• Nenhum resultado encontrado

1. A Participação do Arquiteto na Sociedade Contemporânea

1.1. Novos conceitos críticos 1 Urban Curating

1.1.4. Spatial Agency

O conceito de “agenciamento espacial” é abordado pelos autores Nishat Awan, Tatjana Schneider e Jeremy Till, na sua recente publicação “Spatial Agency: Other Ways of Doing Architecture” (2011) resultante de um trabalho de compilação e análise reflexiva de inúmeros casos que contribuíram de variadas formas para mudanças do ambiente construído e que estão fora dos cânones da prática profissional corrente (Tombesi, 2012: 809). “Spatial Agency tackles some of the central tenets of architecture as a discipline, asking whether these in fact maintain currency for both the profession and

the built environment.” (id.: ibid.).

Na introdução deste livro os autores começam por explicar a razão da escolha dos termos que definem este conceito e cujas raízes se encontram essencialmente no pensamento dos sociólogos Henry Lefebvre e Anthony Giddens. O termo “espacial”, segundo os autores, não pretende substituir o “arquitetónico”, mas antes “expandi-lo” (Awan et al., 2011: 29). O mesmo é dizer que o espaço é mais do que o vazio entre objetos físicos mas sim, como defende Lefebvre, um espaço socialmente

21 Segundo Miessen, a escala micro-local apresenta-se como aquela onde os efeitos dos conflitos são sentidos mais directamente, e que pode servir de campo de teste para ações contra conflitos sociais maiores: “The importance of the microscale lies in its ability to be highly localized, and therefore specific to generating change; it can be tangible through the articulation of very specific aims and targets, which can be quickly tested against reality” (Miessen, 2010: 236).

25

produzido (id.: 29). Lefebvre traz a produção do espaço do mundo dos arquitetos para um contexto social ao considerar que: 1) a produção do espaço é partilhada; 2) o espaço social não é estático mas dinâmico, isto é, a sua produção está em constante mutação, um ciclo constante sem princípio nem fim e para o qual contribuem múltiplos autores; 3) a produção do espaço não é um ato neutro, mas antes inerentemente político, que implica naturalmente situações de poder/não poder, interacção/isolamento, controlo e liberdade (id.: 29-30). Neste sentido, os exemplos apresentados por Awan et al. (2011) como “agenciamento espacial”, (…) remind us that every line on an architectural drawing should be sensed as the anticipation of a future social relationship, and not merely as a harbinger of aesthetics or as an

instruction to a contractor. They also point to the possibility of achieving transformation in manners

beyond the drawing of lines” (id.: 30).

No que respeita ao termo “agência”, este é usado pelos autores em detrimento do termo “prática” devido à associação deste último a uma determinada normatividade disciplinar. Segundo os autores, o termo “agência” ou “agenciamento” é tradicionalmente colocado em dialética com o termo “estrutura”. Enquanto a “agência” é descrita como a capacidade de um indivíduo para agir independentemente das estruturas que constrangem a sociedade; a estrutura é vista como a forma como a sociedade está organizada (Awan et al., 2011: 30). No contexto da prática arquitetónica, esta dialética manifesta-se na visão do arquiteto como agente que tem esperança que as suas ações criativas individuais possam causar mudança22; e na visão do arquiteto como facilitador técnico, cuja ação é determinada pelas forças sociais e económicas e pelas decisões tomadas por outros (id.: 30-31). Segundo Awan et al., ela constrói as habituais imagens estereotipadas do arquiteto, entre o génio e o comercial. Para os autores, esta é uma visão errada. Agência e estrutura não devem ser vistas como um dualismo, como duas condições opostas. Contrariamente, e de acordo com o pensamento de Anthony Giddens, agência e estrutura devem ser entendidas como duas condições implicadas uma na outra: nem o agente é completamente livre como indivíduo, nem está completamente preso na estrutura (id.: 31).

22 Segundo Oliveira e Furtado (2012), um “agenciamento arquitetónico” implica “o desenvolver de um deliberado esforço, sob condições materiais, em que a livre ação voluntária prevaleça sobre a involuntariedade ou passividade. Neste sentido, o arquiteto tem hoje de “vestir o fato” e tornar-se um verdadeiro “entrepreneur action man”” (id.: 119). Os autores sublinham ainda que na proposta de Bouman para uma arquitectura não-solicitada já se encontra inerente uma redefinição do “papel do arquiteto enquanto forma de agenciamento” (id.: ibid.).

26

Spatial agents are neither impotent nor all powerful: they are negociators of existing condition in order to partially reform them. Spatial agency implies that action to engage transformatively with structure is possible, but will only be effective if one is alert to the constraints and opportunities that the structure presents. “Action depends on the capability of the individual to ‘make a difference’ to a pre-existing state of affairs or course of events”, writes Giddens, “…agency means being able to intervene in the world, or to refrain from such intervention, with the effect of influencing a specific process or state of affairs.” (…) The normal modus operandi an architect is to add something physical to the world; this alternative suggest that, in the spirit of Cedric Price, the addition of a building is not necessarily the best solution to a spatial problem and that there are other ways of making a spatial difference. (id.: ibid.)

De acordo com Awan et al. (2011), o conceito de “agenciamento espacial” não se reduz apenas aos significados dos termos usados, mas traz consigo uma série de outras características. Uma delas é a flexibilidade da intenção dos agentes, ou seja, os agentes agem com uma determinada intenção transformadora que é formada e reformada pela dinâmica do contexto estrutural na qual intervêm (id.: ibid.). Esta flexibilidade implica que o agente tenha a capacidade de agir contra intuitivamente a uma

mentalidade profissional assente no conhecimento estabilizado que legitima a autoridade da própria profissão, e que compreenda que o conhecimento que traz para o terreno deve ser negociado, flexível e partilhado com os outros, de forma a qua se atinja o “mutual knowledge”, termo usado por Giddens para definir o conhecimento que não é determinado por normas e expectativas profissionais mas fundado na troca e na negociação (id.: 32). Esta necessidade de trabalhar com os outros, expõe inevitavelmente os profissionais a questões de poder, particularmente a como o poder pode ser usado e abusado pelos profissionais que atuam como agentes espaciais. Segundo os autores, enquanto agentes espaciais, os arquitetos devem facilitar o “empowerment” dos outros: “(…) the agent is one who effects change through the empowerment of others, allowing them to engage in their spatial

environments in ways previously unknown or unavailable to them, opening up new freedom and

potentials as a result of reconfigured social space” (id.: ibid.).

Após a introdução na qual Awan, Schneider and Till justificam o conceito de “agenciamento espacial”, os capítulos 1, 2 e 3 são dedicados aos porquês (motivações), ondes (lugares) e comos (operações) desse agenciamento (Tombesi, 2012: 810). O capítulo 1, referente às motivações, clarifica as principais razões que estão na origem de um envolvimento do arquiteto com a realidade espacial e social. São

27

elas, motivações políticas (seja resultante de uma clara posição política, maioritariamente de esquerda, seja em nome da justiça espacial)23, profissionais (resultantes do interesse em que haja uma redefinição de noções pré-concebidas do que é ser arquiteto)24, pedagógicas (de estabelecimento de plataformas pedagógicas alternativas com o intuito de mudar a cultura dos arquitetos e ao mesmo tempo disseminar o conhecimento espacial entre atores sociais desprivilegiados)25, humanitárias (de resposta mais eficaz às crises humanitárias) e ecológicas (de resposta aos desafios da sustentabilidade ambiental)26.

O capítulo 2, sobre os lugares do agenciamento especial, identifica as oportunidades que existem para este trabalho ganhar raízes ou emergir (Tombesi, 2012: 810). Os autores apresentam um largo espectro de territórios de intervenção “which include the design or development of social coalitions, the determination of physical fabric relations beyond buildings, strategic participation in organizational

structures, self-publishing efforts with specific knowledge-building objectives” (id.: ibid.).

Por fim, os procedimentos necessários para iniciar o agenciamento espacial são explicitados no capítulo 3. O grau de empreendedorismo ou criatividade necessários para pôr em prática estas ações implica que, segundo os autores, haja uma expansão dos briefings originais, projetos iniciados por iniciativa própria, operações entre sistemas económicos não monetários, apropriações de espaços subaproveitados, adoções de medidas de trabalho mais flexíveis e perseguições de alianças entre grupos (id.: ibid.).

23 No que respeita aos agentes politicamente motivados os autores distinguem entre os que atuam por via da crítica, como o grupo alemão An Architektur ou o escritor americano Mike Davis, ou da intervenção espacial, como o grupo MOM (Morar de Outras Maneiras), o Estudio Teddy Cruz ou o atelier d’architecture autogérée (Awan et al.., 2011: 40-41). Quanto aos que atuam em nome da justiça espacial, os autores referenciam o ativista espanhol Santiago Cirurgeda (id.: 41).

24 Através da inclusão de outros, amadores no processo de intervenção espacial e através da rejeição do edifício como a representação de um “expert”, de um profissional que detém todo o conhecimento de como se desenha um edifício e de como este deve ser, o agenciamento espacial rompe com a clausura profissional, extentendo o papel do arquitecto. Como exemplos de ateliers cujas motivações para o agenciamento espacial englobam questões profissionais os autores apresentam o Atelier-3/Rural Architecture Studio em Taiwan e Elemental Chile (Awan et al., 2011: 43-44).

25 Como exemplo de iniciativas que tentaram rever estruturas e métodos de educação arquitectónica, introduzindo dimensões éticas, nomeadamente a sensibilização das responsabilidades sociais do arquitecto, os autores destacam o Rural Studio que, segundo Samuel Mockbee, seu fundador, aplica uma metodologia que permite aos alunos “estarem mais preocupados com os bons efeitos da arquitectura mais do que com ‘boas intenções’” (Mockbee apud Awan et al., 2011: 47).

28