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PRÁTICA PEDAGÓGICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:

O SABER HISTÓRICO ESCOLAR E

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE

CONHECIMENTO SOBRE A DOCÊNCIA

Dulcineide da Silva Gomes

Crislane Barbosa de Azevedo

Neste trabalho, discutimos sobre a produção do saber histórico escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental e a constru- ção do conhecimento sobre a docência da disciplina História nesse segmento de ensino. Inicialmente, abordamos reflexões em torno do conceito de história e de seu ensino, observan- do que este veio ganhando sentidos e significados diferentes ao longo do tempo, seguindo o ritmo e os desígnios sociais. Em continuidade, discutimos sobre a produção do saber histó- rico escolar, focalizando o ensino de história no primeiro segmento do Ensino Fundamental. Na sequência, refletimos acerca da construção do conhecimento na docência em História pelo professor pedagogo. Enfocamos os meandros percorridos por esses profissionais na busca de vencer as barreiras dos conhecimentos históricos, historiográficos e dos aportes metodológicos para o ensino da disciplina, uma vez que esses professores não têm uma formação específica para ensinar História, pois sua formação resume-se, muitas vezes, ao que estudaram durante sua vida escolar e a um pequeno enfoque

nos cursos de Pedagogia quando cursaram a disciplina de Didática em História ou Metodologia do Ensino de História.

As transformações na História e no seu ensino

O tempo passa e as sociedades se transformam no ritmo da cronologia, mas também da valoração social. Nesse movi- mento, a maneira de compreender e produzir os conhecimentos históricos e o seu ensino também se alteram, acompanhando as mudanças sociais e científicas, sobretudo as ocorridas nos últimos séculos (XIX a XXI).

No século XIX, impulsionada pelo movimento europeu de legitimação dos Estados Nacionais, a escrita da História foi utili- zada em favor da formação de uma identidade nacional para as nações. Com esse propósito, o ensino de História também foi praticado. O método orientador das pesquisas eram os mesmos utilizados nas pesquisas das ciências naturais e exatas, posto que eram considerados, naquele período, como verdadeiros em termos de cientificidade. O historiador praticava a historio- grafia seguindo um embasamento paradigmático denominado de metódico ou positivista, no qual deveria se manter neutro nas análises dos fatos históricos, posto que deveria apenas se deter na análise documental para a escrita da história nacio- nal. Seguindo essa análise, os fatos eram organizados em uma ordem cronológica e linear. Em decorrência disso, os sujeitos históricos que apareciam na história escrita eram as pessoas que tinham mais representatividade na política, na economia e as que se destacavam em diversos conflitos e guerrilhas nacio- nais, os ditos personagens “vilões e heróis”. Buscava-se, com isso, relatar a verdade sobre aquilo que realmente aconteceu.

Esse enfoque paradigmático, por muito tempo, influenciou a historiografia e o ensino de História, o que resultou na produ- ção de uma história nacional homogênea e linear, a qual foi mantida como a história comum de todos e contemplada nos materiais didáticos, nos conteúdos e nas metodologias para o ensino da disciplina.

Conforme aponta Nadai (1992), no Brasil do século XIX, a história ensinada tinha grande influência dos apor- tes teóricos e metodológicos e dos referenciais do mundo ocidental, posto que esta era considerada como a verdadei- ra história – a ocidental, o que levou o ensino da história nacional para segundo plano. Porém, mudanças no âmbi- to econômico e político viabilizaram, no Brasil do início do século XX, o surgimento de uma nova organização social e, na conjuntura dessas mudanças, possibilitou discussões sobre como ensinar História.

Nas primeiras décadas do século XX, eventos como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, ocasionaram proble- mas econômicos e sociais que, de certo modo, passaram a influenciar as formas de enxergar os problemas sociais sob novos olhares e maneiras de explicar os fenôme- nos sociais. Tudo isso com base na incorporação de novos métodos de investigação nas Ciências Humanas e Sociais. Especificamente, na História, as análises afastaram-se da perspectiva mais econômica tendo em vista análises sociais e mesmo de cunho antropológico, como registra Fagundes (2006). Esse modo de analisar a sociedade foi expresso pelos ideais do movimento intelectual francês denominado Escola dos Annales, que teve como fundadores

Marc Bloch e Lucien Febvre. Os historiadores brasileiros passaram a praticar a escrita da história a partir da

[...] inspiração na historiografia francesa, agora não mais sob a influência dos positivistas, mas dos adeptos dos Annales. Isso se manifesta, por exemplo, na escolha dos objetos de estudo, que passam a ser buscados fora da esfera predominantemen- te política ou econômica. Mesmo admitindo o trabalho com elementos da política e da economia, isso seria conduzido a partir de novas abordagens. Ou seja, ampliaram-se as possi- bilidades de leitura dos mecanismos de funcionamento da sociedade (FAGUNDES, 2006, p. 107, grifo do autor).

Segundo Barbosa (2005), a partir da nova concepção histo- riográfica dos annalistes, novas fontes de pesquisa para a produ- ção do conhecimento histórico são consideradas, pois houve uma ampliação não somente a respeito da concepção de história como disciplina e ciência mas também acerca do arsenal metodológico e do alargamento de conceito e do uso dos documentos e fontes de pesquisa. Por conseguinte, isso possibilitou uma produção historiográfica que não considerava mais aquela história coletiva como sendo única e inexorável, passando a considerar os indiví- duos comuns como sendo sujeitos históricos ativos no processo da escrita da história e na história.

Todavia, nesse contexto, no Brasil, com as exigências sociais e da expansão industrial, pedia-se por uma escolaridade mais voltada à formação do indivíduo ativo e dotado de expe- riências científicas para agir em prol do progresso nacional. Isso acarretou para o debate educacional a reformulação dos currículos e propostas de renovação pedagógica que privile- giassem a ciência como promotora de progresso. Então, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, o ministro Francisco Campos propôs uma reforma no ensino público no

sentido de regular de forma idêntica o ensino em todo o país, enfatizando o estudo de História Geral nos currículos, mas com a finalidade de acentuar o fortalecimento do poder central do Estado sobre o ensino (BRASIL, 1997). No período, também foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, que buscava renovação pedagógica em defesa de um novo contexto escolar sob a égide do ensino público e laico cuja produção do conhe- cimento fosse de cunho científico (SAVIANI, 1984).

Conforme Andrade (1998), os movimentos de redemo- cratização do país, na década de 1940, contribuíram para o estímulo da produção de uma história econômica e social do Brasil que deveria incluir o ponto de vista das classes explo- radas. Nesses movimentos, deu-se vasão para a criação de um currículo especial, que, no discurso, deveria homogenei- zar a educação escolar em prol do trabalho. Por essa razão, iniciou-se de modo mais sistemático o uso das metodologias escolanovistas em escolas públicas, sobretudo nas chamadas de vocacionais e nos ginásios experimentais.

Ainda no início da década de 1960, as experiências das escolas públicas Vocacionais e dos Ginásios Experimentais sofreram limites pelas políticas ditatoriais no regime civil-mi- litar (1964-1985) que acabou por fechar as escolas vocacionais e proibir o uso dos métodos ativos nas escolas. As metodologias, então, passaram a refletir o enfoque paradigmático da racio- nalidade técnica, de modo que professores se desvinculavam da condição de profissionais reflexivos, ativos e produtores de conhecimento para seguir as tendências tecnicistas, retoman- do as práticas da técnica de levar os alunos à memorização de conteúdos em detrimento das aprendizagens construtivas e de crítica social. Para isso, em 1971, foi instituída a Lei 5.692/71, que consolidava os Estudos Sociais, descaracterizando a

História e a Geografia, degenerando o seu ensino escolar, como afirma Andrade (1998).

A partir da segunda metade dos anos de 1980, o Brasil passou por um novo processo de redemocratização e decre- tou, em 1988, a nova constituinte, que trazia como primazia vários direitos sociais, entre eles, o direito de todos à escolari- zação fundamental, principalmente daqueles que não tinham condições de acesso. Seguindo esse movimento, o conheci- mento escolar e as metodologias de ensino sofreram severas críticas e questionamentos, o que conduziu o país a reformas educacionais. Isso impulsionou a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei no. 9394/96. Nesse contexto, a História e o seu ensino também sofreu grandes modificações, de acordo com o que foi obser- vado por Fonseca (2010, p. 1):

O lugar e o papel ocupados pela História na educação básica brasileira, na atualidade, derivam, pois, de transformações na política educacional e no ensino de História, conquistadas a partir de lutas pela democracia nos anos 1980, da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da implantação da nova LDB. Na década de 1980, em meio às discussões sobre a rede- mocratização do país e a formação do povo brasileiro, a organi- zação escolar passou a ser alvo de propostas de reformas. Entre elas, ganhou força a proposta de separação da História e da Geografia. Assim, a História ensinada passou por alterações em seus princípios, objetivos, conteúdos e metodologias de ensino, assim como na ampliação de alternativas didáticas e de fontes de pesquisa para o ensino e a aprendizagem do conhecimento histórico na escola. Resultado desse contexto foi a definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais para História e Geografia

(PCN), em 1997, (BRASIL, 1997). Esse documento refletia tendên- cias e concepções aceitas para que o ensino da disciplina assumisse o papel de contributo para o alcance dos objetivos sociais desses tempos.

Buscava-se um ensino de História que levasse em consi- deração aspectos como: abordagem de novas problemáticas e temáticas de estudo, sensibilizadapor questões ligadas à histó- ria social, cultural e do cotidiano; multiplicidade de povos e de culturas em tempos e espaços diferentes; importância de utili- zação de diferentes fontes documentais para além do registro escrito; aprofundamento de estudos de diversos grupos sociais e povos e atenção à construção da noção de identidade; rela- ção entre saber histórico escolar e o saber histórico; conceitos fundamentais, sobretudo, os de fato histórico, de sujeito histó- rico e de tempo histórico; níveis e ritmos de tempo relacionados à percepção das mudanças ou das permanências nas vivências humanas (BRASIL, 1997).

A partir dessa compreensão, os PCN para o ensino