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Referimos anteriormente que esta tese foi, em grande parte, desenvolvida no seio do projecto «A vida familiar no masculino: novos papéis, novas identidades», estando, por isso, estreitamente ligada aos seus objectivos e opções metodológicas. A vinculação ao trabalho de campo do projecto é um dos aspectos desta colaboração, nomeadamente ao seu desenho qualitativo, dirigido para a indagação intensiva e compreensiva do social nas lógicas e nos processos de acção, nas práticas, nos valores e nas visões do mundo inscritos nas biografias e experiências de homens-pais (Kauffman 1996; Stake 2005).

A escolha da entrevista semi-estruturada na sua preparação e semi-directiva na sua aplicação (Colognese e Melo 1998), complementada com o aprofundamento em que se sustentam as abordagens biográficas, como instrumento principal de recolha de dados, decorre desta opção. Com efeito, apresentava-se como a via metodológica mais adequada para

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obter diversos testemunhos subjectivos sobre modos de pensar e agir singulares, sem que fosse negligenciada a sua dimensão processual, relacional e social.

A semi-estruturação refere-se à preparação prévia de um guião de entrevista39, o qual salvaguarda que a recolha de informação cobre os interesses da pesquisa, mas deixando uma margem de flexibilidade ao entrevistador em relação a perguntas adicionais que se revelem pertinentes ao longo de cada entrevista, mantendo, assim, uma relação dialéctica entre o modelo analítico e a recolha de informação. A semi-directividade, pelo seu lado, refere-se à possibilidade de adequar as questões a serem colocadas à narratividade do entrevistado, permitindo-lhe tecer livremente o discurso: interrogar-se a si mesmo e expressar sentimentos e interpretações de eventos e de factos; estabelecer pontes narrativas que organizam o sentido e a sequencialidade da sua experiência; e dar coerência à imagem de si produzida na situação de entrevista (Chase 2005). Ao mesmo tempo, o entrevistador pode ir guiando e incentivando tal narrativa: procurando alimentar uma dinâmica de conversação e não tanto de pergunta/resposta; criando empatia e familiaridade com o entrevistado, mostrando interesse no que este tem para dizer, aproximando-se do seu universo de valores e de linguagem; mas também colocando perguntas que direccionem a narrativa para as questões da pesquisa e precisem factos e opiniões (Kauffman 1996).

Ora, o grau de à-vontade conseguido nas entrevistas e a consequente densidade e extensão dos testemunhos foram superiores aos inicialmente esperados. Face ao nível de intimidade de algumas questões e à influência de dinâmicas de género geradas pelo facto de ser uma mulher a entrevistar homens, para não falar de outro tipo de influências como as de classe, esperávamos obter narrativas mais contidas (Kauffman 1996; Ruquoy 1997). Mas, a verdade, é que as entrevistas duraram entre cerca de 2 e quase 5 horas, sendo que muitas tiveram que ser divididas em duas sessões. Em muitas entrevistas gerou-se uma grande carga emotiva – vários homens choraram - no que tocou a falar sobre sentimentos e emoções desencadeados por eventos familiares, seja relativos à experiência da paternidade e ao relacionamento com os filhos, seja ao modo como estes foram atingidos pelo divórcio ou separação. No que concerne às perguntas que tocavam mais explicitamente as questões de género (a divisão de cuidados aos filhos e a tarefas domésticas, por exemplo), embora alguns discursos se fixassem, por vezes, no «politicamente correcto», esta não foi uma constante. Ainda assim, este era também um dado relevante (ver: Pereira 2010) e, por outro lado, o

39 O guião de entrevista pode ser consultado em Wall, Karin, Aboim, Sofia e Cunha, Vanessa, eds. 2010. A vida

familiar no masculino. Negociando velhas e novas masculinidades. Lisboa: CITE - Comissão para a igualdade no trabalho e no emprego; disponível online em:

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próprio guião foi pensado para desconstruir este tipo de discursos, ao indagar sobre várias facetas tanto das práticas como das representações e dos valores.

Quanto à influência da diferença de género na situação de entrevista, cabe referir que utilizei algumas estratégias para ultrapassar os possíveis obstáculos que poderia criar à obtenção de informações mais íntimas, ou relativas à posição do entrevistado face à mesma: em primeiro lugar, ao mesmo tempo que me apresentei como investigadora interessada nas experiências e opiniões dos homens sobre a conjugalidade, a família e a parentalidade, dei a conhecer ao entrevistado que sou mãe de uma jovem adulta e que sou filha de pais divorciados – o que me permitiu criar empatia e sintonia com o que me ia sendo relatado (Kauffman 1996); em segundo lugar, enfatizei a diferença de género (Ruquoy 1997), sublinhando o meu desconhecimento das experiências e opiniões dos homens em relação à temática em questão, pelo facto de ser mulher, argumento que serviu de mote a descrições mais aprofundadas e pormenorizadas. Por outro lado, sempre que me deparei com entrevistados mais desprovidos de capitais escolares e preocupados com o que era esperado que respondessem, fui sublinhando, ao longo da entrevista, que não existem «respostas certas ou erradas» e a importância do seu testemunho franco para o estudo. Se estas técnicas de

mitigação apenas atenuam as assimetrias e hierarquias inerentes à situação de entrevista,

amenizando o carácter simbolicamente violento da situação de entrevista (Bourdieu 1993), servem, sobretudo, a estratégia do investigador de obter dados de qualidade. Nesta medida devem ser sempre alvo de reflexão na análise e interpretação dos dados.

O trabalho de campo decorreu entre Dezembro de 2004 e Dezembro de 2005 e foi efectuado no âmbito do projecto. O recrutamento dos entrevistados começou por ser feito através das redes sociais da equipa do projecto e, posteriormente, pelo recurso às redes dos entrevistados, ou seja, pelo método bola de neve. A utilização deste método, baseado na recomendação do estudo a pessoas conhecidas e com quem se tem relações de confiança, reflectiu-se numa forte aceitação e curiosidade por parte dos homens contactados, pelo que não houve recusas à participação. Este recrutamento foi efectuado segundo os seguintes critérios: ter pelo menos um filho com idade inferior a 18 anos, pertencer a diferentes quadrantes sociais, residir na área metropolitana de Lisboa e viver em diferentes situações familiares: famílias simples de casais com filhos, monoparentais e recompostas.

Ora, a autonomização e construção do objecto dinâmicas de construção da

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específica a partir do total de entrevistas realizadas no projecto40. Assim, no respeitante às famílias simples de casais com filhos, estabelecemos como critério adicional a negociação conjugal da inclusão do homem no quotidiano parental, no quadro do duplo emprego no casal. Deste modo, seleccionámos 18 casos do total de 2341. Do conjunto de entrevistas a homens separados ou divorciados, seleccionámos os 12 casos de guarda conjunta com residência alternada. Em Maio de 2009, já após a análise das 12 entrevistas referidas e com o intuito de encontrar respostas para algumas questões que a mesma levantou, através de uma maior diversificação da amostra, procurámos fazer mais algumas entrevistas. Dada a dificuldade em encontrar estes casos, conseguimos apenas entrevistar mais 2 homens. No mesmo período, voltámos à fala pelo telefone com alguns dos homens anteriormente entrevistados, para clarificar alguns dados e acompanhar o seu percurso42. A amostra de residências alternadas é, então, constituída por 14 casos.

Tratando-se de um estudo exploratório ancorado numa metodologia intensiva, não se pretendeu obter uma amostra representativa, mas, sim, significativa quanto à adequação e coerência das interrogações e do modelo analítico, relativamente aos dados recolhidos (Kauffman 1996). O efeito de saturação pode ser indicativo de tal significância, ao assinalar a semelhança da informação recolhida a partir de determinado momento e, portanto, que os dados são suficientes para dar resposta aos objectivos que foram sendo estabelecidos. Contudo, há que notar que o efeito de saturação não é um indicador absoluto, mas relativo aos vários níveis analíticos mobilizados, podendo ter apenas um efeito estabilizador de alguns desses níveis (Small 2009; Stake 2005). Por outro lado, como nos ensina Kauffman (1996), nem todos os objectos são intrinsecamente saturáveis, dada a sua complexidade e multidimensionalidade. Deste modo, um modelo analítico dificilmente consegue reconstituir totalmente a plenitude da diversidade contida num processo, lógica ou comportamento, da

40 A amostra do projecto é constituída por 23 famílias simples, 19 famílias monoparentais e 17 recompostas (ver: Wall, Karin, Aboim, Sofia e Cunha, Vanessa 2010).

41 Das cinco entrevistas excluídas, 3 correspondiam a casos que, no âmbito do projecto, foram classificados de paternidades paralelas (Wall, Aboim e Marinho 2010). Trata-se de paternidades estatutárias e distantes, em que estão praticamente ausentes quer traços relacionais na relação pai-filhos, quer a negociação da inclusão do homem na cooperação parental. As outras duas entrevistas correspondem a casos de «pais a tempo inteiro», que não cumpriam o critério do duplo emprego do casal, por um lado, e, pelo outro, que a sociologia tem mostrado serem, só por si, formas de construir a paternidade muito específicas e variadas (Doucet 2004; Doucet e Merla 2007; Merla 2008). Ambas situações correspondem, assim, a trilhos empíricos que abandonámos num processo de fechamento do objecto, mesmo sabendo que nos podiam dar um retrato ainda mais diversificado das dinâmicas de construção da paternidade.

42 Tivemos também a oportunidade de acompanhar o percurso de construção e consolidação de uma das residências alternadas desde 2004 até ao presente. A observação das dinâmicas de interacção e de cooperação parental, bem como as conversas que fui tendo com o pai em questão foram uma fonte de chamada de atenção para algumas das dimensões envolvidas na cooperação parental neste contexto familiar.

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mesma maneira que cada história de vida tem uma estrutura singular, que lhe é própria e, por isso, não existem dois casos, mesmo que com algumas semelhanças, que evoquem igualmente um modelo de análise: cada um realçará um ou outro aspecto desse modelo (Stake 2005). Destacar o valor singular de cada caso, sustentado pela máxima de Elias (1993) que cada indivíduo contém em si as lógicas sociais e culturais do seu tempo, foi, então, a opção tomada. Levou-nos a seguir a convicção de Stake (2005) e de Small (2009) de que não é a quantidade de casos que determina a qualidade da análise e o alcance dos dados recolhidos, mas mais o seu equilíbrio e variedade – aspecto também sublinhado por Kauffman (1996). Deste modo, a validação da amostra decorreu da combinação da saturação dos eixos de interrogação centrais da pesquisa, com a procura de equilíbrio e variedade de casos, através do conjunto de critérios estabelecidos para a sua construção - que garantiu que os entrevistados se situassem, simultaneamente, num conjunto de eixos de semelhança e de diferenciação. Olhemos, então, para a caracterização biográfica, familiar e socioeconómica dos entrevistados.

A variedade de situações que caracteriza os percursos conjugais e parentais dos entrevistados é um primeiro aspecto a assinalar, que resulta, em parte, da diversidade de tempos biográficos e familiares com que nos deparámos. Os entrevistados têm idades entre os 30 e 48 anos, atribuindo, assim, um eixo temporal longo à amostra. Apesar desta diversidade, o grupo de homens que se encontra numa primeira conjugalidade une-se em torno de alguns eixos temporais, biográficos e familiares (quadro 1): muitos estavam na casa dos 30-40 anos e numa primeira conjugalidade já com alguns anos (entre 6 e 15; 25 anos a mais longa). A maior parte dos homens optou pelo casamento civil ou religioso. A maior parte dos homens optou pelo casamento civil ou religioso.

Já o grupo de homens separados ou divorciados é menos uniforme quanto à idade, o que não acontece em relação à situação conjugal actual, dado que 6 homens vivem sós e 8 encontram-se numa segunda conjugalidade, tendo grande parte optado pela coabitação, ao contrário da formalização civil ou religiosa que pautou a sua primeira conjugalidade. Neste grupo, a primeira conjugalidade de 6 a 10 anos tem mais expressão. Não obstante, temos também alguns casos de primeiras conjugalidades mais longas. Grande parte das segundas conjugalidades foram iniciadas há menos de 6 anos, algumas logo a seguir à ruptura da conjugalidade anterior.

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Quadro 1- Idade e percurso conjugal

Idade e percurso conjugal

Primeira conjugalidade (18) Residência alternada (14) Idade do entrevistado 30-35 anos 6 3 36-40 anos 6 5 41-45 anos 4 3 45-48 anos 2 3 Percurso conjugal

Laço conjugal actual

Casado 15 -

Casado c/ coabitação inicial 2 -

Coabitação 1 8

Sem laço conjugal - 6

Duração conjugalidade actual

≤ 5 anos 1 7

6-10 anos 7 -

11-15 anos 5 1

16-20 anos 2 -

21-25 anos 3 -

Laço conjugal anterior

Casado - 11

Casado com coabitação inicial - 1

Coabitação - 2

Duração conjugalidade anterior

5 anos - 4 6-10 anos - 6 11-15 anos - 2 16-20 anos - 2 Ruptura conjugal ≤ 5 anos - 7 6-10 anos - 5 11-15 anos - 2

No quadro 2, podemos observar o percurso parental dos entrevistados, que reforça a diversidade e uniformidade da amostra ao nível dos eixos temporais, biográficos e familiares. A idade de transição para a paternidade incide entre os 20 e os 29 anos, embora também ocorra mais tardiamente, aos 30-35 anos, particularmente no grupo dos homens separados. A polarização das descendências, traço característico da fecundidade na sociedade portuguesa (Cunha 2007a; 2010a), é bem patente na amostra. Assim, no grupo dos homens em primeira conjugalidade predominam as descendências de 2 filhos, embora as de filho único sejam também relevantes, sucedendo o inverso no grupo dos pais separados. As descendências de 3 ou mais filhos estão representadas em ambos os grupos. Acompanhando a amplitude temporal das idades, da duração das conjugalidades e das descendências, a idade dos filhos é também diversa, permitindo-nos comparar significados e práticas em diferentes fases do crescimento da criança. Alguns entrevistados têm filhos em idade pré-escolar, outros, filhos adolescentes, sendo que a maioria tem a cargo crianças de 6-10 anos.

Para a grande parte dos homens separados ou divorciados, a ruptura conjugal ocorreu há 5 ou menos anos (2-3 anos em média) ou há 6-10 anos. Curiosamente, em grande parte dos casos o filho mais velho tinha até 5 anos, indicando que para estes casais o facto de a criança

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ser pequena não foi um motivo para adiar a separação. A transição para a residência alternada deu-se, na maioria destas famílias, no momento do divórcio ou pouco tempo depois. Nalguns casos, a transição foi mais demorada, permitindo-nos observar diferentes mecanismos da sua negociação. As modalidades mais frequentes de divisão dos tempos de residência dos filhos são as semanas alternadas ou repartidas43.

Quadro 2- Percurso parental Percurso parental Primeira conjugalidade

(18) Residência alternada (14) Número de filhos 1 filho 5 8 2 filhos 11 5 3 ou mais filhos 2 1

Idade do filho mais velho

≤ 5 anos 4 1

6-10 anos 7 9

11-15 anos 4 2

≥ 16 anos 3 2

Idade ao nascimento do 1º filho

20-24 anos 6 2

25-29 anos 6 5

30-35 anos 4 7

35-39 anos 2 -

Idade do filho mais velho ao momento do divórcio/separação

≤ 2 anos - 6

3-5 anos - 3

6-10 anos - 4

11-15 anos - -

16 anos - 1

Transição para a residência alternada

Imediata - 6

Até 6 meses - 3

Até 1 ano - 1

Até 2 anos - 2

> 3 anos - 2

Modalidades de divisão dos tempos de residência alternada

Quinzenal - 3

Semanas alternadas44 - 4

Semanas repartidas45

- 6

Dia com o pai e final da tarde e noite com a

mãe46 - 1

Um dos critérios de construção da amostra foi também o posicionamento diferenciado dos entrevistados no espaço social (quadro 3). A diversificação a partir do nível de escolaridade foi uma das estratégias utilizadas. Assim, enquanto nas primeiras conjugalidades há alguma diversidade, na residência alternada prevalecem as escolaridades altas, pese embora a presença de alguns casos de escolaridades ao nível do secundário e um caso em que a escolaridade não ultrapassa o 2º ciclo. A verdade é que são casos extremamente difíceis de

43 Cabe referir que, em dois casos, os homens têm dois filhos e a modalidade de divisão do tempo de residência de cada um com os progenitores é diferente.

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A designação semanas alternadas refere-se a divisões por períodos que podem ser de segunda-feira a domingo, ou de segunda a segunda-feira.

45 A designação semanas repartidas refere-se a modos de divisão em que a criança está uma parte da semana com o pai e a outra com a mãe e alterna os fins-de-semana com os progenitores; um exemplo desta divisão é a criança estar segunda e terça-feira com o pai, quarta e quinta-feira com a mãe e passar o fim-de-semana ora com um, ora com o outro.

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encontrar e, mais ainda, nos meios mais desfavorecidos. Portanto, ao que parece, exigem outras estratégias de recrutamento não utilizadas neste estudo. Trata-se, assim, de um grupo mais homogéneo que centra a análise nos grupos sociais mais favorecidos, o que é também indicado pelas remunerações que auferem. O efeito da utilização das redes sociais da equipa no recrutamento de entrevistados é visível no número de profissionais intelectuais, científicos e artísticos que constitui a amostra. Ainda assim, a diversidade de capitais escolares reflecte- se na de profissões, particularmente no grupo em primeira conjugalidade, em que encontramos os empregados administrativos ou do comércio e as profissões manuais ou pouco qualificadas (operários, estafetas, mecânicos, ou motoristas).

Quadro 3 - Caracterização socioeconómica

Caracterização socioeconómica Primeira conjugalidade (18) Residência alternada (14) Nível de escolaridade

1º ciclo do ensino básico 1 -

2º ciclo do ensino básico - 1

3º ciclo do ensino básico 6 -

Ensino secundário 4 4

Ensino superior 3 2

Ensino pós-graduado 4 7

Grupo socioprofissional

Empresários e dirigentes 1 2

Profissionais intelectuais, científicos e artísticos 6 5 Profissionais técnicos e de enquadramento

intermédio 3 4

Pequenos empresários e profissionais liberais 1 3

Empregados executantes 2 -

Empregados não qualificados dos serviços 2 -

Profissões manuais 3 -

Escalão de rendimento (líquido mensal)

≤ 750 € 2 - > 750 e ≤ 1000 € 7 2 > 1000 e ≤2000 € 2 3 > 2000 e ≤3000 € 3 2 > 3000 € 4 5 N/R - 2

Nos próximos dois capítulos, que constituem a segunda parte desta tese, passaremos a apresentar os resultados do estudo. Começamos por apresentar os perfis de paternidade na primeira conjugalidade (capítulo 1), em seguida debruçamo-nos sobre os perfis de paternidade na guarda conjunta com residência alternada (capítulo 2).

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PARTE II

Dinâmicas de construção da paternidade em parcerias parentais:

Capítulo 1

Construindo e transformando paternidades na conjugalidade

Ao longo deste capítulo retratamos a pluridimensionalidade e complexidade dos processos de diversificação e de (re)configuração da paternidade na conjugalidade, identificando e explicando modalidades de negociação de sentidos e práticas para a paternidade no casal.

Para tal, examinaremos as dinâmicas internas da paternidade, desvendando diferentes formas de construir e transformar significados subjectivos, identidades e práticas paternas nas interacções pai-filhos e pai mãe, bem como a sua cumplicidade com diferentes modalidades de cooperação parental no casal. Indagamos em que medida se inscrevem na mudança na paternidade relativa quer a eventos e circunstâncias nos percursos de vida dos entrevistados, quer ao modo como estes e posicionam face à figura paterna e à partilha parental da sua família de origem, quer, ainda, a como encaram as transformações ocorridas na sociedade portuguesa e que atravessam hoje a vida familiar. Veremos, ainda, como são influenciadas pelas condições normativas e sociais em que a paternidade é vivida.

Falaremos de paternidades e não da paternidade como um todo homogéneo, pois mostraremos, justamente, a diversidade de formas como os casais portugueses constroem e transformam a paternidade em parcerias parentais. Retrata-se, então, diferentes lógicas e processos que tecem as dinâmicas de paternidade, reunindo os seus traços distintivos e marcantes em vários perfis de paternidade: conjuntas, de apoio, incentivadas, autónomas e

electivas, sendo que o perfil das paternidades autónomas engloba dois subperfis: o igualitário

e o apropriativo. Estes perfis compõem retratos de configurações da paternidade na primeira conjugalidade na sociedade portuguesa, mas importa frisar que não abarcam a totalidade de configurações possíveis que esta pode assumir; apenas aquelas que a nossa abordagem nos permitiu captar.

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Antes de avançarmos para a explicação do modo de apresentação dos perfis, cabe aqui um esclarecimento, para que o leitor não estranhe a reunião das narrativas dos homens que se encontram em primeira conjugalidade com as dos homens separados. De facto, muito embora tenhamos privilegiado as narrativas dos primeiros na análise que se segue, as experiências de paternidade na conjugalidade dos homens separados ou divorciados foram também levadas em conta. Com efeito, as experiências e os exemplos na família de origem, a entrada na conjugalidade e a construção do casal, a transição para a parentalidade e a entrada no mundo dos cuidados e da educação dos filhos, bem como a sua negociação no casal foram vividos por todos os entrevistados. Por isso os reunimos neste capítulo, averiguando depois, no capítulo que se segue, a influência do percurso na conjugalidade dos homens separados nos modos ser pai na residência alternada.

Iniciamos a apresentação dos perfis pela descrição de três paternidades em que a construção da relação pai-filhos e do lugar e papel paterno, através da negociação da maior inclusão do homem na produção do quotidiano parental, ocorre no seio de lógicas de cooperação fusionais distintas: conjuntas, de ajuda e incentivadas. Em seguida, falamos das que estão mais ligadas a lógicas de autonomia: as paternidades autónomas, subdivididas em

igualitárias e apropriativas. Por último, descrevemos as paternidades electivas, em que estas

duas lógicas se combinam.

Na explicação de cada perfil de paternidade identificado, começa-se por fazer uma síntese dos seus traços distintivos, dando a conhecer, em seguida, as principais características familiares e socioeconómicas do grupo de entrevistados que o desenha. Em cada paternidade