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CAPÍTULO 2 – TESTEMUNHOS DE PROFESSORES DE HISTÓRIA

2.2 São Paulo Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana

2.2.2. Prática docente e ensino de História

Todos atuam em escolas públicas, mas Agnês é também professora de escola particular Adventista. A carga horária de trabalho, entre eles, é variável – de 12h (Regina) a mais de 40h (Agnês) semanais. A remuneração depende da carga horária cumprida, do tempo de carreira de cada docente e da política salarial dos municípios160. Nenhum deles possui outra profissão concomitante. Mercedes, Agnês e Ana acumulam também as funções de mãe, avó ou dona de casa. À exceção de Ana, todas já publicaram algum tipo de trabalho acadêmico em Congressos de Iniciação Científica ou em revistas especializadas nas áreas de História, Educação e Formação de Professores. Agnês ajudou a organizar uma importante publicação, quando membro de uma equipe responsável pela formação continuada em seu município. Regina foi agraciada, em 2010,

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As observações aconteceram nas seguintes datas: Mercedes, 08/6/2011 e 29/6/2011; Regina, 10/6/2011; Cândido, 29/6/2011; Agnês, 06/6/2011 e 20/6/2011; Ana 27/6/2011 e 10/8/2011.

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Cabe acrescentar alguns dados sobre o salário dos professores nas regiões estudadas, apenas como referência básica. O edital n.007/2011, da Prefeitura Municipal de Campinas, estipulou R$1.876,34 como remuneração básica para Professor de Anos Finais de Ensino Fundamental, com carga horária de 20h (que equivale a R$ 20,84 por hora). Segundo o sítio virtual da prefeitura de Hortolândia, o salário inicial do professor do mesmo nível, para uma jornada de 30h semanais, é R$ 1.834,00 (R$ 13,89 por hora). Em São José dos Campos, o Edital de Processo Seletivo n.003/SME/2011 informa que o valor para contratação (sem concurso público) foi estipulado em R$ 9,09. O sítio virtual do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Sinpro/SP) informa que o piso salarial (em valores de 2011) correspondia a R$ 9,28 – para professores da Rede Particular nos Anos Finais do Ensino Fundamental. O piso salarial federal, para professores sem Ensino Superior é, em valores de março de 2012, R$ 5,63 a hora-aula. Considerando que, em geral, o professor com Ensino Superior recebe 50% a mais, os professores deveriam receber, no mínimo, R$ 11,27 por hora-aula. CAMPINAS (Município). Edital n.007/2011. Concurso Público – professores. Disponível em:<http://www.cetroconcursos.org.br/arquivos/anexos/0a9b9f8ef47c27c822604f565051c1a3.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2012. SOARES, Elisabeth. Prefeitura cria prêmio para valorizar o professor. Portal da

Prefeitura Municipal de Hortolândia. Hortolândia, 23 dez. 2010. Disponível em: <http://www.hortolandia.sp.gov.br/wps/portal/!ut/p/c0/04_SB8K8xLLM9MSSzPy8xBz9CP0os_hAEz9vb1N_YwO LwDBXA0_XkEDvEBdvA69AY_2CbEdFANJZDcY!/?WCM_GLOBAL_CONTEXT=/wps/wcm/connect/Hortolan dia2011/hortolandia2011/noticias/arquivo/prefeitura+cria+premio+para+valorizar+professor> Acesso em: 16 jun. 2011. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (Município). Edital de Processo Seletivo n.003/SME/2011. Disponível em: <http://www.sjc.sp.gov.br/media/133431/edital_003_eventual_subst.pdf>. Acesso em: 05 abr.2012. SINDICATO DOS PROFESSORES DE SÃO PAULO – Sinpro. Convenção coletiva de trabalho da Educação Básica 2010-

com o Prêmio Afonso Carlos Marques dos Santos161. Ana foi homenageada pelo grupo Afro Norte162, porque seu trabalho tem como foco as desigualdades étnico-raciais.

Foi interessante conversar com estes professores sobre suas trajetórias e verificar as mudanças e permanências ao longo da vida profissional. Afinal, a observação das aulas tinha por objetivo enriquecer as informações sobre os processos formativos vividos por eles. No Diário de Campo, registrei mais detalhes do que caberia explicitar neste texto. Mas é justamente este processo de inclusão e exclusão de dados que compõe a construção de uma fonte documental, pois se realiza conforme as perguntas e os objetivos da pesquisa, como ensina Le Goff (2003).

A narrativa que segue, portanto, baseia-se tanto nas respostas dos professores às entrevistas quanto nas observações de aula. A seleção das informações obedece primordialmente à categoria “formação de professores de História”. Ela se submete, também, aos objetivos comparativos desta pesquisa, pois procuro ressaltar situações que podem contrastar ou se aproximar daquelas expostas na seção anterior (Província de Barcelona). Espero que, das descrições que seguem, comecem a emergir alguns sentidos, que orientarão as Considerações Finais desta tese (XAVIER e MOGARRO, 2011).

Cândido, Regina, Mercedes, Agnês e Ana possuem carreiras bem diferentes, mas o início foi complicado para todos, como verificaram também Bravo (2002) e Fonseca (1996), a partir dos relatos que coletaram em suas teses. Cândido e Regina receavam ser desrespeitados por conta da juventude e da inexperiência. Mercedes foi contestada, por um de seus primeiros alunos, exatamente nesses termos. Agnês adorou começar a carreira em escolas públicas (mesmo as mais difíceis), mas não sentiu a mesma empatia com a escola particular, de onde saiu logo no primeiro ano. E quando especificamos desafios mais candentes, todos concordam com Ana (e Lola, Josep e Fidelio) de que a Didática era o ponto fraco: formular planos de aula, construir conceitos,

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O prêmio reconhece a excelência de trabalhos acadêmicos que tratam da cidade do Rio de Janeiro e utilizam o acervo do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO.

Prêmio Afonso Carlos Marques dos Santos. Disponível em: <http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/atividades-editais-

concurso.html>. Acesso em: 03 abr. 2012. 162

Segundo o sítio virtual da organização, “A Etno Vale/Afro Norte foi criada no dia 28 de outubro de 2004 em uma reunião com 30 pessoas no espaço comunitário do bairro (...). Na época os participantes do grupo, estavam comprometidos em realizar atividades, nas datas referentes ao calendário afro brasileiro. (...) O grupo atua no combate ao racismo, executando cursos, seminários, work shop, desfiles afros, encontros, todos direcionados em combater o racismo, discriminação, xenofobia e o preconceito” AFRO NORTE. Quem somos. Disponível em: <http://afronorte.com.br/_quemsomos.html>. Acesso em: 29 ago. 2011.

manter a disciplina, sobrepujar os imprevistos, enfrentar a escassez de recursos, adaptar-se a diferentes clientelas...

Pelo menos segundo Regina e Cândido, nem as disciplinas pedagógicas, nem as historiográficas – recebidas na formação inicial – prepararam adequadamente para o início da vida profissional. A primeira turma de Cândido era da modalidade EJA – e este tema não fora trabalhado na Universidade. Ana demonstrou que apenas os professores ligados ao sindicato aprendem a interpretar a legislação trabalhista e as sucessivas Reformas Educacionais. As teses de Guimerà (1991), Pagès (1993), Vásquez (2004), Gusmão (2002), Cusinato (1987), Basso (1994) e Rocha (2001), analisadas no primeiro Capítulo, já sinalizavam para o fato de que as Reformas Educacionais que negligenciam a participação e formação continuada dos professores estão fadadas ao fracasso – ou, então, a um número tão grande de adaptações que acabam perdendo o objetivo principal.

Cada um dos participantes do Estado de São Paulo trabalha em uma escola diferente, pertencentes a Secretarias Municipais de Educação de Campinas, Hortolândia e São José dos Campos. Coincidindo com o período de expansão industrial do interior de São Paulo e Vale do Paraíba, as escolas foram construídas em 1974 (Regina e Cândido), 1982 (Mercedes e Ana) e 2008 (Agnês)163. O acesso à escola de Cândido se dá por uma via bastante movimentada, mas, conforme eu caminhava até lá, o ruidoso trânsito de carros, ônibus e caminhões transformava-se em ruas com residências térreas e bonitos jardins. A escola ocupa toda uma quadra e aproximar- se dela é agradável: arborizada, limpa e bem pintada. O Projeto Político Pedagógico considera seu espaço físico privilegiado, mas a biblioteca ainda está improvisada. Talvez por conta disso, Cândido conta que levou quase um mês para encontrar os mapas. Existe uma sala de multiuso com dois datashows. A escola também possui televisores e aparelhos de DVD, mas o tamanho das telas (e a burocracia para fazer a reserva e instalar o aparelho) não permite o aproveitamento ideal dos filmes, segundo Cândido.

Quando entrei na área de salas de aula e corredores, tive a impressão de que a escola fora projetada para abrigar um número de alunos bem menor do que o de então. Cada turma que visitei (9º ano A, B e C) tinha entre 35 e 40 adolescentes. Ao todo, a escola possui duas turmas de

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6º ano, duas de 7º ano, três de 8º e três de 9º ano, além das turmas de anos iniciais do Ensino Fundamental. As listas oficiais de alunos contêm, geralmente, 40 a 45 nomes, mas, segundo o professor, todos os dias faltam muitos alunos. Encontra-se em trâmite, no Senado Federal, o projeto de Lei n.504/2011, de autoria do Senador Humberto Costa, que altera a LDB 9394/96 e determina o número máximo de alunos por turma na Educação Básica. Segundo o Projeto, turmas como as de Cândido não poderiam ter mais que 35 jovens164.

As áreas internas são iluminadas e ventiladas, mas as paredes e carteiras estão bastante riscadas e são poucos os professores das séries iniciais que colocam cartazes ou enfeites. Nas trocas de sala, os alunos procuram por Cândido para tirar dúvidas ou apenas cumprimentá-lo. Não há obrigatoriedade do uso de uniforme e o Projeto Político Pedagógico (PPP) afirma que os alunos são participativos e gostam da escola.

Pude observar também que os alunos aparentam, em geral, pertencer a famílias de baixo/médio poder aquisitivo e, pelo menos nos momentos em que lá estive, demonstraram pouco interesse pelos estudos. Exceção feita a outros grupos de jovens, que sentam nas carteiras da frente e procuram aproveitar ao máximo as ricas explicações de Cândido, embora sejam constantemente interrompidos por seus colegas ou por funcionários da escola165. Em uma das turmas, há um aluno portador de Síndrome de Down, bastante apegado ao professor e, de maneira geral, bem tratado pelos colegas, como se fosse o “irmão mais novo” da classe. No dia em que fiz as observações, era o aniversário da Diretora e todos os professores acolheram-me com naturalidade na comemoração. Foi no intervalo, na pequena sala de professores. Os alunos eram afetuosos com Cândido, mas ainda estavam se adaptando à sua forma de ensinar.

Em outro bairro da mesma cidade, um pouco mais distante do centro, visitei, durante a tarde, a escola de Regina, que também possui um belo ambiente externo. As salas de aula aparentam escassos sinais de vandalismo. A escola possui um bosque tombado pelo patrimônio público municipal e está adaptada para alunos Portadores de Necessidades Especiais (mas não

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BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n. 504 de 23 de agosto de 2011. Altera o parágrafo único da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), para estabelecer o número máximo de alunos por turma na pré-escola e no ensino fundamental e médio. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=101713>. Acesso em: 21 maio 2012. 165

Algumas aulas foram interrompidas cerca de cinco vezes. No entanto, não creio que seja uma rotina, pois estavam a poucos dias da Festa Junina e muitos recados precisavam ser transmitidos aos alunos.

havia nenhum nas turmas de Regina). As salas de aula são amplas, altas, ventiladas e iluminadas, com 25 a 30 alunos nas turmas observadas (9º ano A e B e 8º ano B). As janelas, em geral, têm vista para o bosque. A sala de professores é tão pequena quanto a da escola de Cândido, mas o ambiente é igualmente acolhedor. O PPP informa que a clientela é, em geral, de classe média e média-alta, com baixo índice de distorção idade-série. Não há registro de pais analfabetos.

Percebi grupos de alunos participativos e atentos, sem problemas de disciplina e respeitosos com a professora – embora nem todos cumprissem as atividades. Nota-se que reconhecem a autoridade de Regina pelo alto grau de conhecimento que oferece e, principalmente, pela capacidade de tornar claros os conteúdos. Nos casos em que algum jovem atrapalhou o andamento da aula, Regina tomou uma atitude simples e eficiente: chamou-o para conversar fora da sala. Em menos de um minuto, ambos retornavam com o problema contornado.

Nem Regina, nem Cândido possuem projetos em colaboração com colegas, tampouco cumprem outras funções que não a de professor – provavelmente por ser começo da carreira. Mas isso não é regra, porque Ana, prestes a aposentar-se, nunca deixou a sala de aula para ocupar posições de Gestão ou Formação. Entretanto, ela conduz, sozinha, um Projeto sobre Patrimônio Histórico da cidade, que envolve seus alunos de sétimo ano e de EJA. Ela conhece muito bem a cidade e, na entrevista, relacionou a história do bairro com a presença do capitalismo industrial e financeiro no país. Muitos dos atuais alunos de Ana são filhos de seus primeiros pupilos. A escola, com jardim e gradil verde-escuro (cor que combina com os estofamentos das cadeiras e com as persianas), foi fundada em 1982, mas possui áreas de construção recente.

Na sala dos professores, diferente das anteriores, há mesa para 12 pessoas, banheiro masculino e feminino, geladeira, microondas e bebedouro. Há armários com chave para os professores e espaço para os Diários de Classe. No mural de comunicados, estão as metas e ações para o ano, conforme comunicados da Secretaria Municipal de Educação (SME). No pátio há um grande quadro com gráficos dos resultados de cada turma nos exames externos. A escola possui um ambiente especialmente mobiliado para os encontros de estudo e trabalho dos professores. As salas de aulas são amplas, iluminadas, com ventilador, armários e murais. Todas foram decoradas pelos docentes da tarde. Ana cuida para que os alunos não sentem próximos às paredes ou cortinas, para evitar que os delicados materiais se estraguem. Quando nos dirigíamos para a sala de estudos onde aconteceria a entrevista, um grupo de alunos nos mostrou um pequeno mural no

pátio (longe do alcance de visitantes externos) em que havia fotos dos alunos que tiveram melhor desempenho acadêmico em cada série. Enquanto eu elogiava a iniciativa, ela chamou minha atenção para a grossa capa de plástico que cobria as fotos. Sem ele, diz a professora, todas as fotos já teriam sido rasgadas. Foi a vez de Ana ensinar-me o “estranhamento”!

Conforme o PPP, a maioria dos alunos provém da zona rural ou de assentamentos e tardam, em alguns casos, mais de uma hora para chegar à escola. A média da renda familiar está entre R$850,00 e R$1.275,00 e 66% dos pais possui apenas Ensino Fundamental (concluído ou incompleto). Como visto também nas outras escolas, há alunos interessados, que participam e cumprem as obrigações rapidamente. Gostam de pedir ajuda e receber explicações de Ana, quase sempre, individualmente. Tratam os professores com deferência e tentam sobrepor seus interesses aos dos menos engajados – nem sempre com sucesso. Ana estimula todos a participar usando diferentes argumentos: comentários bem humorados, troca de lugares, avisos sobre as consequências de seu comportamento e encaminhamento à Coordenação Pedagógica, que, em geral, realiza conversas individuais e, no limite, solicita a presença dos pais.

Na mesma cidade, mas em um bairro bem diferente, visitei a escola de Mercedes, numa região movimentada, próxima a um Shopping Center. Na mesma quadra da escola Municipal, ficam ainda outras duas Escolas Estaduais. Em frente há uma grande praça, com jardins, pista de skate e quadra de esportes. A escola possui dois conjuntos de salas de aula, dividas por um jardim bem cuidado. A sala dos professores fica atrás da secretaria, em local discreto. Há uma mesa, bebedouro, armários, geladeira e microondas. As paredes estão limpas e não há sinal de pichação. A sala de aula utilizada pela professora (cada professor tem a sua) é ampla e bem iluminada. Há poucos sinais de desgaste nas carteiras e os alunos participam da limpeza antes de deixarem a escola. Há três grandes armários com cadeado.

Os alunos não ostentavam materiais escolares caros ou calçados de grife, tampouco aparentavam pobreza. Segundo a coordenadora da área de História na SME, esta escola é uma das mais conceituadas da cidade e obtém excelentes resultados nas avaliações externas e nos concursos de admissão para escolas técnicas ou privadas no Ensino Médio. Observei que a relação de Mercedes com seus alunos é de respeito e ternura. Ela procura criar um ambiente de tolerância. Na sala de professores, conversou com todas as colegas e demonstrou bom humor. No PPP destacava-se a preocupação com a transmissão de valores, a responsabilidade e o respeito –

problemas que não constatei (pelo menos, em nível preocupante) na sala de Mercedes. Porém, ao observar os alunos no pátio, percebi que, de fato, suas intervenções fazem a diferença. Mercedes já ocupou cargos de Direção e Coordenação Pedagógica por curtos períodos (pouco mais de um ano). Em outra ocasião, afastou-se da sala de aula para tomar parte em projetos de formação continuada, mas diz que não gostou da experiência, por não ter o perfil adequado para o gerenciamento.

Assim, dos cinco participantes, apenas Mercedes e Agnês já tiveram outras experiências – notadamente, com formação continuada. Para esta, entretanto, foi uma das vivências mais importantes de sua vida, mesmo tendo passado por desentendimentos e algumas frustrações. Agnês também se destaca por ser a única com Mestrado em Educação. Ela, Mercedes e Lola compõem o grupo de professores que parece ter maior interesse – e conhecimento – pelas áreas didáticas ou pedagógicas. Cândido, Ana e Regina também lecionam para EJA, mas foi só na escola de Agnês que observei esta modalidade. A escola, que fica num bairro periférico, é o maior indício da presença do poder público na região, ocupando um amplo espaço dividido também com a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.

Quando cheguei lá, no início da noite, as crianças dos Anos Iniciais estavam deixando o prédio. Mais tarde, começaram a chegar os professores da EJA e, por fim, os alunos. Há um pátio central, várias salas de aula, uma pequena sala de professores (com armários e arquivos, geladeira e microondas). Uma das salas de aula possui datashow com sistema de som – que foi utilizada pela professora – e todas as outras possuem televisão.

Jovens excluídos do ensino regular, donas de casa que querem acompanhar a escolarização de seus filhos, mulheres que desejam recolocação profissional e idosos sonhando concluir o Ensino Fundamental: eis o heterogêneo perfil dos alunos de Agnês. O Projeto Político Pedagógico da escola ainda não estava pronto. A Diretora ofereceu-se para transmitir todas as informações que eu desejasse e, por intermédio de Agnês, consegui os dados. Não notei problemas de indisciplina. Apenas estranhei quando alguns alunos deixaram a sala de aula sem pedir-lhe autorização. Quando perguntei sobre o tema, ela explicou que se tratava de um grupo de jovens com muitos problemas de comportamento no ensino regular e sua postura (flexível frente a pequenas transgressões) era uma forma de respeitar sua reinserção no espaço escolar. Segundo ela, se impuser os horários, eles obedecem, mas podem perder o interesse pelo conhecimento e,

novamente, abandonar a escola. Portanto, o que eu havia interpretado como indisciplina foi, na verdade, sinal da compreensão de Agnês sobre as necessidades específicas de seus alunos. Durante as aulas, ela toca em seus ombros, lança piscadelas e conversa sobre assuntos cotidianos.

Assim como as escolas observadas na Província de Barcelona, os PPPs do Estado de São Paulo descrevem os objetivos fundamentais e o perfil do professor almejado, com um diferencial: geralmente incluem propostas de formação continuada que atacam os “pontos fracos” de seu corpo docente. Democráticos, autores da educação de qualidade, com algum tipo de impacto na sociedade: eis o perfil geral do professor desejado por estas cinco escolas. O “cidadão crítico” e o cuidado com os alunos com dificuldades a partir do trabalho coletivo aparecem nos objetivos das escolas de Mercedes, Regina e Cândido. Justiça, ética e paz estão presentes em todos os PPPs. É um perfil parecido com o proposto por Guimerà (1991) e sutilmente delineado também nas teses de Paim (2005) e Ricci (2003). Como demonstrarei adiante, o papel do professor identificado por Regina, Cândido, Ana, Agnês e Mercedes combina, em todos os sentidos, com a proposta das suas escolas.

A única professora que optou por disponibilizar os planos de aula foi Agnês. Como Lola, ela gosta de escrever e o faz como se estivesse conversando com seus alunos. Pequenas citações ou trechos de poesias introduzem ou encerram vários materiais – construídos por ela ou com os alunos. Cândido também tem este costume, pois todos os modelos de avaliação que ele mostrou contavam com um pequeno poema – geralmente, de Bertold Brecht. Mercedes concedeu cópias de muitos dos materiais que ela usa em sala, inclusive os resultados de um projeto de interpretação de reportagens de jornal no período eleitoral de 2006. Ana, menos afeita às formalidades, rascunhou em um papel as ideias que norteiam seu projeto sobre Patrimônio