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ENTREVISTAS A REPRESENTANTES INSTITUCIONAIS LOCAIS

5. Processos de intervenção (Como se produzem as iniciativas?) 1 Recursos mobilizados para as intervenções

5.2. Temporalidade das intervenções

Findados os dois meses e meio de levantamento, no decorrer das exibições da maqueta na Cova do Vapor (Figura 3.13.) e da mediatização do projeto, os objetivos iniciais dos Urban Nouveau* foram ampliados. Nesta altura, era desejo de Filipe Balestra que a maqueta, “com vontade política e

apoios, por exemplo, da Ordem dos Arquitetos” seguisse “para exposições itinerantes, nacionais e internacionais” (Queirós, 2011: 61). Ao mesmo tempo, era sua intenção publicar um livro com as histórias e imagens da Cova do Vapor, como forma de reforçar “a sua convicção de que esta não é uma aldeia qualquer” (Amaro, 2011: 45); assim como lançar um site “para mostrar ao mundo ‘esta maravilha’ esquecida” (id.: 41). Segundo Balestra, o bairro “precisa de melhorias estruturais, claro, mas é uma lição de “costumização” ou, se quiser, de arquitectura participativa” (Filipe Balestra apud Amaro, 2011: 45). Por isso, era também sua vontade, conseguir arranjar investidores que colaborassem na elaboração de uma estratégia que apoiasse o melhoramento das construções (cf. Amaro, 2011; Macedo, 2011b). Neste sentido, e ainda durante a fase de levantamento do bairro, Filipe e Sara pediram o apoio da Fundação EDP para o desenvolvimento de um projeto de auto-suficiência energética para o bairro, englobando a “instalação de ventoinhas eólicas e painéis solares” (Vídeo RTP, 2011b). Segundo Vergílio Varela, representante da Fundação EDP, a posição da instituição era, na altura, favorável a esta iniciativa: “Nós, obviamente, queremos estar envolvidos, queremos ser parceiros desta iniciativa. (…) É um início de namoro. É um início de conversa, mas certamente que vai ter um resultado positivo para a comunidade” (id.). Contudo, este projeto não veio a ter continuidade, não se tendo

Fonte: Facebook TISA

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conseguido apurar as razões de tal facto. Sem o financiamento da EDP, a TISA acabou por abandonar o terreno. “Tivemos de sair de cena mas eu acho que, pelo menos, a semente foi plantada” (Entrevistado 1, TISA). Quanto às desejadas exposições, não foi encontrada informação que comprove a sua ocorrência e o livro prometido por Filipe está ainda a ser compilado. Segundo publicação do próprio na página de Facebook da TISA, em fevereiro deste ano, está para breve a publicação do “livro- azulejo” (Facebook TISA).

No caso da Casa do Vapor, a duração da iniciativa foi mais prolongada, contudo, igualmente temporária. Ao fim de seis meses de permanência, correspondente ao período licenciado pela APA para a construção, a estrutura da Casa começou a ser desconstruída. No entanto, dados os pedidos de visitantes e alguns moradores para que a estrutura se mantivesse, a equipa da Casa fez um pedido de prolongamento da licença à APA que permitiu que parte da estrutura permanecesse no local por mais seis meses. Segundo Moutinho (2013), no fim-de-semana anterior à desmontagem, muitos visitantes “queriam assinar petições, apelar a quem de direito” para que a casa não desaparecesse. “Queriam salvar a cozinha e a biblioteca, os dois núcleos principais da Casa, mas também instalações feitas à medida dos moradores: a cicloficina (…), a rampa de skate (…), e o forno comunitário de onde saíram jantares que davam sempre para mais um” (id.). Os moradores tinham pena e não percebiam o porquê de não continuar “a Casa e a animação” que vinha trazendo (Dias, 2013). Contudo, os construtores reforçam que "se o projecto não fosse temporário não teria acontecido" (Alexander Römer apud Moutinho, 2013), chegando a questionar o porquê de ter de ser definitivo (Moutinho, 2013).

Ficou assim, por mais seis meses, apenas a cozinha, funcionando como sala de encontros e atividades (id.). A estrutura da biblioteca e cicloficina foram abaixo. Contudo, o desaparecimento da estrutura da biblioteca não ditou o fim da mesma, concretizando-se assim as vontades de alguns agentes de que o projeto se diluísse na comunidade: “Nós temos intenções e temos vontades que esta casa, embora tenha de desaparecer a nível físico, se dissolva pela comunidade” (Eduardo Conceição in Web- Documentário Público, 2013). Desde a sua proposta de realização de uma biblioteca dentro da estrutura efémera que era a Casa do Vapor, que a produtora cultural Dolores Papa perspetivava, após o término do projeto CV, estabelecê-la na comunidade144. Essa ideia foi crescendo a cada dia ao ver que as

144 Esta foi igualmente uma questão alertada pela CMA no início do projeto. A questão da “permanência das consequências”. Segundo o representante da CMA (Entrevistado 26, Adjunto da Vereação da CMA), o município alertou para que algo permanecesse depois do projeto, mesmo que não fosse material.

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crianças continuavam “a frequentar o espaço mesmo após o regresso às aulas” e que “todos pediam sua permanência”145 (Website Biblioteca do Vapor). A produtora cultural considera a biblioteca uma forma de dar continuidade ao processo de transformação da Casa do Vapor, entendendo que esta pode ser uma ferramenta para que as crianças e os adultos se tornem “protagonistas da sua realidade, por mais difícil que ela seja, por mais vulnerável que ela seja, por menores condições que eles tenham” (Dolores Papa, Documentário Público, 2013).

Durante os meses em que se manteve ainda parte da Casa e se realizaram mais algumas atividades no âmbito do Clube de Ciência146 então criado, preparou-se a sala cedida pela AMCV para receber o espólio da biblioteca, com a ajuda de alguns moradores. A biblioteca entrou assim numa nova fase de “transição e estabelecimento como instituição comunitária autónoma” (Website Biblioteca do Vapor), passando a ser o primeiro equipamento cultural da Cova do Vapor (id.) organizado por um Conselho Gestor Comunitário. Este modelo de gestão triangular reúne “a ação comunitária, com o associativismo e o poder público”, ou seja, o conselho é composto por 5 moradores (um deles jovem com mais de 14 anos)147, 1 representante da AED e 1 representante da AMCV148 (Entrevistado 3, CV), continuando a ser apoiado pela RBA que, mesmo no período em que a biblioteca ainda estava instalada na Casa (entre 9 de Setembro, dia da inauguração, e final de Outubro), já tinha integrado o seu acervo na rede pública “possibilitando assim o acesso de todos a partir da internet ou pessoalmente na Cova do Vapor” (id.). Querendo ser a biblioteca “um espaço autónomo de gestão comunitária”, o conselho “tem por objetivo ser um grupo de anjos da guarda da biblioteca. Cabe a este grupo de voluntários buscar os caminhos para concretizar seus objetivos, zelar por sua manutenção, uso correto e sua existência para o futuro” (id.). Esta condição encontra-se assegura através de um protocolo assinado por um ano entre

145 Alguns moradores, contudo, mostraram-se inicialmente desconfiados quanto à utilidade do projeto (Facebook O diário da Cova do Vapor). Sobretudo, os pais das crianças pediam para que não se fossem embora, por tudo o que reconheciam terem feito pelos seus filhos.

146 A atividade do “Jogo dos Objetos e Construção de Cadernos” e a atividade “Mapa Lua” (Facebook Casa do Vapor).

147 “São eles que estão a gerir a biblioteca. (…) que fizeram a catalogação de todos os livros, criaram o site, que atualizam o facebook, que estão e receberam formação para mediar livros, foram eles que montaram a estrutura, sem ser a parte da madeira” (Entrevistado 3, CV).

148 Segundo o representante da CMA (Entrevistado 26, Adjunto da Vereação da CMA), ter “hoje algumas pessoas da Cova do Vapor membros do conselho comunitário da biblioteca” comprova “uma ligação ainda que mínima” do projeto com a comunidade.

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a AED, AMCV, o Conselho Gestor da Biblioteca do Vapor (CGBV), a CMA e a DGLAB (Entrevistado 3, CV). No final de 2014, prevê-se que a AED saia do CGBV e que os moradores sejam capazes de gerir sozinhos a biblioteca (Entrevistado 3, CV). Para tal, a este grupo de voluntários pretendem-se juntar mais participantes da comunidade (Website Biblioteca do Vapor). Na eventualidade da biblioteca não poder continuar a existir, seja pela deterioração das condições das instalações ou pelos conselheiros deixarem de ter condições para manter o seu funcionamento, ficou acordado que “o acervo documental da biblioteca seria integrado no acervo municipal mas colocado à disposição das pessoas no ponto mais próximo” (Entrevistado 26, Adjunto da Vereação da CMA).

Desde 26 de Abril deste ano (Figura 3.14.), data da reinauguração da biblioteca contendo um espaço de bebéteca e mediateca (Website Biblioteca do Vapor), a biblioteca já desenvolveu novas atividades com as crianças149 e dedicou-se à criação de um Fundo Local com a ajuda da RBA (Website Biblioteca do Vapor). Acreditando “na importância do fortalecimento da identidade local, da preservação da memória cultural, da história e da passagem das tradições para as novas gerações”, foi criado um “espólio dedicado a ser a memória

coletiva do concelho”, englobando assim “desde livros, filmes, DVDs, CDs a documentos impressos (como fotos, postais)” e escritos de pessoas locais (id.). Este espólio dedicado “à história e à cultura da região” que permite “garantir a memória dos costumes e tradições locais” é formado por doações de instituições e particulares e pretende ser alargado por via de “projetos de coleta de memórias orais, escritas, fotográficas, etc.” (id.).

Considerando a análise da temporalidade das duas iniciativas, conclui-se que, embora sendo ambas temporárias, no caso da iniciativa TISA houve uma travagem do processo pelas barreiras institucionais colocadas quer às parcerias, quer aos patrocínios; ao passo que na iniciativa Casa do Vapor, o

149 Estas atividades vão desde visitas culturais (CCB e Oceanáro) a um peddy-paper na Mata da Trafaria promovido por uma das habitantes ocasionais da Cova do Vapor, hora do conto na festa de encerramento do ano letivo no Centro Social da Trafaria a convite da Santa Casa da Misericórdia de Almada (Website Biblioteca do Vapor), e oficinas de desenho e escrita emotiva integradas no projeto artístico “Opereta do Mar”, uma iniciativa de Loreto Martínez Troncoso que pretende ser uma opereta ambulante, uma peça coletiva composta por relatos orais de histórias locais e paisagens sonoras da Cova (Website Casa do Vapor).

Figura 3.14. Reinauguração

da Biblioteca do Vapor

Fonte: Website Biblioteca do Vapor

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processo conheceu um novo ciclo de vida. Embora os Exyzt tenham abandonado o processo, os agentes com quem estabeleceram colaborações deram continuidade ao projeto, redesenhando os seus mecanismos de governança.

6. Impactos das intervenções (Quais os efeitos produzidos pelas iniciativas?)