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Por muito que se ajude fazemos sempre a coisa mais pequena: coparentalidades de

2. Paternidades de apoio

2.3. Por muito que se ajude fazemos sempre a coisa mais pequena: coparentalidades de

Na paternidade de apoio, a cooperação parental desenha uma coparentalidade de apoio

mútuo. Esta é feita de uma partilha marcada pela disponibilidade de ambos para fazer o que é

preciso para a família e pelo apoio de cada um ao papel do outro. É movida pelo acolhimento de uma paternidade próxima e participativa nos quotidianos parentais e pela necessidade de cooperação parental colocada pelo duplo trabalho ou dupla carreira do casal. Por outro lado, também pela importância que a parentalidade tem para o pai, quer como peça central da produção de sentidos existenciais e de gratificações pessoais na família, quer como principal terreno de fabrico da coesão do grupo familiar. A cooperação parental é, assim, orientada

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pelas finalidades de compreensão e comunhão no casal, materializadas na participação de ambos nas instrumentalidades e expressividades da produção da vida em família.

«Se houver uma grande participação entre ambos, torna-se mais fácil a vida em comum. E eu penso que essa participação, sempre a tivemos.»

Cláudio

Trata-se, contudo, de uma participação diferenciada ancorada no ideário de lugares parentais e esferas de acção especializados para cada género e que são encarados como complementares. Contudo, a regra de apoio mútuo, combinada com a exploração de uma paternidade investida no valor da relação com a criança, torna esta estrutura de expectativas flexível. Por isso, são formadas equivalências masculinas nas interacções, ainda que apenas no cuidar físico e nalgumas esferas do trabalho doméstico, ao contrário da coparentalidade

conjunta em que estas abrangem as várias esferas de acção parental. As equivalências na

coparentalidade de apoio mútuo decorrem da atribuição de novos significados aos modelos de complementaridade de género mais tradicionais que norteiam uma segregação rígida de papéis. Isto porque as interpretações do que compete a cada um são referenciadas a uma conjugação de esforços no casal que é feita por ajustamentos continuados, quer concertados quer adaptados, do que cada um faz, e do seu significado para o todo familiar, que implicam um papel mais abrangente para o homem-pai na família. Assim, diferenças, equivalências e complementaridades vão sendo combinadas e redefinidas, ora por referência a um ideário igualitário e democrático, ora por referência a um ideário de fusionalidade e de familialismo expressivo, que muitas das vezes ganha terreno à justiça distributiva quando é preciso responder às exigências do funcionamento familiar.

Este entrelaçamento de referentes valorativos e normativos plurais e matizados desenha uma regulação da cooperação parental na qual a negociação de lugares e esferas de acção gira em torno, sobretudo, dos significados e das praticabilidades paternas. Estes são, assim, mais sujeitos a recomposições, como resposta, muitas vezes, às exigências dos eventos e das circunstâncias parentais e familiares que se vão sucedendo ao longo do tempo. Um exemplo disso mesmo é o facto de Cláudio se ter tornado o principal cuidador da filha quando a mulher trabalhou longe de casa durante 3 anos, ou ter tido de procurar novas formas de ancorar a proximidade e a orientação nas interacções com a filha quando esta começou a colocar limites ao «fazer junto» com o pai. Deste modo, o papel paterno mantém-se aberto ao acolhimento de novos desempenhos, como o cuidar físico e emocional e a matizar com expressividades as suas facetas educativas e disciplinares, mais estatutárias. O materno permanece ancorado no ideário de uma maternidade sinónimo da naturalidade da força dos

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laços entre a mãe e a criança, de maiores competências nos cuidados físicos e emocionais, na gestão do clima emocional e da qualidade das relações e da vida em família em geral. Mantém-se sempre como aquele que é mais englobante e intocável, não só porque é encarado como o pilar da parentalidade, porque munido de mais especificidades, como aquele que serve de suporte ao do pai.

No contexto da cooperação parental o «apoio» masculino é, nas palavras de António:

uma pequena muleta, o que acaba por entrar em contradição com o significado que lhe é

atribuído no relacionamento com a criança, em que este é reportado à afirmação da auto- suficiência masculina, às equivalência nas práticas de cuidar e à autonomia relacional com a criança. Porém, o que aparenta ser contraditório ganha coerência quando percebemos que a incorporação destes elementos na matriz de acção paterna tem significados variáveis, dado que são produzidos no contrabalanço entre a convicção da maior mestria feminina na parentalidade e na gestão da vida familiar, por um lado, e a da importância do pai para a criança e para o fabrico dos laços familiares, pelo outro. O que indica que, na negociação de papéis parentais, a lógica de abertura ao pai dos domínios femininos de acção está ancorada na convicção da existência de terrenos de forte liderança feminina e de seguimento masculino (Dienhart 1998), que preservam algumas diferenças nos lugares de cada um e que criam dependências entre acção paterna e materna. Por isso, nestes domínios, a auto-suficiência masculina é sempre contida porque o pai vê o seu contributo como um «apoio» à parceira e, por isso, secundário:

«A aptidão número um para tomar conta da criança será sempre da mãe. A presença da mãe é sempre o ponto número um. A mãe… é sempre diferente. É diferente … […] O carinho do pai é importante, mas o carinho da parte da mãe é o número um. Porque sendo a mãe a gerar a criança… É lógico!»

António

Já no que toca às esferas da orientação e do exercício de autoridade é a convicção da liderança paterna que prevalece. O pai distingue a orientação nas pequenas coisas do quotidiano que compete à mãe, até porque é ela quem está mais tempo com os filhos, da que é verdadeiramente importante para a formação moral e social deles, que atribuí ao papel paterno. Por outro lado, espera o apoio da mãe neste desempenho. Contudo, mais uma vez, é uma estrutura de diferenciação referenciada a uma complementaridade entre pai e mãe assente nos princípios de apoio e compreensão mútua no casal. Deste modo, é o apoio mútuo no acompanhamento à criança que predomina, acabando por dar lugar ao revezamento educativo negociado em casal, que é combinado com momentos de liderança paterna.

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«Quem dá autorização ou quem proíbe, sou eu. […] Se eu estou a dar a boa educação, a mãe deve apoiar. A educação da parte da mãe também é importante, mas a mãe contradizer aquilo que eu digo é mau num casal. O acordo mútuo é importante. E é lógico, o acompanhamento mútuo do casal para a educação do filho é o mais importante, a nível de tudo.»

António

No plano da divisão do trabalho familiar combinam-se também diferenciações e equivalências nas complementaridades criadas entre pai e mãe. É assim igualmente um terreno de expressão do contrapeso entre igualdade e comunhão, na valoração das normas que orientam a partilha da produção da vida quotidiana. Deste modo, nela combinam-se as convicções de que é necessária uma divisão entre o homem e a mulher do que há a fazer na vida doméstica, dado o duplo emprego do casal, e de que esta é mais uma expressão da compreensão que une o casal:

«Eu tenho que compreender que enquanto ela está a fazer o jantar, eu posso apanhar a roupa. Por isso, acho que é o ponto número um, é a compreensão. É o dividir a tarefa.»

António

Neste palco, o «apoio» masculino materializa-se na ajuda à parceira, quer pela resposta aos seus pedidos, quer na tomada de iniciativas, mas ressalvando sempre a liderança feminina e a sua maior responsabilidade nos afazeres domésticos:

«É sempre, é sempre… a mulher está sempre mais sobrecarregada. Não vamos dizer o contrário. A minha mulher pode chegar a casa e ter o jantar pronto, mas há sempre pequenas coisinhas que elas têm de fazer: ou mete a máquina a lavar roupa ou vai estender a roupa e, por muito que se ajude, fazemos sempre a coisa mais pequena.»

Cláudio

Ao mesmo tempo, é interessante como estes homens apontam as tarefas domésticas como um dos seus principais domínios de gratificação, logo a seguir à sua relação com os filhos e à vida em casal. Chegando, inclusivamente, a criticar os homens que não participam nestas tarefas:

«Acho que é um horror completo uma pessoa estar a viver com alguém e a pessoa não participar nas tarefas domésticas.»

Cláudio

Indicando que, embora sejam privilegiadas as tarefas que implicam interacções com os filhos, como é comum verificar-se na divisão sexual do trabalho familiar (Torres, Viera da Silva, Monteiro e Cabrita 2004; Wall e Guerreiro 2005b), ao mesmo tempo, as competências domésticas masculinas não deixam de ser um terreno de afirmação identitária quer na paternidade, como vimos, quer na cooperação parental. Talvez, neste caso, sejam factores a levar em conta na compreensão desta especificidade os patrimónios disposicionais adquiridos

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pelos homens ao longo dos seus percursos de vida e o facto de terem encontrado um contexto propiciador à sua expressão.

Mas retomemos a análise das formas como na coparentalidade de apoio mútuo é organizada a divisão do trabalho familiar. Os seus princípios são, sobretudo, a disponibilidade de ambos para fazer e a ajuda mútua:

«Quando há necessidade de fazer algo há sempre disponibilidade de ambos para que isso aconteça.»

Cláudio «É sempre os dois. Ajuda um e ajuda o outro.»

António

Na prática, trata-se de fazer ao mesmo tempo tarefas diferentes, sob orientação da mulher. Ou de revezar o que há para fazer, quando é preciso levantar de noite para atender à criança pequena, por exemplo. Mas também de deixar para o outro aquilo que menos se gosta.

«Enquanto há um que faz isto, o outro faz aquilo: chega A, chega B, a minha mulher diz assim, “António, olha, vou fazer o jantar, dá-me uma arrumadela aqui nesta roupa e apanha-me aquela roupa”. (…) O que acordasse fazia. Ou, pronto, ou… “Vais lá tu fazer o biberão?» - «Vou». Pronto, enquanto um dorme… o outro faz, é assim. (…) Se a senhora me perguntar se eu passo a ferro, eu vou-lhe dizer que não.»

António

Ou, ainda, fazer o que mais se gosta, seja cozinhar e passar a ferro, como é o caso de Cláudio, seja gerir a despensa, a prática preferida de António, porque lhe permite mimar os filhos com um frigorífico cheio do que eles gostam. E, por último, fazer em conjunto, como a ida às compras ou ajudar a criança a realizar uma tarefa em família, por exemplo.

A divisão do trabalho pago é feita por um duplo trabalho ou dupla carreira, que não excluí a possibilidade de a mãe interromper o trabalho quando a criança é muito pequena, como fez a parceira de António. Está assim ancorada, simultaneamente, na maior responsabilidade económica do homem na família e na igualdade entre os sexos na vida profissional. Nos casais de duplo trabalho, o salário da mulher é muitas vezes essencial para o orçamento familiar. Ainda assim, o homem embora reconheça a importância que o trabalho tem para a sua parceira, olha-o como um apoio feminino ao seu prover e não como um duplo prover em pé de igualdade.