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Possibilidades de morar edificadas pelo Trabalho 136

Capitulo  III:   A Casa é onde quero estar: Lugar, Memória e Velhice 130

3.2   Tecendo narrativas de idosos 136

3.2.1 Possibilidades de morar edificadas pelo Trabalho 136

Conversando com os idosos percebemos que os modos de estarem no mundo são impregnados pelas formas com que, ao longo da vida, se relacionaram com o trabalho. A Casa é lugar que, em sua plenitude, se conquista pelas condições materiais que seus ofícios lhes proporcionavam. Do trabalho derivam as possibilidades de morar, bem como, os lugares e localidades em que a Casa se insere e as relações que são estabelecidas.

Página  |  137   Ouvir as trajetórias individuais e as histórias de vida de cada idoso nos permitiu recontar o percurso de consolidação dos direitos sociais e da efetivação de políticas públicas no Brasil de um ângulo pouco conhecido por administradores e gestores públicos: a perspectiva de quem viveu à margem e com limitado acesso aos bens sociais e culturais produzidos pela sociedade capitalista.

Quando olhadas em conjunto as narrativas nos dão pistas de um ponto importante que a pesquisa pretendeu explorar: Quais seguranças a propriedade da Casa garante às pessoas idosas? Questão que mostra sua relevância quando nos vemos diante de pessoas que somente na velhice puderam conhecer e desfrutar da segurança de um Lar.

Nos bastidores da história oficial os colaboradores desta pesquisa - velhos trabalhadores, em sua maioria provenientes de zona rural; expulsos do campo pela pobreza, falta de trabalho ou mesmo pela força do imponderável (doença, viuvez, morte dos pais) - lutavam pela sobrevivência.

Ao falarem do passado nos revelam a trajetória de incertezas e inseguranças que marcaram suas vidas. Exceto por Dona Maria Duffet que, no segundo casamento, pode desfrutar de mais conforto e estabilidade financeira, todos os demais se mantiveram no grupo social a que pertencem desde o nascimento e mesmo ela, após a morte do marido, retorna à sua posição inicial.

Tal constatação nos dá provas dos entraves para a mobilidade social em nosso país. Apesar de toda uma vida dedicada ao trabalho apenas uma pequena parte de nossos colaboradores consegue que, ao menos seus filhos, avançassem um degrau na escala social. Seu Antonio é um deles; dois de seus filhos conheceram a Inglaterra e descobriram novas possibilidades de ganhar a vida – montaram uma empresa de curtir couro para exportar para Europa – enquanto que um terceiro tentava entrar na vida política candidatando-se a vereador.

Aos filhos dos demais idosos restou uma vida semelhante à dos pais: de muito trabalho, sufoco para criar seus filhos, escassez de recursos e incertezas quanto ao futuro. A fala de Dona Geni nos dimensiona tanto a necessidade por que passam seus filhos, quanto o alivio por agora estar numa situação de maior segurança e independência: “Me ajudam como podem, mas não com dinheiro. Com dinheiro não podem ajudar a gente, são apurados e a crise esta difícil. A gente que tem que se virar. Mas graças a Deus já me ajudaram bastante e hoje eu não preciso mais da ajuda deles”.

Dona Zélia também aponta para as necessidades de seus filhos ao justificar que não recebe visita porque moram longe e não podem vir à pé: “Pra vir pra cá tem que usar ônibus

ou usar moto ou tomar um taxi, então fica difícil, porque todo mundo precisa de dinheiro. O pouquinho que sobra é pra investir em alguma coisa”.

O trabalho nunca amedrontou nossos narradores, é força motriz em suas vidas. Pelo trabalho se fizeram, conquistaram dignidade e descobriram o mundo. Homens e mulheres que dedicaram suas vidas ao trabalho tornaram-se ‘especialistas em atividades árduas’.

Dona Maria Duffet, dentro de Casa, realizando trabalhos domésticos: “esses ‘domesticão grosso’ que teve antes, as casas eram tudo difícil de limpar. Cuidar de criança. Depois a gente tinha que ir na escola também, às vezes eu ia um dia e faltava dois, pra ficar cuidando da casa e dos irmãos pequenos”.

Dona Geni, por sua vez, tornou-se grande conhecedora dos serviços da lavoura: “Serviço de lavoura eu conheço tudo. Eu roçava, carpia, quebrava milho [...] Eu gostava da lavoura, criava porco, galinha, tinha bastante fartura. Quando vim morar pra cá eu senti muito. Mas o trabalho lá é cansativo, nossa... Mesmo que eu pudesse agora não voltava mais pra lavoura, porque não agüento mais nada: roçar, carpir.”.

Seu Adelino, outro mestre da lavoura, aprendeu com o pai a lidar com a terra e nos ensina a base para plantar cada tipo de alimento: “Muitos anos fazendo lavoura, roçando mato. Derrubava mato com meu pai. O pai ensinou a roçar. Derrubava mato, cortava no machado e queimava e fazia a lavoura e plantava cana verde; plantava milho - plantava três, quatro sementes, eu pegava a base, já sabia a base de ‘ponhá’. O feijão plantava duas sementes, três - não pode plantar um montão de feijão, é duas sementes”.

A vinda para a cidade não tornou o trabalho menos duro, ao contrário, a vida adulta de nossos narradores se fez no exercício de atividades desgastantes, e, para as mulheres, quase sempre sem direitos assegurados, na margem do sistema produtivo. Elas tornaram-se costureiras, lavadeiras ou empregadas domésticas enquanto que os homens atuaram como ajudantes de pedreiro – os que cresceram profissionalmente tornam-se pedreiros autônomos - e caminhoneiros. Em comum toda uma vida de trabalho incessante, desgastante e, por vezes, degradante.

Seu Adelino, que veio para a cidade com mais de 60 anos, após perder os pais e os irmãos, “garrou” emprego de trabalhar de servente de pedreiro. Seu Antonio, que também dedicou mais de vinte anos de sua vida à construção civil, reconhece o lugar de seu trabalho no sistema produtivo: “[...] era uma época que a construção civil não tinha valor, pedreiro não tinha valor. Trabalhava um monte, fazia um monte de serviço e não tinha preço, poxa vida!”.

Página  |  139   Seu Abel e Seu Irineu dedicaram suas vidas à profissão de caminhoneiro. Os homens da estrada lembram com orgulho do trabalho desempenhado com muito esmero. Seu Irineu, desde que criança, vendo o pai caminhoneiro, sabia que aquele seria o seu destino, e aguardava ansioso pelo momento de poder se tornar também um caminhoneiro: “Meu pai era motorista, eu herdei a profissão dele. Era menino quando peguei o diploma do quarto ano, ele me chamou e perguntou: ‘Você quer continuar estudando? Eu pago o seu estudo, ou você prefere trabalhar pra ganhar o seu dinheiro? Ou quer ir viajar comigo?’ Quando ele falou ‘quer ir viajar comigo’, nossa! Pulei pra cima. A minha vontade era de andar de caminhão e aprender a guiar”.

Seu Abel conheceu a profissão um pouco mais tarde, antes trabalhou como Ajudante Geral em empresas de laminação e no mêtro de São Paulo. Mesmo assim, teve tempo pra passar trinta e dois anos na boléia de um caminhão: “Trabalhei a maior parte da minha vida como caminhoneiro. Trabalhei trinta e dois anos! Com insalubridade deu os trinta e cinco pra aposentar. Só contou o trabalho de caminhão pra me aposentar”.

O trabalho possibilitou, aos nossos colaboradores homens, longas viagens e o contato constante com pessoas, lugares e costumes diferentes. É pelo trabalho que conhecem o mundo para além de suas cidades de origem; seu Antonio, construindo casas, andou pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Curitiba, São Paulo e Sorocaba.

Seu Abel, na boléia do caminhão conheceu o mundo: “Por isso que eu falei que conheço tudo. Eu gostava muito de ser caminhoneiro, é bom! A gente sofre mais é divertido”, saia de São Paulo levava a carga para Porto Alegre ali, outra carga lhe esperava, ia descarregar em Minas, de lá pra Bahia e, assim, passava um mês fora de casa, até para fora do país viajou; Argentina, Paraguai: “eu andei por todo canto do mundo!”

Seu Irineu não ficou atrás, viajava de São Paulo para Porto Alegre e depois ia para Ponta Grossa, para só então retornar pra Itapeva. A diferença é que todo final de semana conseguia estar em casa e, sempre que podia, levava Dona Tereza, sua esposa, na boléia do caminhão. Ela também pôde conhecer São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Santa Catarina e assim, ficava mais fácil aceitar as ausências do marido.

O que não aconteceu com a mulher de seu Abel, que há tempos é divorciado: “Difícil ser mulher de caminhoneiro... a mulher cansou! [...] eu vivia na estrada”. Mais adiante em sua narrativa, nos deixa saber que, além do longo tempo na estrada, este trabalhador, e sua família, enfrentaram o problema do alcoolismo.

Para as mulheres as oportunidades foram diferentes, mas também possibilitaram conhecer outros lugares – as casadas seguiam os maridos em busca de trabalho e as solteiras iam sozinhas atrás de melhores oportunidades.

Dona Geni toda vida trabalhou, para ajudar o marido que sempre foi pobre, apesar de “trabalhador e honesto”. Quando veio para a cidade lavava roupa: “Tem uma casa que eu lavei roupa dois anos a fio: roupa de açougue, ‘roupaiada’ suja, roupa de fazenda. Lavava pra cinco casas!”. Ainda hoje não pode descansar, todos os dias ela percorre a cidade vendendo os sonhos que seu filho padeiro prepara.

Dona Zélia, também trabalhou a vida toda, no campo foi bóia fria, plantava feijão, milho, carpia roça. Quando veio para a cidade continuou fazendo serviço de roça, mas também trabalhou em casas de família e na rodoviária: “Agora eu faço bico lá (na rodoviária) de vez em quando. Quando falta gente eu vou atender no guarda volume”.

Dona Maria Rosa, por sua vez, passou toda a infância e juventude trabalhando pesado nos afazeres da casa e da roça ajudando na sobrevivência da família adotiva e, posteriormente, da biológica. Quando decide mudar para a cidade a jovem se torna empregada doméstica e num período em que as empregadas eram tidas como propriedades de seus patrões, suportou extensas jornadas de trabalho: “Então, eu trabalhei olha, sem quase descanso, o tempo todo [...] Antigamente a gente trabalhava no domingo, então eu trabalhava a semana inteira. Eu não tinha descanso. Eu vim descansar mesmo, agora que sou aposentada. Quando meu vô morreu eu fui embora, eu falei: “aí, eu vou embora pra São Paulo”.

Aos dezessete anos a jovem parte para São Paulo em busca de trabalho, de lá vai para Sorocaba e depois para Piracicaba; “mas, lá também era sofrido. Trabalhei com gente ruim”. Retorna para Itapeva depois de adulta, quando a mãe esta no leito de morte, mora com a irmã e segue, até a aposentadoria, cuidando do cotidiano das famílias de seus patrões.

Quando os irmãos de Dona Maria Duffet cresceram ela teve tempo para se torna uma grande costureira: “Eu fazia vestido de noiva, costurava calça, camisa pra homem. Naquela época não tinha esses figurinos que agora a gente vê na vitrine, então, eu saia, quando podia, ia nas cidades que tinham aquelas vitrines com alguma coisa pra ver os modelos tudo. Ia pra Avaré, Sorocaba, Itapetininga. Eu viajei bastante. Conheci esses lugares depois que casei e que fiquei livre dos meus irmãos. Então, costurei muito, muito, muito, muito”.

Realizar bem as tarefas que a vida lhes designava sempre foi motivo de orgulho e o trabalho, por mais sofrido que fosse também foi fonte de alegria. A satisfação e contentamento de Seu Irineu, ao falar de como foi um caminhoneiro zeloso, colore sua

Página  |  141   narrativa; em mais de vinte anos na estrada, nunca sofreu um acidente: “[...] graças a Deus e ao São Cristovão, que sempre me acompanhou, eu nunca tive problema, assim de bater caminhão, comigo não.”

Até o patrão reconhece a prudência e o zelo do motorista: “Oh, Negão, você já tem o seu santo protetor e tudo, continue firme com ele e rezando, sempre rezando e pedindo, porque você sabe, nós estamos com onze caminhões, dez já bateram, só você que nunca bateu, nunca aconteceu acidente”. Eu falei: “continuarei rezando”, e, graças a Deus, trabalhei com ele um tempão e nunca aconteceu nada”.

Dona Maria Rosa também sente orgulho por fazer bem o seu trabalho: “[...] eu fui assim, muito dedicada ao serviço. Então, todas as patroas falavam que eu tinha uma excelente qualidade. Eu cuidava bem dos filhos delas, fazia o serviço tudo direito. Eu trabalhei todo esse tempo, nunca cheguei um dia atrasada no serviço. Nunca faltei no serviço, porque eu achava que eu tinha aquela responsabilidade no meu serviço, então, todo mundo admirava isso de mim”.

As profissões de nossos colaboradores, por vezes, os expunha à riscos. A prudência de Seu Irineu decorre dos perigos reais, encontrados todos os dias nas estradas do país: “Eu viajei nove anos na estrada que liga São Paulo à Curitiba, Regis Bittencourt, conhecida como rodovia da morte. Fazia o trecho de São Paulo a Porto Alegre, as viagens tinham horário e eu viajava a noite inteira. Graças a Deus eu nunca sofri um acidente e vi tanto acidente ali que, se não tivesse um pouco de coragem, largava mão até de trabalhar”.

Além de arriscados os trabalhos são extenuantes e muitas vezes levam ao esgotamento da força física. Seu Antonio nos fala do desgaste provocado pelo trabalho na construção civil: “É um trabalho que desgasta e a gente se machuca naquele sobe e desce de andaime, nossa! Chegou um ponto que não agüentei, por isso vim de Santa Catarina, larguei o serviço lá porque não pude fazer, muita dor na coluna, muita pressão alta”.

A estafa, ainda que inconsciente, é tamanha e leva a maior parte de nossos narradores à invalidez. Dos homens, somente Seu Abel conseguiu exercer a atividade profissional até a aposentadoria. Os demais, quase que como uma coincidência, de um destino por vezes, previsível, aposentaram-se por invalidez.

Seu Antonio, por conta de um erro médico sofreu um começo de derrame - a injeção para baixar a pressão foi aplicada em grande quantidade: “A injeção era pra baixar a pressão e nem precisava ter tomado porque a pressão estava 18 por 10, qualquer comprimido já

resolvia”. Por conta deste incidente “[...] parei de trabalhar porque me tirou a força do quadril e o braço ficou com seqüela”.

Também Seu Adelino quando se aposenta é por invalidez: “Aposentei, não foi por idade, foi por invalidez, a aposentadoria não veio pela idade certa. Foi invalidez que eu aposentei. É esse o salário que eu estou com ele”.

Seu Irineu, por sua vez, dedicou-se tanto à profissão que descuidou da saúde. Num acidente de percurso, perdeu a visão – em decorrência do diabetes – e não conseguiu completar o tempo necessário para a aposentadoria: “Por incrível que pareça eu trabalhei vinte e cinco anos com caminhão. Na carteira profissional tenho quase vinte e um anos registrados como caminhoneiro, só que quando deu o problema de saúde fiquei encostado e não aposentei. Eu fiquei encostado e parei de recolher INPS [...] Eu estou recebendo um salário mínimo, é um salário que o governo me dá, até completar 65 anos e poder aposentar por idade e invalidez, porque sem visão não tem jeito de dirigir mais”

Seu Abel, único trabalhador que consegue exercer a profissão até a aposentadoria, não ficou imune aos acontecimentos imponderáveis da vida que o levaram ao esgotamento das forças físicas: “[...] em 2009 deu AVC em mim, daí que eu fui pro asilo. Tinha 60 anos quando aconteceu. [...] Eu morava com a minha mãe e eu fiquei dependente de tudo, tudo, tudo, tudo! [...] E os médicos disseram que o AVC foi por conta da bebida”.

Entre as mulheres entrevistadas, Dona Maria Rosa, a única solteira do grupo, é também, a única mulher a se aposentar. Sozinha escreveu a sua história e, recentemente, conseguiu descansar: “[...] vai fazer três anos que estou aposentada. Desde setenta e três, quando saiu o registro pra empregada, eu já tava registrada. Mas eu podia ter aposentado há mais tempo. Eu trabalhava, as patroas descontavam o INSS de mim e não pagavam, por isso que eu demorei a me aposentar”.

As demais trabalhadoras, quase que como uma coincidência do destino, que também se mostra previsível entre as mulheres, têm como renda a pensão de seus falecidos maridos.

O fruto destas vidas de trabalho foi uma velhice de escassez. O trabalho inseguro – associado à espoliação do capital imobiliário, ausência de políticas públicas de moradia e outros agravantes - não lhes proporcionou, no decorrer da vida produtiva, adquirir suas Casas garantindo por conta própria as seguranças de um lar.

Com as baixas aposentadorias ou pensões, restou aos nossos velhos trabalhadores a ocupação dos bairros periféricos da cidade - muitas vezes negligenciados pelo poder público e mais expostos à violência urbana.

Página  |  143   Antes da inclusão no Programa Vila Dignidade a maioria deles vivia em moradias sem qualquer conforto (porões, casas úmidas e emboloradas). Estiveram sempre ameaçados pelo risco de não conseguir assumir as elevadas despesas de aluguel, pela vontade dos proprietários dos imóveis que, às vezes, sem aviso prévio solicitavam a entrega da casa ou pelos perigos do bairro – assaltos, brigas de porta de bar, comércio e consumo de drogas, entre outros. Para quase todos esses trabalhadores a inclusão no Programa pôs fim a uma longa trajetória de incertezas.

Desfrutando, no presente, da segurança de ter um novo lar, é mais fácil perceber as carências de suas residências anteriores. Dona Zélia faz uma longa descrição de como era a sua casa: “Antes de morar aqui eu morava na Vila Nova numa casinha feinha. Essa aqui dá de cem à zero. [...] a casinha era muito, muito mal arrumada, mal feita mesmo [...] Eu morava de frente com outra casa. Era uma entrada bem menor que aqui. De um lado uma casa do outro lado outra casa e, no fundo tinha mais dois cômodos pegados com a minha casa [...] Fizeram uma “valetona” deste tamanho, de frente da minha casa[...] Dai ficou aquela coisa horrível, tudo que era sujeira parava ali. Quando chovia enchia aquela valeta de água, estava feio mesmo. Tudo isso na porta da minha casa”.

Dona Maria Rosa aponta para as dificuldades, de saúde e financeiras, que a antiga moradia lhe impunha: “Ah, a casa era assim.... Muito, muito embolorada. Não batia sol. E então, eu comecei a ter problema de muita tosse por causa da umidade. Morei lá uns três anos. Uns três ou quatro anos. Pagava R$ 240,00 de aluguel. Caro! Lá, tinha dia que eu passava sem comer o meu viradinho de farinha com café. Porque não dava pra pagar o aluguel”.

Para Seu Adelino o problema maior se relacionava à violência, praticada por seus próprios parentes: “Morei muitos anos no porão. Lá que eu era roubado. Volta e meia “tavam” me roupando. A minha sobrinha achou que eu tava condenado ali”.

Seu Antonio encontrou uma forma de se livrar do aluguel - ele cuidava de um terreno e ali pôde construiu um barraco para descansar o corpo, mas estava sempre inseguro porque sabia que a qualquer momento teria de deixar o lugar, pois a intenção do proprietário era desfazer- se do terreno: “Eu morava no Sítio, no Pilão D’água, pertinho daqui [...] fiz uma casinha pra mim – um barraquinho [...] Lá fiquei dois anos até que o dono me falou que iria construir, e então iria fazer uma casa pra colocar o pedreiro. Eu então pensei: “está pedindo a casa para colocar o pedreiro”.

A vida de Dona Geni foi marcada pelas constantes mudanças de endereço decorrentes da dificuldade em pagar os elevados aluguéis ou, ainda, do alcoolismo do filho – que sempre a

indispunha com os proprietários: “Mudei bastante, nossa! Nem estranhei quando vim pra cá, porque lá era muito sofrimento, eu não gostava de lá. Era sofrido pela situação que a gente passava”.

Também para Dona Maria Duffet a vida, após o falecimento do segundo esposo, foi marcada por constantes mudanças. Se casada pode desfrutar da segurança de um lar, viúva precisou se deslocar em vários momentos: “[...] depois da sua morte (segundo marido), foi um tal de mudança. A gente que não tem casa muda pra cá, muda pra lá, encaixota as coisas, depois larga lá e vai ficando. A gente também vai perdendo o gosto. É complicado! Ah, agora esta tudo “simplesinho” mas, antes, nossa! A gente pagava faxineira pra fazer faxina na casa, limpar aqueles vidros, aquelas “coisaradas” tudo”.

Seu Abel, que vivia a recuperação de um AVC antes de ser incluído no Programa, desfrutou de segurança: “No asilo, pelo menos esse daqui de Itapeva, os outros eu não sei, é muito bem cuidado. Eu devo muito obrigação pra todo mundo lá. Os funcionários treinados te respeitam, porque o importante é o respeito. Porque, se você me respeita eu tenho que te