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São deste último a novela 24 horas na vida de uma mulher e o livro

Medo & outras histórias, que, bem e mal, podem servir de portas de entrada

para o conhecimento da obra ficcional de Zweig, escritor austríaco que obteve em vida pleno reconhecimento público como romancista, biógrafo, ensaísta, poeta, tradutor, crítico literário, historiador e dramaturgo. Mas que já era um dos últimos moicanos de uma era implodida pelos obuses de Joyce, Conrad & Cia. Não nos parece injusto dizer que ele já estava defasado, inclusive, em relação aos (eternamente atuais) gigantes do século 19: Proust, Tchekhov, Dostoiévski.

O reconhecimento e o prestígio de Zweig, no Brasil, país ao qual dedicou um dos seus ensaios históricos mais citados (e pouco lido), Brasil,

país do futuro, pode ser constatado no livro Morte no paraíso - a tragédia de Stefan Zweig, de Alberto Dines (Nova Fronteira, 1981). Caso o leitor não

queira enfrentar as 596 páginas da biografia, encontrará informações bastante úteis no ensaio Os leitores e as leituras da obra de Stefan Zweig no Brasil, de Adelaide Stooss-Herbertz (2007, p. 7), publicado na Fênix - Revista de

História e Estudos Culturais, também disponível em edição on-line. De acordo

com Adelaide, “nos anos 1930, três autores dominavam o mercado de romances históricos e biografias: André Maurois, Emil Ludwig e Stefan Zweig. Os três eram editados no Brasil, porém Zweig alcançava o número maior de leitores”.

Esse reconhecimento ultrapassava, portanto, o interesse do público por suas novelas mais populares, tais como os dramas passionais 24 horas na vida

de uma mulher, Medo e amok, não por acaso três das quatro novelas lançadas

pela L&PM. Suas qualidades como biógrafo de Dostoiévski, Maria Antonieta, Nietzsche, Rilke, Tolstói e Romain Rolland, entre outros; como tradutor para o alemão de Verlaine, Keats, Yeats, Verlaine e Baudelaire; e como dramaturgo e ensaísta, já lhe haviam rendido desde cedo a admiração e a crítica, que é também uma forma de reconhecimento, de grandes nomes da intelectualidade

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em seu tempo. Inclusive do seu amigo e mentor Sigmund Freud, em cuja obra baseou-se para a análise psicológica empreendida em muitos dos seus personagens (às vezes de forma por demais freudiana).

Revisão

A edição das novelas de Zweig, em formato pocket book, possibilita uma revisão muito parcial (mas ainda assim válida) de alguns conceitos e pré-conceitos em relação ao autor vienense, que viveu seus últimos anos no Brasil. País que escolheu também para morrer, suicidando-se, com sua segunda mulher, Charlotte Elisabeth Altmann (Lote), em Petrópolis, em 1942. A sua prosa ligada à tradição burguesa do século 19, que já vinha sendo corroída pelos autores modernos mais radicais, pode soar um pouco “démodé” (como a própria palavra démodé), sobretudo nas novelas Medo e amok. Deve-se ressaltar, no entanto, o fato de terem sido escritas no início da trajetória literária do autor, nos anos 20, distantes ainda da consistência formal e da densidade dos personagens que adquiriu na maturidade e que seriam reveladas em Xadrez, escrita em 1941, no Brasil, pouco antes de sua morte.

A diferença é evidente em cada linha das referidas novelas: em Medo e

amok, o autor exagera nas tintas com as quais pinta os conflitos psicológicos

de suas personagens femininas, caídas em adultério, com uma carga dramática excessiva, fruto de uma mente “liberal” que, no entanto, trai uma formação puritana. Na primeira, analisa os sentimentos da mulher de um conceituado advogado, em Viena, que, atraída pela aventura extraconjugal com um pianista, vê-se chantageada por uma mulher vulgar, ex-amante daquele. (A revelação ao final surpreenderia não fosse o convencionalismo de toda a história.) Na segunda, um médico, embarcado em um navio, de Calcutá para Nápoles, conta ao narrador como foi dominado por uma espécie de loucura – amok no idioma malaio – ao conhecer, num remoto povoado indiano, a mulher de um oficial inglês que, também metida numa aventura extraconjugal, propõe-lhe fazer um aborto clandestino.

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CARLOS RIBEIRO

Pequena jóia

Tais conflitos morais são bem mais resolvidos na pequena jóia que é

24 horas na vida de uma mulher, cujo drama central é contado por uma lady

escocesa, num hotel em Monte Carlo, para o narrador da história. Ela confessa como, muitos anos atrás, após ter-se tornado viúva, foi arrebatada por uma paixão por um jovem irresponsável que, depois de perder todo o dinheiro no jogo, tencionava suicidar-se. Neste caso, especificamente, o resumo da história não dá conta de suas boas qualidades – embora lhe falte, como nas demais, aquela piscadela (tão perfeita nos contos de Tchekhov) de quem vê o que há de demasiado humano nesses arrebatamentos passionais.

A medida certa, devidamente isenta de excessos, está em Xadrez, uma pequena obra-prima. Nessa novela fascinante, Zweig retrata o duelo entre o jovem campeão mundial de xadrez Mirko Czentovic e o advogado austríaco identificado apenas como Dr. B. O primeiro, um camponês ignorante da Hungria, que tem como única qualidade um extraordinário talento para o mais complexo dos jogos; o segundo, um ex-prisioneiro dos nazistas que foi submetido a um dos mais terríveis métodos de tortura: o de ser colocado, por meses a fio, num quarto vazio, sem sequer um objeto com o qual pudesse interagir.

Para escapar da loucura, Dr. B. consegue, num golpe de sorte, quando foi tirado da sala para um interrogatório, roubar um livro. Trata-se de um manual de xadrez, que memoriza e cujas jogadas passa a executar, na imaginação, em sucessivas partidas jogadas contra ele próprio. Exercícios que lhe possibilitam, após ser libertado, vencer o campeão mundial, numa viagem de navio de Nova York a Buenos Aires. A história de Czentovic, a descrição do suplício vivido pelo advogado, a construção dos personagens e a narração das emocionantes partidas entre os dois insólitos adversários tornam a leitura absorvente e recompensadora para quem aprecia a descoberta de objetos inestimáveis, como um livro numa sala deserta.

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Referências

STOOSS-HERBERTZ, Adelaide. Os leitores e as leituras da obra de Stefan Zweig no Brasil. Fenix-Revista de História e Estudos Culturais, v.4, n. 2, abr./jun. 2007.

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