante criação de marca e de elementos que contribuam para criação de uma identidade local, (iv) incentivar práticas de patenteamento, disponibilizando informações de acesso e estudos acerca dos limites e benefícios das formas de proteção às inovações.

Na difusão de informações, assume relevância a intermediação entre a infra-estrutura científica e o meio empresarial através das instituições-ponte, tendo em vista que a transferência do conhecimento da esfera acadêmica para a esfera empresarial não segue uma trajetória natural, por motivos de especificidades e divergência de valores já explicitados. Além de estruturar mecanismos de intercâmbio e transferência de conhecimento e de informações, o arranjo institucional tem como principais objetivos a resolução de conflitos entre as duas esferas, bem como a definição de nichos tecnológicos privilegiados e de direitos de propriedade dos avanços alcançados. Por sua vez, a eficácia das instituições depende da adaptação das mesmas diante das demandas tecnológicas dos setores industriais e das etapas do processo inovativo no qual estão envolvidas, assim como do contexto institucional35.

Acerca desse ponto, vale enfatizar que as especificidades setoriais são fatores determinantes das estratégias tecnológicas das empresas e, conseqüentemente, da sua relação com a infra-estrutura científica. Setores industriais em que prevalecem altas oportunidades

35 Guimarães (1994 apud CASSIOLATO et al., 1996) identificou como principais instituições-ponte no Brasil:

(a) fundações universitárias, (b) centros de pesquisa cooperativos, (c) instituições administradoras de parques e pólos tecnológicos, (d) incubadoras de empresas, (e) instituições de transferência de tecnologia e (f) arranjos cooperativos multi-institucionais.

tecnológicas, como os setores baseados em ciência, por exemplo, tendem a estabelecer uma interação mais ativa com o meio acadêmico. Essa interação pode ser muito eficaz no fortalecimento das condições de apropriabilidade e pode impulsionar as inovações em setores nos quais a cumulatividade do conhecimento é muito importante. Em relação à base de conhecimento, se tácito ou codificado, é importante destacar que quanto maior sua tacitividade, mais sofisticados deverão ser os canais de comunicação para alcançar resultados eficientes (PAVITT, 1984; CASSIOLATO et al., 1996).

De acordo com Bertini (2000), a existência de um ambiente democrático, com decisão conjunta do setor público e privado, facilita a implementação das ações. Nesse particular, Lemos (2001) aponta a importância da ação pública no sentido de sensibilizar e conscientizar o empresariado local sobre a importância da inovação para a competitividade do arranjo produtivo. Para tanto, o estímulo deve basear-se, num primeiro momento, na disseminação de informações enfocando os benefícios do aprendizado coletivo a partir de programas de demonstração de casos de sucesso para os atores locais (empresas, associações, sindicatos, governos e instituições de apoio, pesquisa, ensino e fomento).

Por fim, cabe enfatizar que a construção de vantagens competitivas nos arranjos produtivos está entrelaçada ao desenvolvimento tecnológico das economias em desenvolvimento, cujo alcance, requer, prioritariamente, mudanças institucionais (PEREZ, 1992). Dessa forma, ajustes macroeconômicos não são suficientes para o crescimento sustentável e para aproximação do padrão de desenvolvimento tecnológico dos países desenvolvidos. A capacidade para usufruir, mesmo do conhecimento público e, mais especificamente, de aproveitar as oportunidades postas36, são desiguais e específicas ao país,

pois dependem da sua trajetória e, logo, de decisões tomadas no passado (aspecto path

dependent). Assim, Perez (1992) aponta que para realizar esse upgrade, as empresas

necessitam de medidas de apoio, tais como financiamento, qualificação dos recursos humanos (renovação do sistema educacional e de capacitação) e melhoria da infra-estrutura. Essa mudança deve seguir ao encontro das novas tendências, portanto, aos estímulos a inovação via construção de um sistema nacional de inovação ou um sistema nacional de ciência e tecnologia, para o qual as estâncias públicas e privadas precisam agir em conjunto.

36 A tese de Perez (1992) aponta que o período de transição para um novo paradigma abre oportunidades para

que os PEDs possam alcançar um upgrade tecnológico, em virtude das janelas de oportunidades que se abrem sempre que surge uma inovação radical. Nesse sentido, faz-se essencialmente necessário que ocorram mudanças, tais como a reestruturação do parque industrial, mudanças no marco regulatório e mudanças institucionais, o que, na maioria das vezes, não é uma transição simples e, quanto mais essa mudança se alonga, mais distantes esses países encontram-se da fronteira tecnológica.