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O que é, portanto, a crítica Marxiana?

3 Considerações metodológicas: recuperando o método de Mar

3.1 Sobre o método: dialética de Hegel, dialética de Mar

3.1.2 O que é, portanto, a crítica Marxiana?

É possível agora formular uma síntese sobre em que consiste a crítica marxiana. Em primeiro lugar, crítica para Marx é na superação da aparência fetichizada das relações sociais (KAIN, 1980, p. 312). Fazer crítica é “[...] dissolver aquilo que aparece imediatamente, tanto para compreender porque ele aparece dessa forma, como para apreender a estrutura mais profunda da realidade, vale dizer, os elementos que garantem a sua unidade e a sua permanência (sempre relativas).” (TONET, 2016, p. 145). Nesse sentido, crítica é a negação do positivo e do metafísico. Essa negação, movendo-se pelas determinações intrínsecas do objeto, vai desvendar-lhe suas mediações próprias sem considerá-lo como dado (JONES,

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Sobre a apropriação dos conceitos teóricos já existentes, basta pensar num dos fundamentos da teoria social de Marx: o valor-trabalho. Ele toma essa construção teórica emprestada de David Ricardo e a articula com a forma-valor, resultando em uma de suas mais conhecidas categorias: a mais-valia (JONES, 2017).

2017, p. 141). O movimento de superação da aparência em direção à essência significa que a produção teórica resultante da crítica é também uma recusa de qualquer ideologia – tomada no sentido de falsa consciência. Ou seja, é a superação das mistificações que nos impedem de apreender as determinações fundamentais da realidade e, em particular, sua materialidade60 e historicidade (MARX; ENGELS, 1845/2007).

Em segundo lugar, a superação das mistificações revela a história e, portanto, o movimento da realidade. Nenhuma metafísica eterna é autorizada a permanecer sem crítica. Sendo assim, os próprios pressupostos materialistas históricos são conclusões e não posições dogmáticas. As primeiras elaborações teóricas de Marx, em particular a Crítica da filosofia do

direito de Hegel e A ideologia alemã, são justamente a articulação dessa concepção

materialista histórica. Superadas as ilusões imobilizantes, os homens podem compreender seu mundo e emancipar-se pela autodeterminação. A investigação filosófica tem, para Marx uma finalidade (telos) claramente definida, sem pretensão de neutralidade.

Marx sintetiza esses dois pontos, a superação das mistificações e a recuperação da historicidade assim:

A TAREFA DA HISTÓRIA, desta forma, depois que o MUNDO DA VERDADE se apagou, é constituir a VERDADE DESTE MUNDO. A imediata tarefa da filosofia, que está ao serviço da história, é desmascarar a auto-alienação humana nas suas formas não sagradas, agora que ela foi desmascarada na sua forma sagrada. (MARX, 1843/2004b, p. 46, grifos do autor).

Hegel pretendeu superar a cisão sujeito-objeto incorporando a dimensão subjetiva e mesmo interpretativa ao processo do conhecimento. Mas nem a Fenomenologia do espírito nem a apropriação que Marx faz dela permitem que esse subjetivismo e interpretativismo se confundam com relativismo ou frouxidão conceitual. Isso fica mais claro ao confrontarmos o sistema teórico-metodológico de Marx com sistemas subjetivistas coerentes com a limitação kantiana de acesso ao fenômeno, mas não à coisa-em-si (como, em parte, a sociologia de Weber, a fenomenologia de Husserl, ou os construcionismos sociais). Tais abordagens, que se amparam nas perspectivas dos sujeitos e não as submetem a uma crítica rigorosa e não têm como confrontá-las contra uma realidade exterior, podem apenas pretender reproduzir, de maneira elaborada, toda sorte de mistificações que povoam as cabeças dos sujeitos investigados. Isso só faz sentido a partir de uma concepção idealista em que são as ideias que formam a realidade ou, para colocar em termos do próprio Marx, uma concepção em que a

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Vale dizer que, em Marx, essência e materialidade (conforme sua definição de materialidade) são conceitos muito próximos, de maneira que ele está sempre interessado em compreender como as determinações necessárias da materialidade estão por trás do movimento aparente da realidade.

consciência determina o ser social. O que encontramos aqui é exatamente um aspecto do antigo idealismo criticado duramente por Marx durante a década de 1840.

É por isso que o objetivo último da investigação deveria ser a crítica e não apenas a descrição. Precisa considerar os desenvolvimentos além da simples análise. Explicar e não somente descrever (FARIA, 2011, p. 7). Um exemplo simples mostra como ir além da aparência. Marx verifica que Adam Smith associa o trabalho a um caráter negativo, de obrigatoriedade e mesmo de fardo. Isso acontece porque Smith parte de uma metafísica do trabalho que se detém na sua aparência imediata, historicamente situada. Assim, em Smith o momento de felicidade, realização e liberdade humana é precisamente o momento de repouso e não o do trabalho. Essa é uma conclusão meramente descritiva, isto é, que se limita a apresentar a aparência do objeto (no caso, o significado IMEDIATO do trabalho para os

indivíduos na sociedade burguesa). Ao ultrapassar a mera descrição e passar a explicar o movimento que dá lugar a essa significação do trabalho, Marx determina o que constitui o trabalho alienado e algumas de suas implicações:

O animal identifica-se prontamente com a sua atividade vital. Não se diferencia dela. É a sua própria atividade. Mas o homem faz da atividade vital o objeto da vontade e da consciência. [...] Exclusivamente por este motivo é que a sua atividade surge como atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação, uma vez que o homem, enquanto ser lúcido, transforma sua atividade vital, o seu ser, em simples meio da sua existência. (MARX, 1844/2004c, p. 116).

Eis aí o caráter negativo do significado do trabalho desmistificado e exposto no processo de determinação da teoria da alienação: é porque condiciona sua essência à sua existência que o trabalho perde o sentido para o homem deixando a própria existência sem sentido61.

Parece-nos autoevidente que uma ciência que parte da investigação e do questionamento sobre o qual é a essência que se esconde por trás das aparências, isto é, uma ciência elabora uma crítica ontológica (DUAYER, 2015), possui mais condições, ou mesmo é a única em condições de conhecer e, principalmente interferir na realidade concreta.

61 Meszáros (2016, p. 52-65) oferece uma ilustração semelhante quando compara a crítica social de Rousseau à

de Marx. Rousseau avançou incomparavelmente mais no descortinamento da exploração nas relações sociais capitalistas do que qualquer outro pensador do século XVIII e, no entanto, não conseguiu dar a essa crítica senão uma forma final de sermão moral ou apelo à razão. Duayer (2015, p. 133) sintetiza: sem a crítica ontológica, dialética, tem-se apenas “[...] uma atualização da história empírica da exploração. A insistência na exploração não resulta em uma explicação, mas consiste em uma reprovação moral, uma queixa.”