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1. A Participação do Arquiteto na Sociedade Contemporânea

1.2. Práticas emergentes no contexto português

Desenvolvido pela arquiteta e curadora Inês Moreira (2010) no âmbito do projeto “Devir Menor”27, o conceito de “prática espacial crítica” é, no contexto português, o conceito que melhor tenta definir as intervenções de uma nova “geração” de arquitetos que, no entender da autora, “tornam problemáticos os contornos do campo da arquitectura, intricando-os com diversos campos entendidos como “extradisciplinares”, isto é, exterioridades da arquitectura, como a política urbana e a filosofia, ou a performance28 e a organização de eventos.” (Moreira, 2010: 20).

As “arquiteturas e práticas espaciais críticas” são empírica e teoricamente tecidas como um “desfazer” da centralidade autoral, do desenho ou da “arquitetura” dominante. Além dos projetos construídos, os autores envolvidos enunciam questões económicas, corporativas e políticas da arquitetura e expõe vontades de construção de projeto coletivo (Moreira apud Baptista e Melâneo, 2012: 99).

27 Concebido por Inês Moreira e Susana Caló (investigadora em filosofia e editora), “Devir Menor é um projeto de investigação híbrida entre a arquitetura, a teoria crítica e a prática da materialidade, procurando diagramar projetos e processos de trabalho de arquitetos e coletivos situados no contexto da Ibero-América. (…) Enunciado a propósito da literatura de Kafka por Gilles Deleuze e Félix Guattari, o conceito de ‘devir menor’ refere­se a um potencial de transformação e de abertura de espaços dentro de um contexto dominado pela subordinação a uma língua maior ou dominante. O projeto parte deste conceito e explora a sua instanciação em práticas espaciais na Ibero-América. Explorando o que se denomina por ‘práticas espaciais críticas’, o projeto quer ir particularmente ao encontro de conceções de espaço e prática da arquitetura em que os fatores políticos, económicos, sociais e ecológicos intercetam a elaboração projetual e contribuem para um discurso de multiplicidade” (Website Devir Menor). A relação entre a ideia de devir menor e as práticas espaciais críticas é desenvolvida por Susana Caló em “Devir autónomo e imprevisto” (cf. Caló, 2013).

28 A relação entre arquitetura e performance foi particularmente desenvolvida por Pedro Gadanho (2007). Segundo o arquiteto, “(…) as condições de mudança do mundo contemporâneo implicam que a arquitectura seja não só vista como firmitas – ou algo que se afirma no domínio da construção pura e dura – mas também como uma prática especializada capaz de gerar ideias e conceitos efémeros, ideias e conceitos que respondem a uma noção cada vez mais expandida da mobilidade nas sociedades contemporâneas” (Gadanho, 2007: 26). Neste sentido, “a arquitectura passa da dimensão de um serviço estático – associado à lentidão tradicional da construção física da cidade ou da mutação das identidades locais – à dimensão de uma performance, isto é, a uma capacidade dinâmica de resposta perante as exigências mais rápidas e extremas da cultura urbana contemporânea” (id.: ibid.). Esta performance deve remeter não só para uma “eficiência técnica e económica” da arquitectura, mas também para uma prática cultural, isto é, na tradição da performance art dos anos 70 que “foge aos cânones do objecto artístico e da expressão plástica para se dedica ao princípio da acção” (id.: 27), a capacidade de performance da arquitectura enquanto prática cultural “deve contribuir para que esta adquira um papel social mais crítico, um papel de comentário activo às modificações sofridas na sociedade” (id.: ibid.).

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Inês Moreira (2010) entende a noção de “prática” não como uma atividade “necessariamente normativa”, que significa correntemente em arquitetura “a produção pragmática no espaço do atelier, do projecto e da construção, uma tradição separada da pesquisa, da investigação, e eventualmente da sua antagónica teoria” (id.: 20), mas antes como uma “prática pensante” (Moreira, 2010: 21). “A noção de prática é aqui entendida como uma activação, prática como um modo experimental, eventualmente performativo, de conhecimento do espaço” (id.: ibid.). Igualmente na tradição lefebvriana, Moreira entende a prática espacial como “experiência, utilização e apropriação do espaço”, isto é, como uma das três modalidades da “produção do espaço” definida pelo autor: a “actividade social praticada no quotidiano” (id.: ibid.). Segundo a autora, “a abertura a esta dimensão permite abranger os aspectos informais, a fugacidade e a efemeridade das práticas” (id.: ibid.).

O emergir destas práticas espaciais parecem relacionar-se, como sublinha a autora, com a “mobilidade, a fragmentação da concepção de formação em arquitectura, e a desmultiplicação em percursos individuais e organizações diversas” (id.: ibid).

Isto é, parece-nos serem as rupturas na educação proporcionada pelo programa europeu Erasmus, pelos Mestrados e estágios no estrangeiro, pela facilidade e aceleração da mobilidade, mas também a contemporaneidade, o rápido acesso a informação, a disseminação de redes sociais ou oportunidades de trabalho e de emprego, que vêm rompendo paradigmas e sublinham a singularidade da constituição de cada uma das práticas (id.: 21-22)29.

A organização em coletivos e a colaboração interdisciplinar tem vindo assim a marcar, de acordo com Moreira, uma nova geração de arquitetos portugueses, denominada “geração z” (id.: 22) pela revista arqa, na sequência do “dispositivo crítico vindo da exposição Metaflux de 2004, em que Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira tinham confrontado uma geração mais velha X com uma mais nova Y” (Baptista, 2011b). Segundo Luís Santiago Baptista, editor da arqa, a “geração z” refere-se à geração de arquitetos que surge após a x e y e que assume

29 Segundo Santana (2010), a mobilidade acrescida aliada à facilidade de circulação de informação, permitem expandir as redes sociais e informativas e, consequentemente, alargar o território de prática e os conhecimentos do arquiteto. “Das malhas da rede da formação académica e de um mercado de trabalho local e acanhado, passa- se às possibilidades enriquecedoras das novas redes sociais e das novas redes informativas” (id.: 63). Estas redes permitem não só facilitar “o acesso a novas parcerias e possibilidades de trabalho - como os concursos internacionais, as ofertas de trabalho no estrangeiro, etc.” (id.: 63), como também a troca de experiências e o cruzamento de saberes que influenciam os processos, metodologias e o desenho de arquitetura.

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[...] um posicionamento mais contaminante e híbrido, adoptando as estratégias criativas mais eficazes e expeditas, tendo em conta a resposta a uma situação específica. De facto não se pode falar aqui meramente de questões programáticas, formais ou estéticas, mas principalmente de novas abordagens e metodologias de trabalho. E isto reflecte-se claramente [...] nos modos de estruturação dos ateliers quase todos adoptando a forma de colectivo, e no desenvolvimento de colaborações, que atravessam múltiplos interesses e campos disciplinares. (Luís Santiago Baptista apud Santana, 2010: 50-51)

Embora o programa “geração z” da arqa se tenha fechado com “a constatação da impossibilidade de constituição geracional” (Baptista, 2014b: 20), uma vez que os jovens arquitetos demonstram “quase total alheamento, distanciamento ou desinteresse pela constituição de um qualquer corpo unitário, de uma eventual plataforma comum ou de um possível programa sintético, que foi, diga-se, ao longo da modernidade, condição necessária à constituição histórica de uma geração” (Baptista apud Baptista, 2014b: 20), parte desta nova geração que não se assume como tal aposta de facto nestas novas metodologias que investem “na apropriação criativa do presente e numa renovada atenção às solicitações da realidade concreta” (Arqa apud Santana, 2010: 54), e que parecem ser não só uma consequência da mobilidade acrescida e da expansão das redes sociais, mas também de sobrevivência e legítima afirmação dos arquitetos recém-licenciados num mercado de trabalho de difícil enquadramento devido ao elevado aumento do número de profissionais e à situação económica atual. Dentro desta vertente da nova “geração” caracterizada afinal pela pluralização de abordagens, podem destacar-se os Moov, o Atelier Data, as Blaanc, João Caeiro, Pedro Clarke, Paulo Moreira, os Urban Nouveau*, Artéria ou o Ateliermob que vê na crise atual uma oportunidade para desenvolver um trabalho que quer “tomar uma parte activa na transformação social” (Ateliermob apud Baptista e Melâneo, 2011b: 73).30

30 “Nós inscrevemo-nos nos que querem tomar uma parte activa na transformação social. Ou seja, interessa-nos trabalhar para melhorar a vida das pessoas. Interessa-nos muito menos participar em processos cujo centro é a criação de uma mais valia financeira. Sempre trabalhámos em crise e sempre tivemos de trabalhar muito para conseguir ter trabalho. Ora isto faz com que, no momento em que as empresas estão a despedir, nós estejamos a contratar e a estimular parcerias com outras realidades. Até certo ponto, a nossa crónica falta de recursos tem- nos impermeabilizado contra a crise. Por outro lado, parece-nos que a actual situação política e económica do país fará com que os ateliers com que partilhamos este posicionamento disciplinar, sejam fulcrais. Ou seja, a realidade está a colocar-nos no centro da solução” (Ateliermob apud Baptista e Melâneo, 2011b: 73).

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