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Relançamento de As vinhas da ira marca ano do centenário de nascimento de John Steinbeck, com reedição das obras do autor pela Record.

John Steinbeck é sempre citado, ao lado de Ernest Hemingway, William Faulkner e F. Scott Fitzgerald, como um dos grandes escritores americanos da primeira metade do século 20 – mas, dentre estes, foi o que teve menos reconhecimento da crítica. Edmund Wilson, por exemplo, situava seus romances e novelas num duvidoso território fronteiriço entre “a boa e má literatura”.

Alfred Kazin afirmou que “o amor que está na raiz do trabalho dele nunca foi acompanhado pelos recursos intelectuais e criativos necessários para enfrentar o mundo atual”. Harold Bloom sequer o cita no capítulo sobre o romance americano em Como e por que ler.

Segundo um dos seus biógrafos, Warren French, alguns historiadores literários gostariam mesmo de reduzi-lo “ao nível de notas de rodapé”. Outros o consideravam, apenas, um contador de histórias, incapaz de vôos mais altos

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quando se distanciava de seu universo familiar – o Vale das Salinas, na Califór- nia –, onde escreveu os primeiros livros. Ou ainda: um escritor vigoroso – até mesmo grande – quando se mantinha próximo à experiência, mas insuficiente quando se punha na condição de um “filósofo social”.

Nem mesmo o Prêmio Nobel, a ele concedido em 1962, o livrou dos ataques do establishment literário, ou de parte dele. O The New York

Times deu-se ao luxo de, em página editorial, questionar a entrega do prêmio

a um escritor cuja melhor obra havia sido escrita havia duas décadas, negligenciando outros autores de “influência mais contínua”.

Mas, quais autores? O fato, como diz Tom Wolfe, num artigo em que espinafra três prestigiados escritores contemporâneos – Norman Mailer, John Updike e John Irving – é que Steinbeck, a despeito do que diz o “mundo literário” – sobretudo a crítica universitária –, continua sendo um dos grandes nomes da literatura norte-americana, patamar ao que poucos autores, na segunda metade do século, conseguiram chegar. Steinbeck é, segundo Wolfe, um daqueles escritores que se atiraram de peito aberto no grande espetáculo da vida real do país, absorvendo cada detalhe e expressando, em suas obras, a rica vivência aí acumulada. Escritores que, consciente ou inconscientemente, atenderam à exortação de Sinclair Lewis (ao receber o Nobel, em Estocolmo, em 1930), de “dar aos Estados Unidos uma literatura digna de sua grandeza”.

Independentemente do que os críticos possam dizer a respeito, não se pode pensar a literatura americana (e não apenas do ponto de vista histórico ou sociológico) sem esse autor, cujas páginas expressam uma profunda simpatia pelos pobres-diabos camponeses das terras vermelhas e pardas do Oklahoma, com seus campos de algodão e suas tempestades de poeira, e da ensolarada Califórnia, com suas plantações de laranja. Páginas que descrevem a vida dos vagabundos que vagam pelas estradas desertas, em busca de trabalho – párias sociais massacrados pela natureza hostil e por um sistema econômico desumano.

É, portanto, digna de elogio a iniciativa da Editora Record de reeditar as obras de Steinbeck no ano do seu centenário de nascimento. A editora

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CARLOS RIBEIRO

deu o pontapé inicial ao projeto, no final do ano passado, com o relançamento do mais importante livro do autor, o clássico As vinhas da ira (The grapes of

wrath, 574 páginas, com tradução de Herberto Caro e Ernesto Vinhaes). O

romance, publicado em 1939, narra a epopéia da família Joad, que se vê escorraçada das terras onde vivia, há várias gerações, no estado de Oklahoma, em busca do sonho dourado das plantações de frutas da Califórnia. (Vale lembrar que o romance foi adaptado, com grande sucesso, para o cinema, em 1940, no filme homônimo interpretado por Henry Fonda, recebendo os Oscar de Melhor Diretor, para John Ford, e de Melhor Atriz Coadjuvante, para Jane Darwell. Posteriormente, Elia Kazan filmaria A leste do Éden, no clássico interpretado por James Dean e que, no Brasil, recebeu o título de

Vidas amargas, sem falar nas duas versões de Ratos e homens).

Escrito exatamente no ano em que se iniciava a Segunda Guerra Mundial, As vinhas da ira tem sua história situada nos anos dramáticos da Grande Depressão dos Anos 30. A falta de perspectivas econômicas associada à exploração do trabalho das levas de desempregados e a uma grande seca proporcionava o cenário ideal para que o escritor carregasse as tintas numa obra de forte conteúdo social.

O intenso realismo do romance jamais teria sido possível se Steinbeck não tivesse botado o pé na estrada e visto, com os próprios olhos, o drama que se desenrolava no interior do país. Aceitando uma encomenda do jornal

San Francisco News, de escrever uma série de reportagens sobre os migrantes

do Oklahoma que fugiam da seca do sudoeste, deslocando-se em grandes levas para o ilusório paraíso da Califórnia (algo bem semelhante ao drama dos nordestinos que migram para São Paulo), ele partiu para o campo, com a intenção de reunir material para “um grande livro”. Comprou um velho caminhão de entregas e participou diretamente do drama, àquela altura ainda desconhecido da maioria dos americanos.

Num tempo em que os escritores preferem ficar isolados, em suas casas, diante de uma tela de computador, Steinbeck pode parecer um curioso exemplar de uma era perdida. Mas quem se aventurar na prazerosa leitura de romances e novelas como A um Deus desconhecido, Boêmios errantes, Ratos e

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homens, A pérola, A leste do Éden e O inverno de nossa desesperança, descobrirá,

pulsando, em todas as suas páginas, a intensa humanidade que é, em última instância, o objetivo de todo grande escritor.

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