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A presença da cultura da mídia e do consumo na vida das crianças no interior das escolas

Se efetivamente estamos vivendo em uma sociedade que se organiza por meio do consumo, a escola não poderia estar imune a essa lógica organizativa. Em relação à inva- são da cultura da mídia e do consumo nos espaços escolares contemporâneos, há um conjunto de pesquisas, nos últimos dez anos, em diferentes áreas do conhecimento, como é o caso da Comunicação Social e da Educação, que nos ajuda a entender esse fenômeno por diferentes prismas. Entre essas pesquisas, destacamos as de Schor (2009) e Klein (2003), que abordam o tema em relação às escolas nos Estados Unidos, e as de Costa (2004, 2006a, 2006b, 2007), precursora na abordagem do tema no Brasil. Das pesquisas de Costa, deriva um conjunto de outras pesquisas diretamente a elas relacionadas, como é o caso das de Momo (2007, 2012), Momo e Costa (2010), Costa e Momo (2009a, 2009b), Silva (2014) e Ignácio (2014), entre outras, que focam o tema considerando as escolas brasileiras.

Quanto ao processo de comercialização da escola pública nos Estados Unidos, Schor (2009) mostra-nos como ele ocorre a partir da metade da década de 1990. Ela evidencia um conjunto de estratégias utilizadas por grandes empresas para que suas marcas fizessem parte do cenário escolar e a comercialização acontecesse no interior das próprias escolas. Entre essas estra- tégias, está o fornecimento de equipamentos, como televisões e vídeos, pela Channel One, empresa especializada em noticiários e anúncios publicitários, com o compromisso de que as escolas permitissem a audiência dos programas televisivos produzi- dos pela emissora nos horários de aula. Também pode ocor- rer a compra de espaços publicitários no interior das escolas, como em estádios, quadras esportivas e edifícios, e nas próprias salas de aula ou em ônibus escolares. Há evidências de que as grandes corporações passaram também a ter influência sobre a organização dos currículos escolares quando, por exemplo, patrocinam material didático expondo suas marcas em livros ou financiam atividades curriculares, como excursões que incluem visitas a uma determinada empresa.

Por um longo tempo, segundo Klein (2003), havia um lugar protegido das marcas e das estratégias de comercialização onde a juventude se reunia, conversava, estudava. Esse lugar eram as escolas. No entanto, “as marcas tinham de ir às esco- las” (KLEIN, 2003, p. 111). A pesquisadora evidencia que, com os cortes orçamentários na década de 1990 nos Estados Unidos e a necessidade de recursos, principalmente tecnológicos, as escolas acabaram cedendo a propostas de grandes empresas que adentraram em seus muros, seja estampando os menus nas cantinas escolares na hora do almoço, seja vendendo refrigeran- tes em máquinas do lado de fora dos ginásios esportivos, seja financiando os times de esporte das escolas e universidades.

O conjunto de pesquisas produzidas nos últimos anos por Costa (2004, 2006a, 2006b, 2007) demonstra a invasão de artefa- tos, identidades e práticas culturais relacionados à cultura da mídia e do consumo no interior de escolas brasileiras. A autora destaca o caráter quase planetário e inescapável da interpe- lação dirigida ao consumo e argumenta que as crianças e os jovens parecem ser as presas mais fáceis de uma imensa teia produzida e articulada pelo mercado e pela mídia.

Os estudos produzidos em conjunto com Costa por uma das autoras deste texto – (MOMO; COSTA, 2010), (COSTA; MOMO, 2009a, 2009b) – também demonstram que o espaço escolar no Brasil tem sido conveniente para as grandes corpo- rações exporem seus logos, seus discursos e sua lógica. Já o estudo de Silva (2014) investiga e problematiza os significa- dos de roupas e acessórios vinculados à cultura da mídia e do consumo, usados por jovens na composição de suas iden- tidades em escolas do Sul do Brasil. A pesquisa de Ignácio (2014) evidencia a pedagogização do discurso do consumo nas práticas discursivas escolares e o governamento dos sujei- tos escolares para o consumo. As pesquisas desenvolvidas por Momo2, ao ocuparem-se em dar visibilidade e analisar as

formas como as crianças pobres das escolas estudadas vivem a infância e se constituem como alunos, também ajudam a 2 Trata-se das pesquisas: Mídia e consumo na produção de uma infância pós-moderna que vai à escola, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2004-2007), Mídia, consumo e culturas locais na produção de sujeitos infantis escolares na grande Natal (2009-2013) e Infância, Contemporaneidade e Educação (2012-2014), vinculadas à Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

compreender certa consonância entre as crianças e as confi- gurações culturais do mundo contemporâneo. Visibilidade, efemeridade, consumismo, ambivalência, fugacidade, descar- tabilidade, individualismo, superficialidade e instabilidade fazem parte da vida das crianças das escolas estudadas. Cabe destacar que as pesquisas da investigadora foram realizadas em escolas localizadas no Sul do Brasil, de 2004 a 2007, e também no Nordeste do Brasil, de 2009 a 2014.

Partimos, então, do entendimento de que as produções simbólico-emocionais de muitas crianças no interior das esco- las são produções que se relacionam com a cultura da mídia e do consumo na qual estão inseridas. Esse entendimento foi construído com a aproximação entre os estudos de Momo (2007, 2012, 2014), que evidenciam a presença da cultura da mídia e do consumo no interior das escolas, e os estudos de Mitjáns Martínez (1997, 2004, 2008, 2009, 2012, 2014a, 2014b, 2014c) sobre a criatividade, incluindo a criatividade como expressão da subjetividade. Dito de outro modo, consideramos que a criatividade é uma das expressões da subjetividade das crianças e nos dedicamos a evidenciar e interpretar alguns de seus traços relacionados à cultura da mídia e do consumo no interior das escolas investigadas. Isso não quer dizer que a criatividade como expressão da subjetividade não se configure também por meio de outras relações, mas que, para muitas crianças, é marcada, em grande medida, pelas relações com a cultura da mídia e do consumo, e esse é nosso foco de inte- resse neste artigo.

Nas pesquisas de Momo, já havia indícios da criatividade das crianças relacionada com a cultura da mídia e do consumo no interior das escolas investigadas. No entanto, a criatividade não foi tomada como objeto de estudo e não foi compreendida como

expressão da subjetividade das crianças. Por isso, no presen- te artigo, alguns dos registros realizados nessas pesquisas são retomados para dar visibilidade à criatividade como expres- são da subjetividade de algumas crianças. Trata-se de registros realizados em escolas públicas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental da periferia de Porto Alegre/RS, de 2004 a 2008, e em escolas públicas de Educação Infantil da periferia de Natal/ RN, de 2009 a 2014. Somam-se a estes, outras informações cons- truídas em escolas públicas de Educação Infantil do Distrito Federal (DF) durante o ano de 2015 em turmas de crianças com quatro e cinco anos de idade. Cabe destacar que estas últimas foram construídas e interpretadas pelas autoras deste texto no contexto de uma pesquisa de pós-doutorado3 que se fundamen-

tou na epistemologia qualitativa de González Rey (2002, 2011a, 2014b). Além disso, é necessário sublinhar que são essas as infor- mações centrais utilizadas na construção deste artigo.

3 Trata-se da pesquisa intitulada Processos criativos de ensino-apren- dizagem em escolas de Educação Infantil do Distrito Federal diante de crianças (con)formadas pela cultura da mídia e do consumo, reali- zada por Mariangela Momo, com apoio do CNPq, sob a supervisão/ orientação da professora Dra. Albertina Mitjáns Martinez.

A criatividade como expressão da