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CAPÍTULO 2 – TESTEMUNHOS DE PROFESSORES DE HISTÓRIA

2.1 Barcelona – Lola, Josep e Fidelio

2.1.1 Trajetória de vida e formação

Encontrei-me com Lola nas dependências da UAB, no final de uma tarde ensolarada e fria. As salas do Departament de Didáctica de les Ciències Socials estavam vazias, pois todos assistiam a um empolgante encontro com professores de outras partes do mundo. Lola estava à vontade, pois conhecia bem as dificuldades e os prazeres de uma pesquisa de doutorado. Sorrisos, conversas sobre o trânsito e o tempo – afinal, uma brasileira ficava à vontade no frio? Fácil, era só ter nascido nascer no Sul...

Termos assinados, gelo quebrado, gravador ligado. Começou a entrevista. Solta, entremeando expressões em catalão, Lola adora falar, ler e escrever sobre seu trabalho. Comecei pela trajetória profissional e, naturalmente, família, licenciatura e utopias fluíram. Seu único receio era que divagasse demais ao longo da conversa e, por isso, pediu que a interrompesse sempre que necessário.

Meu contato para a entrevista com Josep também foi tranquilo, embora, a princípio, ele receasse que a pesquisa incluísse uma avaliação de sua prática pedagógica. Durante a entrevista, que aconteceu nas dependências da escola, Josep teve dificuldades em responder algumas questões. Então, desligava-se o gravador e as respostas fluíram melhor. Calmo, com voz suave, ele autorizou que as anotações de conversas informais que tivemos, nas caronas entre a escola e a UAB, fossem anexadas à entrevista.

Ele fez questão de que as observações das aulas acontecessem em momentos de explicação de conteúdo novo, por isso, visitei a cidade em vários dias diferentes. Josep teve a gentileza de facilitar o contato com outros professores e permitiu que assistisse à aula d’acollida, que é de sua responsabilidade. Esse momento foi especial, já que uma das alunas era brasileira e passava por um período de adaptação na escola. O carinho e a preocupação de Josep para com esses jovens foi notável.

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As entrevistas foram realizadas nas seguintes datas: Lola, em 04/11/2010; Josep em 26/01/2011 e Fidelio em 15/02/2011. As transcrições estão disponíveis no Anexo 8.

Nessas visitas à escola de Josep, aconteceu o encontro com o professor Fidelio, de passos largos, voz baixa e forte. Cumprimentava alunos ao longo dos corredores e das escadas, fazendo sempre breves perguntas pessoais e animando-os a melhorar o comportamento. Mostrou toda a escola, sabia exatamente qual a melhor sala e o melhor horário para que não houvesse incômodos durante a entrevista. Neste caso, as observações aconteceram antes da entrevista e a empatia foi imediata. Fidelio expôs com segurança seus pensamentos e suas frustrações.

O roteiro estava ali, mas a narrativa de Lola dançava tranquila sobre ele. Estimuladas pelas primeiras perguntas102, as memórias sobre a trajetória pessoal e profissional emergiram... Ela nasceu em 1952, em um povoado da Província de Barcelona. Atualmente, reside e trabalha em uma cidade de médio porte da mesma província. É casada, tem dois filhos e goza de uma situação econômica estável. Escolheu o pseudônimo em homenagem à avó.

Josep foi o único que não sugeriu o pseudônimo. Escolhi um nome bastante comum na Catalunha, equivalente ao José, em português. Ele nasceu em Valencia em 1971 e há cinco anos reside na mesma cidade em que trabalha.

Fidelio, professor de Historia/Ciencias Sociales na mesma escola que Josep, falou pouco sobre sua história de vida e seus projetos pessoais, mas ofereceu um detalhado panorama de suas concepções políticas. Ele pediu que utilizasse o nome Fidelio, mas não quis explicar, deixando um sorriso desafiador. Nasceu em 1951, na Província de Lleida, Catalunya. Mudou-se por motivos profissionais e não pretende abandonar a cidade, na qual encontrou tranquilidade. Já chegou a recusar propostas de trabalho por questões de deslocamento, que impossibilitariam as refeições em família. A origem rural dos pais é comum aos três.

Lola respondeu que as primeiras experiências com a escola foram marcantes pelo fato de depender de bolsas de estudo ao longo de toda a sua escolarização. Seus pais enviaram os filhos para viver com os tios ou a avó para que estudassem em boas escolas. Sua alfabetização ocorreu em uma escola unitaria pública e, até chegar à universidade, no período da juventude, estudou em uma escola religiosa. Parte da infância e da adolescência passou com a avó, na cidade em que se situava a escola desejada por seus pais. Depois, até terminar o Pré-Universitário, sempre estudou em Escolas Privadas de inspiração Cristã.

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Os pais de Josep eram operários, mas viviam em zona rural, com formação cristã e participação em movimentos de trabalhadores – principalmente o genitor. Ele sempre frequentou a escola pública, assim como Fidelio, para quem a experiência de ter sido aluno de uma escola rural pública unitária – contando com um professor exigente que os fizera alcançar altos níveis de conhecimento – foi um dos ingredientes que apoiaram a sua escolha profissional.

Percebi que esses três professores têm em comum a origem humilde de seus pais, em cidades pequenas e na zona rural. Dois estudaram em escola pública, a exceção era Lola, que frequentara escolas cristãs privadas, sempre com bolsa de estudos. Chegar à formação acadêmica em Universidades de excelência na província de Barcelona fora uma conquista inédita em suas famílias. A seguir, revelo como acompanhei as práticas de Lola, Josep e Fidelio em suas escolas.