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FAMÍLIA DE CLASSIFICAÇÕES INTERNACIONAIS DA OMS (FCI-OMS)

4. Caminhos e desafios das classificações CIF e CID para o Serviço Social

4.2 Apropriação da CID pelo Serviço Social: caminhos e desafios

4.2.1 Possibilidades de apropriação: o caso das Declarações de Óbito

Atualmente no Brasil as estatísticas de mortalidade são produzidas com base na Declaração de Óbito (DO), um documento oficial utilizado em todo território nacional padronizado em 1976 pelo Ministério da Saúde, emitida somente por médicos, sendo de fundamental importância seu correto preenchimento, pois o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) é alimentado por esses dados.

As DO emitidas servem de base para o cálculo das estatísticas vitais e epidemiológicas em território nacional e para fins de emissão da Certidão de Óbito (BRASIL, 2022).

O modelo em vigor é composto por nove blocos, a saber: Identificação do falecido, local de ocorrência do óbito, residência atual, campo específico para óbitos fetais ou menor que 1 ano, condições e causa do óbito, dados do médico que assina a DO, causas externas (homicídios, suicídios, acidentes ou mortes suspeitas), campo de preenchimento exclusivo do cartório, campo para localidade onde não há/houve assistência médica. Estes blocos desdobram-se em 59 campos e suas informações constituem em ato médico, dessa forma essa ação deve sujeitar-se às normas do Código de Ética do Médico. O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) chama atenção que todas as partes da declaração, inclusive os blocos de identificação, devem ser preenchidos pelo médico e não por outro profissional da equipe (CREMESP, 2015).

Os Conselhos de Serviço Social já se pronunciaram em diversos documentos sobre as competências das/os assistentes sociais que trabalham na área da saúde e reforçam que não é sua atribuição a comunicação de óbito, bem como não cabe o preenchimento da Declaração de Óbito. A/O assistente social pode realizar em conjunto com a equipe de saúde (médico, psicólogo e/ou outros) o atendimento à família e/ou responsáveis em caso de óbito, sendo sua atribuição esclarecer a respeito dos benefícios e direitos previstos no aparato normativo e legal, referentes à situação, devendo socializar informações pertinentes e realizar os encaminhamentos necessários, entre outras garantias de direitos (CFESS, 2010).

No caso das Declarações de Óbito é indicado que toda a equipe de saúde utilize os dados para conhecimento do território e como forma de conhecimento da realidade da população atendida, contudo o campo que fornece essas informações na DO é um dos campos que mais gera dúvidas e equívocos por parte dos médicos que a preenchem. Laurenty e Jorte (2015), em produção desenvolvida para o CREMESP, discorrem sobre pesquisas que comprovam essa problemática, sendo um dos motivos que levaram diversos Conselhos Regionais de Medicina a produzir documentos e cartilhas no sentido de orientar os médicos sobre o correto preenchimento.

Segundo o Ministério da Saúde (2009), as causas a serem anotadas na DO são todas as doenças, os estados mórbidos ou as lesões que produziram a morte ou contribuíram para a mesma, além das circunstâncias do acidente ou da violência que produziram essas lesões. Os profissionais de saúde devem entender como é a dinâmica desse documento e como ele pode influenciar o acesso a direitos sociais em caso de preenchimento incorreto ou como ele pode invisibilizar situações de risco social.

Nas orientações fornecidas pelo CREMESP há vários exemplos de preenchimento de DO, selecionamos um para discussão.

Fonte: CREMESP (2015).

Caso o preenchimento da DO se limitasse ao diagnóstico de Broncopneumonia, não seria possível saber que a criança se encontrava em estado de desnutrição moderada. Segundo a OMS (2022), a desnutrição é uma condição na qual as necessidades do corpo não são atendidas devido ao subconsumo ou à absorção e uso prejudicados de nutrientes, podendo ser produzida por falta de acesso a alimentos ou como consequência de doenças. A desnutrição comumente se refere a um déficit na ingestão energética, mas também pode se referir a deficiências de nutrientes específicos, podendo ser aguda ou crônica.

Desnutrição grave é uma desordem tanto de natureza médica como social. Isto é, os problemas médicos da criança resultam, em parte, dos problemas sociais do domicílio em que a criança vive. A desnutrição é o resultado final da privação nutricional e, frequentemente, emocional por parte daqueles que cuidam da criança, os quais, devido a falta de entendimento, pobreza ou problemas familiares, são incapazes de prover a nutrição e o cuidado que a criança requer (OMS, 1999, s/p).

Figura 12. Modelo de Preenchimento da Declaração de Óbito

Portanto, a desnutrição é uma desordem de natureza médica como também é uma expressão da questão social, visto que os problemas médicos da criança resultam, em parte, dos problemas de vulnerabilidade social associados ao domicílio em que ela vive, evidenciando que a situação requer atuação interdisciplinar. Cabe apontar que não temos acordo com o termo “desordem social” utilizado pela OMS, mas trouxemos a citação para indicar que as questões sociais, ainda que utilizado um termo errado, estão postas na problematização da desnutrição em nível global. Nada adiantaria tratar apenas as questões médicas, se as expressões da questão social que se manifestam naquela família forem ignoradas.

Na hipótese de a criança do exemplo já ter sido atendida por um profissional do Serviço Social na unidade de saúde em que ocorreu o óbito, iria constar na evolução do prontuário as expressões da questão social que a família vivencia, o que poderia subsidiar o médico no preenchimento da DO e mais uma linha de diagnóstico poderia ser acrescida na parte II. Nessa perspectiva, o CREMESP enfatizou que o prontuário se constitui em importante elemento para o preenchimento adequado da DO, posto que é no prontuário que consta a anamnese, exames realizados, diagnósticos, tratamento prescrito e evolução do paciente.

O Ministério da Saúde (2009) orienta no documento oficial que a Parte II das Causas da Morte deve ser preenchida por: “Outras condições significativas que contribuíram para a morte, e que não entraram, porém, na cadeia acima”.

Entretanto, no manual de orientação de preenchimento indica que deve ser preenchido por “outros estados patológicos significativos…”, conforme figura abaixo.

Figura 13. Orientações de Preenchimento da Declaração de Óbito

Fonte: BRASIL, Ministério da Saúde (2009).

Discordamos que a parte II deve ser preenchida apenas por estados patológicos, uma vez que a morte é um fenômeno causado por múltiplos fatores que não devem ficar invisibilizados. Assim, entendemos que a análise de mortalidade deve ocorrer sob enfoque das causas múltiplas de morte e que as causas associadas também devem constar.

Alguns autores têm enfatizado que programas de prevenção orientados pelo perfil de mortalidade definido pela causa básica não são suficientes para evitar as mortes. Desta forma, a atuação sobre as demais causas que participaram do processo que levou ao óbito (as causas associadas) poderia trazer um impacto maior, pois, se as afecções contribuintes persistirem, não bastarão as medidas para evitar a causa básica (ISHITANI; FRANCA, 2001, s/p).

As “causas contribuintes”42 podem ser expressões da questão social descritas no capítulo 24 da CID-11, ou seja, possuem uma codificação que pode ser inserida nos sistemas de informações. É um caminho longo, que carece de maiores estudos sobre essa possibilidade, mas precisamos incentivar os primeiros passos.

42 Termo utilizado no Manual de atestado de óbito do Rio Grande do Sul (CREMERS, 2018).

4.3 Da CIF ao IFBr-M: a defesa do modelo biopsicossocial para avaliações de